Como o governo quer usar site de carros roubados para achar criança sumida?
Resumo da notícia
- PRF tem plataforma em que recebe denúncias de carros roubados ou furtados
- Agentes a 100 km do evento recebem alertas para iniciar investigação
- Damares Alves, do Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos, gostou da ideia
- Ela quer usar o sistema da PRF como base para plataforma que ajude a achar crianças desaparecidas
O governo de Jair Bolsonaro estuda usar um sistema de alerta para achar carros roubados como modelo de uma ferramenta para localizar crianças desaparecidas. Ventilada por Damares Alves, ministra da pasta das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), a ideia pode trazer agilidade à investigação de sumiços ainda que abra a possibilidade para ocorrerem muitos "trotes", avaliam especialistas de segurança.
A Polícia Rodoviária Federal, criadora da ferramenta que serve como modelo para o projeto, aponta também uma possível dificuldade: integração com outras instituições de segurança pública.
Damares falou sobre o projeto em uma postagem publicada no Twitter nesta terça-feira (2):
Gente, olha que absurdo. Temos um sistema que localiza carros roubados, mas nenhum que se dedique a encontrar crianças desaparecidas. Já conversei com a PRF para utilizarmos essa tecnologia em prol da vida e da família.
Ela se referia ao Sinal (Sistema Nacional de Alerta), criado pela PRF no fim de 2017.
A ferramenta funciona assim:
- quem teve seu veículo roubado ou furtado entra no site do Sinal no computador ou celular
- insere informações do automóvel (placa, cor e marca/modelo)
- fornece dados pessoais, como nome, telefone, número de documento, email e endereço
- descrever minimamente o que ocorreu (furto, roubo, sequestrou ou apropriação indébita?), em que local ocorreu e em que condições
Não é preciso, no entanto, ter em mãos um boletim de ocorrência. Ou seja, o fato não precisa ser comunicado à Polícia Civil para que a PRF comece a agir.
E o que ela faz? É isso que fez os olhos de Damares brilharem: assim que um carro roubado é cadastrado no Sinal, todos os agentes da PRF que estejam em um raio de 100 km a partir do local do incidente recebem em aviso. Eles recebem uma notificação no smartphone com os dados do veículo.
Dados de crianças desaparecidas no Brasil são incertos. No Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, mantido pelo governo, há apenas 64 casos inseridos. Números do Fórum Brasileiro de Segurança, no entanto, mostram que o problema é bem maior. Em seu Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o fórum mostra, sem discriminar a idade, que 82.684 pessoas desapareceram em 2017 (último dado disponível). Esse volume de gente foi 1,1% maior que o registrado no ano anterior. No mesmo ano, foram localizadas 53.525 pessoas, 90% a mais do que em 2016.
Contatado pela reportagem, o MDH informou que o Sinal, da PRF, servirá apenas de modelo. O ministério não detalhou, mas isso pode querer dizer que, em vez de placa e modelo, alguém que acesse a ferramenta para desaparecidos tenha que informar características físicas da criança, como cor do cabelo, dos olhos, idade, altura, como estava vestida.
A ideia é aproveitar a tecnologia já desenvolvida pela Polícia Rodoviária Federal e adaptá-la às especificidades necessárias à sua utilização para coletar e divulgar informações sobre crianças desaparecidas
Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos
No Twitter, Damares ainda falou que a ideia é integrar "policiais de todo o país". Ainda hoje, não há um sistema que tenha sido capaz de tal integração. Esse ponto, aliás, é um desafio que os criadores da plataforma enfrentam. A PRF admite haver dificuldade de fazer o Sinal ser usado por outras instituições de segurança pública.
A ministra também diz que conversou com Google e Facebook, mas a pasta não respondeu como as duas empresas de tecnologia poderiam atuar no projeto, só disse que o projeto ainda carece de estudos sobre se é viável. "Caso seja confirmada a viabilidade técnica, o sistema servirá como ferramenta de alerta à população e às autoridades para facilitar as buscas."
A tecnologia ajuda?
Especialistas veem com bons olhos sistemas como esse. "Isso pode ser positivo, porque a maior parte dos estudos demonstram que as primeiras horas logo depois que acontece ou supostamente acontece o fato são cruciais para encontrar a pessoa", diz Bráulio Figueiredo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública:
Se alguém sequestra uma criança, até você perceber que sumiu, ir a uma delegacia fazer registro e acionar a polícia para assim começar uma investigação, esse tempo que está se perdendo para encontrar a pessoa é crucial
Agilizar o início de uma investigação foi uma das motivações para a PRF criar o Sinal. A polícia, subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, não respondeu às perguntas da reportagem até a publicação deste texto. Os agentes responsáveis pela ferramenta, no entanto, discorreram sobre a criação do Sinal quando concorreram ao Prêmio Innovare, em 2018.
Para eles, a ideia era fugir da burocracia do sistema gerenciado pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados). A empresa estatal é a desenvolvedora do Sinesp Cidadão, aplicativo em que se pode consultar a base de dados de carros roubados ou furtados. As informações são compiladas a partir de boletins de ocorrência e de registros junto a departamentos de trânsito.
Trote é problema
Dessa forma, a diferença entre os dois é que, no Sinal, o cadastro do carro furtado ou roubado é feito pelo próprio cidadão e o alerta é dado imediatamente, enquanto no Sinesp Cidadão, os dados são inseridos apenas por órgãos públicos e podem apenas ser consultados. Apesar de julgar que sua plataforma agilize uma investigação, a PRF admite que ele permite falsas comunicações de crime, os chamados "trotes". Tanto é que o site do Sinal informa em destaque que a prática é crime e aqueles pegos fazendo isso podem ser punidos com prisão de um a seis meses e multa.
Para Figueiredo, da UFMG, é até natural que haja "trotes", mas isso não chega a ser um problema. "A gente sabe que pelo 190 chega um número elevadíssimo de trote. Algumas pessoas usam o serviço para chegar à noite e ter a política passando ali. Isso acontece com qualquer tipo de serviço com maior fluidez de informação entre cidadão e organização policial."
O professor diz ainda que é preciso entender qual será o fluxo de informação, desde o seu cadastro pelo cidadão na plataforma até que chegue ao agente que fará a investigação.
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