Topo

Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uso das redes na prisão de Roberto Jefferson repete caos da eleição nos EUA

Roberto Jefferson atira em policiais ao reagir a prisão no Rio de Janeiro - Reprodução, redes sociais
Roberto Jefferson atira em policiais ao reagir a prisão no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução, redes sociais

26/10/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Todo mundo conhece a frase de que a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. No que diz respeito ao papel das redes sociais nas eleições presidenciais, o Brasil —a seu modo— vai repetindo o enredo das eleições nos Estados Unidos em 2020.

Por lá, até quase perto das eleições, as redes não haviam sido alvo de grande comoção. Para além dos ataques e da desinformação esperada, as empresas de redes sociais não estavam na mira das histórias que poderiam mudar os rumos do pleito.

Até o momento em que surgiu a reportagem do jornal New York Post que acusava Hunter Biden, filho do candidato Joe Biden, de usar da influência do pai para obter vantagens pessoais. As informações que alimentaram a matéria, segundo explicação corrente à época, teriam vindo de um laptop que Hunter deixou no conserto e cujos dados foram vazados.

Era tudo bem estranho.

O Twitter aplicou a sua política sobre usuários que postam conteúdos obtidos ilicitamente e impediu que o jornal continuasse a publicar na plataforma enquanto os posts sobre o caso não fossem apagados.

Começou a confusão.

O CEO da empresa, Jack Dorsey, chegou a reconhecer em audiência no Congresso norte-americano que a política foi aplicada de forma errônea e que outras medidas poderiam ter sido adotadas.

As redes sociais estavam então no centro do debate público. Nos dias anteriores ao fatídico 6 de janeiro, no qual apoiadores de Trump invadiram o Capitólio, o ex-presidente usou as redes para mobilizar o público, convocando para uma marcha em Washington ("vai ser selvagem!").

Enquanto o mundo assistia com espanto os acontecimentos nos EUA, as redes sociais correram para suspender Donald Trump. O estrago já estava feito e a aplicação de sanções pelas redes de forma atabalhoada ainda iria render muita confusão.

Do lado de cá, pode perguntar para qualquer pessoa que trabalhe com redes sociais e eleições que a resposta vai ser a mesma: o nosso primeiro turno de 2022 foi mais tranquilo do que se esperava. Digo, muito mais tranquilo. Tivemos os naturais casos de ataques e de desinformação, mas nada que roubasse a cena.

No segundo turno a coisa mudou.

Na reta final estamos vendo as redes sociais ganharem centralidade na história dessas eleições para valer. Satanismo, canibalismo, pedofilia, assédio, compra de voto e violência de toda espécie. Essa é uma lista resumida do que anda viralizando nas narrativas que tomam as redes.

O TSE, ao perceber que a coisa estava saindo do controle, resolveu editar uma resolução que procura remover conteúdos das redes em até duas horas e aplica multas pesadas pelo descumprimento.

Essa medida deu mais combustível para os apoiadores do presidente Bolsonaro alegarem que o TSE está promovendo um regime de censura.

No mesmo dia em que a resolução foi aprovada começaram a surgir publicações que se fingiam removidas por determinação do tribunal, aumentando o clima de paranoia e de perseguição.

Além disso, o novo papel desempenhado pelo TSE pode gerar um contencioso com as próprias redes sociais ou terceiros que discordem da medida, alegando sua inconstitucionalidade. A Procuradoria-Geral da República chegou a provocar o STF, mas teve seu pedido cautelar negado pelo ministro Edson Fachin.

Pode-se ainda especular se todas as empresas vão conseguir efetivamente cumprir as determinações do TSE.

Em particular o Telegram, que resistiu aos primeiros contatos por parte das autoridades brasileiras, entra na mira. A nova resolução do tribunal prevê o bloqueio de apps por até 24 horas em caso de descumprimento reiterado.

Tudo indica que o resultado das eleições será apertado. Nesse contexto, ao olharmos no retrovisor para essa última semana do pleito, como será que a atuação do TSE e o papel das redes sociais vai sair na foto?

No varejo a medida pode ser pouco efetiva. Não vai fazer sumir a desinformação, dá munição aos críticos e cria o cenário perfeito para mais confusão.

A prisão de Roberto Jefferson e sua cobertura nas redes já dá uma pista sobre a mudança das águas. O ex-deputado gravou vídeo para as redes agredindo a ministra Cármen Lúcia, do TSE, em flagrante violação dos termos de sua prisão domiciliar. Ao ter o seu regime de prisão revogado, Jefferson reagiu e feriu dois policiais que foram à sua casa cumprir o mandado.

Durante o domingo, 23 de outubro, o que se viu foi um espetáculo de desinformação nas redes sociais, amplificando o discurso de Jefferson de que ele agia em legítima defesa. Cada passo das negociações para sua efetiva prisão foi acompanhado online, distorcendo as razões da ordem da prisão e pintando o ex-deputado como um mártir.

A velocidade dos fatos e a formação de um tsunami de atenção nas redes já foi testada no último final de semana. Vamos torcer para que, seja qual for o resultado das eleições, a sua eventual contestação não consiga reprisar o roteiro do que se passou nos Estados Unidos.

De uma forma ou de outra, as redes sociais não vão poder mais dizer que não foram protagonistas da história dessas eleições. Resta saber qual papel elas, em sua relação com o TSE, vão desempenhar no aguardado próximo capítulo.