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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fake news sobre urna eletrônica estão de volta: o alvo agora é o boletim

Boletim de urna - Divulgação/TSE
Boletim de urna Imagem: Divulgação/TSE

06/10/2022 04h00

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Engana-se quem pensa que o resultado expressivo obtido no primeiro turno pelo presidente Jair Bolsonaro e por candidatos alinhados ao governo arrefeceu o posicionamento do grupo sobre as urnas eletrônicas.

Desconfiar dos processos institucionais, mesmo sem qualquer evidência de fraude, parece fazer parte de um ethos que une candidatos e apoiadores.

Mesmo saindo consagrados pelas urnas no primeiro turno, criticá-las e pôr em xeque a integridade das eleições é quase uma obrigação, uma prova de lealdade ao movimento que procura surfar na síndrome de perseguição que acompanha o discurso antissistêmico.

De forma mais prática, contestar as urnas também prepara o terreno para o resultado do segundo turno: tudo indica que, seja lá quem vencer, será por uma margem apertada.

Os trabalhos foram abertos ainda na noite de domingo (2), após a votação do primeiro turno.

Em vídeo originado no Kwai, plataforma de vídeos curtos, um casal revela ter encontrado "votos jogados fora" nas ruas de Curitiba. Em tom de perplexidade, o casal vai desenrolando dois rolos de papel que parecem ser boletins de urna (BU). Neles o candidato Jair Bolsonaro teria vencido a votação nas respectivas urnas eletrônicas. O casal sugere então que esses votos não teriam sido computados.

Vale explicar que cada urna eletrônica imprime pelo menos cinco vias do BU. Esse documento indica o total de votos que cada candidato recebeu naquela urna. Uma delas é afixada no próprio local de votação (você pode ir lá e tirar foto), duas são enviadas para Justiça Eleitoral e outras são entregues aos fiscais dos partidos políticos e ao Ministério Público.

O TSE recomenda ainda que os próprios presidentes de mesa e mesários levem uma via para depois conferir na internet a informação sobre os votos computados na urna.

A contagem dos votos é eletrônica. O BU é apenas uma das diversas formas pelas quais se procura dar mais transparência ao processo de votação, dando ao eleitor o acesso à impressão do total de votos de cada urna.

Essa informação pode ser inclusive conferida na internet, o que o casal aparentemente não fez, preferindo gravar um vídeo cheio de falsas suspeitas que alimentam o ambiente de desinformação.

Sinal dos tempos em que todo mundo quer ser Sherlock Holmes e desvendar uma grande conspiração.

Então vamos lá:

  1. São impressas diversas vias do BU, inclusive para presidentes de mesa e mesários;
  2. Encontrar um BU jogado na rua é uma questão de limpeza urbana, não de fraude eleitoral;
  3. Os votos são contados eletronicamente, o BU é apenas um retrato do que foi processado na urna e já enviado para Justiça Eleitoral e;
  4. Essa informação pode ser conferida também na internet.

Candidatos eleitos também começaram a levantar suspeitas de fraude nas mesmas urnas que os elegeram.

O deputado federal mais votado do Brasil, Nikolas Ferreira (PL-MG), tuitou durante a apuração: "Zema, Cleitinho, Bruno e eu disparados na frente, e Lula ganhando em Minas. Estranho?"

Nos grupos de WhatsApp e Telegram está viralizando um vídeo gravado em 2018 pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) em que ela afirma que "sim, houve fraude no primeiro turno", alegando que "matematicamente" o resultado obtido por Bolsonaro não seria possível dado o andamento da apuração no Sudeste e no Nordeste.

A deputada diz que "vem conversando com pessoas de diversos Comandos" e que o povo deveria exigir a aplicação da Lei que permite que "em casos excepcionais, o voto em cédula pode ser utilizado".

A legislação eleitoral permite a utilização de cédulas de papel quando não for possível a votação eletrônica, mas não existe qualquer "caso excepcional", em abstrato e válido para o Brasil todo, que motivasse a descontinuidade do processo de votação eletrônico.

Esse vídeo, que já era desinformação em 2018, continua a desinformar em 2022.

Nas próximas semanas devemos ver o resgate de velhos materiais desinformativos e a criação de outros tantos novos em cima de uma disputa cada vez mais acirrada.

Todo segundo turno facilita, por definição, um processo de polarização. Nas atuais circunstâncias, vale ficar de olho em como os ataques às urnas eletrônicas preparam o terreno para a contestação de um resultado que já se anuncia apertado.