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Blog do Dunker

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Estas provas vão ajudar a separar a verdade da mentira nestas eleições

Os candidatos Lula e Bolsonaro durante debate na Band no segundo turno das eleições presidenciais - Reprodução / Band
Os candidatos Lula e Bolsonaro durante debate na Band no segundo turno das eleições presidenciais Imagem: Reprodução / Band

27/10/2022 04h00Atualizada em 31/10/2022 09h18

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"A Verdade Saindo do Poço Armada de seu Chicote para Castigar a Humanidade" é uma tela pintada por Jean-Léon Gérôme em 1896, retratando uma parábola na qual Verdade e Mentira se encontram. A Mentira diz: "que belo dia", ao que a Verdade concorda, pois o dia estava realmente lindo. Achando que a Mentira havia se convertido, a Verdade começa a passear com ela ao longo daquele lindo dia.

Chegam assim a um poço, do qual a Mentira prova a água e diz:

"Ela está deliciosa, vamos tomar um banho juntas?"

A verdade prova da água e concorda com a Mentira, a água estava ótima.

Meio desconfiada, a Verdade tira a roupa e entra no poço. Mas no meio do banho, a Mentira veste-se com as roupas da Verdade e sai correndo pelo mundo a fora.

A Verdade sai do poço envergonhada. Tinha sido enganada pela Mentira. Não tinha percebido que a Mentira tinha contado duas pequenas verdades apenas para lhe fazer cair em uma grande mentira.

Quando a Verdade começa a correr atrás da Mentira ninguém quer olhar para ela, pois ela está nua.

Verdade volta então para o poço e veste-se com as roupas da Mentira. Agora todos desconfiam da Verdade, porque ela está aparecendo com os trajes da Mentira.

Verdade volta então ao poço e se esconde recoberta pela tripla vergonha: de ter sido enganada, de não ter sido reconhecida e de ter sido vista assim, nua e crua.

A Verdade Saindo do Poço Armada de seu Chicote para Castigar a Humanidade - Jean-Léon Gérôme - Reprodução/ Domínio público - Reprodução/ Domínio público
A Verdade Saindo do Poço Armada de seu Chicote para Castigar a Humanidade - Jean-Léon Gérôme
Imagem: Reprodução/ Domínio público

Assistindo ao debate entre Lula e Bolsonaro, lembrei-me do apólogo da Verdade escondida no poço.

Qual a verdade estará escondida neste poço que vai do Petrolão ao Mensalão, passando pela Nicarágua e Venezuela, chegando ao ex-presidiário e suas más companhias?

Seriam elas verdades tão verdadeiras quanto o fato de que hoje está um dia ensolarado e que a água está convidativa para o banho?

Ou seriam elas verdades do tipo contadas pelo mentiroso, que quer se aproveitar destas verdades para criar um mentirão que nos levará a todos para o teto fiscal machiatto, o fundo do poço moral e o salário mínimo andrajoso?

A fábula nos dá um critério simples e prático, pelo qual você, leitor, poderá reexaminar o debate eleitoral novamente, para tomar uma decisão, se é que estes são os termos em que você coloca esta matéria.

Pergunte a si mesmo: quem sentiu mais vergonha? A capacidade de sentir vergonha, de ficar constrangido, de sentir-se embaraçado é claramente o critério da verdade.

Agora examinemos o critério oposto para reconhecer um mentiroso.

Esse critério também é simples: examine a tendência desta pessoa para envergonhar aos outros. Seja os outros que assistem ao teatro do mentiroso, seja os outros a quem ele quer envergonhar, seja ainda os outros em quem ele desperta este curioso sentimento que é a vergonha alheia.

Agora apliquemos este critério aos discursos. Como se sentiram os presidiários e ex-presidiários reais? Aqueles que não tiveram o benefício de um segundo julgamento justo. Inclua aqui todos que têm dívidas crônicas, com seus nomes na lista dos devedores. Não esqueça dos empresários falidos.

Considere agora todos os que merecem uma segunda chance na vida. Eles sentem vergonha ou ódio? Pergunte-se quando e como você viu a Verdade, transformada em instrumento de opressão, denúncia e cancelamento.

Um exemplo na escola: tive um amigo que todo dia era chamado de "seu gay". Um dia ele disse: "eu sou mesmo gay, eles querem é gozar da minha vergonha".

Ou seja, a verdade pode ser ingênua, enganada, pode até mesmo ser usada de forma mentirosa para humilhar os outros. Mas uma coisa não se pode negar: a Verdade sente vergonha. A Mentira exagera, torce e tripudia a vergonha da Verdade.

Agora examinemos o caso oposto: o que dizer dos fiscais, juízes e policiais corruptos e corruptores, dos grandes e pequenos compradores de casas a dinheiro vivo sem impostos, dos que mudam o diretor da Polícia Federal para proteger os filhos? Eles sentem vergonha ou eles tentam culpar os outros? Se a corrupção esteve e está aí, quem fez mais para enfrentá-la?

Se a transparência, representada pela nudez, é o critério da verdade, quem precisa de 100 anos de sigilo?

No teste dois, o diferencial não é quem roubou mais, quem matou mais (tipo o capitalismo ou o comunismo), nem quem é o maior culpado por "tudo", mas quem ainda é capaz de sentir vergonha.

Chegamos assim a vergonha como índice da verdade.

Considere agora o terceiro teste.

Mentira pode transformar-se em Verdade, desde que, seja pega no pulo e desmascarada. Neste instante, observe bem: se estivermos no caso "V", a face deve ficar vermelha de vergonha. Mas se a cara do sujeito for feita de pau, ou se vier um impávido "e daí? Não sou coveiro", esteja certo que estamos no caso "M", ou simplesmente "na M."

A quarta prova é de psicopatologia.

Existe uma condição clínica conhecida como fabulação, na qual a pessoa discorre indefinidamente sobre uma história, misturando fatos e interpretações de forma a produzir memórias fantasiosas frequentemente de autoengrandecimento.

Quando a fabulação é temática e organizada dá se o nome de mitomania (vejam só que coincidência). Quando ela é caótica e ligada à memória é chamada de confabulação e quando acontece no indivíduo solitário e isolado pode ser chamada de pseudologia fantástica.

Dupré separou a mitomania da criança, que no seu brincar fantasioso, confunde o acontecido com o desejado, da mitomania vaidosa, típica do adulto que quer se engrandecer, pois se considera inferior.

Mas há ainda o caso mais grave da mitomania maligna. Nela o sujeito distorce, exagera e supervaloriza fatos para prejudicar ou depreciar alguém.

A fabulação não é um delírio, mas uma espécie de gozo irresistível na mentira. Uma mentira que precisa ser continuamente exagerada e inflacionada para que os que a crença no mentiroso se mantenha. Como uma pirâmide na qual se o sujeito para de mentir, o conjunto todo cai de uma vez.

Examine agora, meu caro eleitor, se temos algo parecido em jogo. Para tanto, confira aqui números, dados e exemplos apresentados nos debates e fartamente desmentidos:

A quinta prova da gincana "Verdade ou Fundo do Poço" consiste em examinar mentalmente se você está sendo enganado pelo falso silogismo que faz você pensar que denunciar a Mentira é igual a encontrar a Verdade.

A fabulação não é um delírio, ainda que possa se confundir ou se associar com ele. O fabulador cria uma história mentirosa, feita com as vestes da verdade, para que a Verdade continue no fundo do poço, bem escondida.

No mentiroso eleitoral não há vergonha alguma, pois uma parte dela é defletida em culpa do outro, e outra parte se transforma na obsessão por desmascarar a Mentira.

Esta síndrome da autoverdade faz a pessoa atirar em policiais, que vieram te prender (em nome da Mentira). Imuniza contra vergonha ao fazer "desacontecer" fotos imaginárias ao lado de tal pessoa desfavorável para a campanha. Finalmente, limpa todo embaraço da contradição anterior, transformando tais fotos reais (que não aconteceram), em montagens feitas por quem quer "nos prejudicar".

Lembremos, a Verdade surge nua, vulnerável, com suas roupas emprestadas, recolhidas pelo caminho da vida (como as do palhaço, me lembrará o amigo Thebas).

A Mentira, ao contrário, quase sempre grita, intimida e tagarela.

Na fábula, a Mentira veste-se com os trajes da Verdade, daí o excesso de tintas, o volume dos gritos e o exagero na maquiagem. Ela só pode viver correndo o mundo, ou seja, passando de boca em boca, sustentada pelo prazer de compartilhar o exagero do exagero.

Quem conta um conto aumenta um ponto. Gostamos de acrescentar algo à mentira, gostamos de passar nossa própria mentira através da mentira dos outros.

A Mentira é contagiosa, corre por aí, enquanto a Verdade está presa no poço e demanda esforço para ir sendo tirada de sua prisão, lá no fundo do poço, gota a gota, balde por balde.

A sexta ponderação sobre a Verdade e a Mentira no sentido extra eleitoral nos ajuda a entender por que, depois de tudo o que passamos, pouco se falou de programas e agendas para o Brasil.

Em vez disso, a disputa firmou-se em torno de quem é quem.

Nesse terreno pantanoso fica difícil enfrentar a Mentira porque nosso julgamento é determinado pelas aparências identificatórias imediatas, tais como o calor do dia de hoje ou o sabor da água agora.

A história passada perde peso porque, afinal, ela é contada por alguém. Se o sol de hoje queimou nossas árvores ontem, ou se a água barata de hoje se tornará amargamente cara amanhã, tudo isso depende de quem fala, logo potencial mentiroso.

Aqui há um teste possível. Esqueça quem fala o quê e escute o poço.

Como diz a fábula, a Verdade é a voz baixa que sai de mansinho, murmurando do poço da vergonha. A Mentira é aquela forma barata de amar quem nos traiu, fazendo meme com uma mão e lacrando com a outra.

Para saber a diferença, pergunte ao desesperado, faminto ou angustiado, o que ele quer ouvir: verdade nua, crua e dolorosa ou mentira mal cozida, vestida e embalada para presente de grego?

Responda a si mesmo: onde está sua vergonha? Se ela estiver por aí, grampeie junto da cola eleitoral e grude no título, antes que ela saia por ai vestida de medo, culpa ou ódio.

Agora que você passou pelas provas da Verdade, espero que esteja em condições de colocar a Mentira no poço sem fundo das eleições de domingo.

Até lá lembremos que na tela de Gérôme a Verdade é retratada como uma bela mulher, com os seios à mostra, saindo do poço, com o chicote na mão. A Mentira é pornográfica. Ela mostra tudo em exibição e promoção.

A Verdade se diz aos poucos, com alguma compostura e humildade, no tempo longo da história.

Ainda assim, no domingo, lembremos de nossas heroínas bíblicas, como Judite, Rute e Sulamita. Lembremos de todas as mulheres guerreiras do Velho e do Novo Testamento, que deixaram a vergonha de lado, ainda que apenas por um instante, dispostas a aplicar o merecido corretivo no mentiroso.