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No Place for Bravery: game brasileiro luta contra clichês do RPG romântico

Bruno Izidro e Makson Lima

Do START e colaboração para o START

18/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Game brasileiro chamou atenção com o trailer de anúncio, frenético e cheio de ação
  • História do jogo quer derrubar clichês do "herói superpoderoso", mostrando um pai em busca da filha
  • Produção é da The Glitch Factory, um estúdio de Brasília (DF) formado por nove pessoas

O trailer de anúncio de No Place for Bravery impressiona pela qualidade de seus gráficos, os pixels violentos, o gameplay bastante agressivo. Mas essa primeira impressão é logo quebrada quando você começa a conhecer o jogo.

O START conversou com o estúdio The Glicth Factory, de Brasília, sobre criar um game que parece clichê, mas pode ser cheio de surpresas, principalmente quando a matéria-prima são as próprias vivências reais dos desenvolvedores.

Enfrentando clichês

No Place fo Bravery Father - Divulgação/The Glitch Factory - Divulgação/The Glitch Factory
Thorn é um pai em busca da filha
Imagem: Divulgação/The Glitch Factory

No Place for Bravery é apresentado pelos desenvolvedores como a história de Thorn, um pai em busca da filha perdida. Não é a premissa mais original do mundo, mas é intencional, segundo o game designer Felipe Todeschini:

"Parte da experiência do Bravery envolve quebrar essa expectativa de uma aventura romantizada. Para alcançar isso, o jogador será lançado em um mundo destruído, repleto de carcaças gigantescas e marcas de guerras antigas."

Essa é a primeira quebra de expectativa do jogo, por haver um foco grande na trama e nos personagens. Além de Thorn, há também Phid, o filho adotivo e companheiro de viagem do pai.

Felipe também conta que até mesmo escolhas morais serão apresentadas ao jogador no decorrer da aventura.

No Place for Bravery - Divulgação/The Glitch Factory - Divulgação/The Glitch Factory
Game terá bastante foco na narrativa
Imagem: Divulgação/The Glitch Factory

Já as respostas para todas as dúvidas que se formulam na cabeça de quem controla e de quem é controlado, no entanto, vêm em conta-gotas. "O jogo não vai explicar logo de cara o que aconteceu, mas o jogador poderá explorar o mundo e encontrar essas respostas por conta própria. O principal foco, entretanto, não será nas causas do desastre, mas sim nas consequências que aparecem quando as pessoas são levadas ao seu limite", conta Felipe.

A beleza em descobrir games como No Place for Bravery é que, quanto mais o conhecemos, mais nos surpreendemos com o jogo, uma característica em comum de boas obras artísticas, que contam também boas histórias para fora de seu escopo.

No Place for Bravery

Figuras paternas

Uma lição muito usual sobre roteiro, ensinada até pelo famoso autor de livros de suspense Stephen King, é escrever sobre o que você conhece.

Assim, No Place for Bravery tem sido uma jornada muito pessoal para Túlio Mendes, diretor criativo e artista do time: "Existem milhões de mães solo só no Brasil. A estrutura da nossa sociedade falhou já faz muito tempo. Homens... Nós somos grande parte do problema", comenta.

Eu sou filho de mãe solo. Acredito que tenho algo pra compartilhar da minha visão de mundo que pode ser positivo
Túlio Mendes, diretor criativo de No Place for Bravery

No Place for Bravery pai e filho - Reprodução - Reprodução
Thorn e a criança Phid
Imagem: Reprodução

Realmente, de acordo com com uma pesquisa do Instituto Data Popular feita em 2015, há cerca de 20 milhões de mães solteiras no Brasil. Mas o que isso tem a ver com um videogame?

Tudo, quando No Place for Bravery pretende colocar o jogador no papel de um pai em busca de redenção. Conseguir transformar realidade em ficção, num verdadeiro exercício de catarse, é um dos grandes pilares da arte, presente em No Place for Bravery de forma íntima:

"Um dia, eu já era adulto, meu pai me ligou e nós nos encontramos. Então eu aprendi... Aprendi que não importa o quanto você ame alguém, você sempre tem que estar disposto a abandoná-lo. Eu decidi fazer um jogo sobre aquele momento", relata Túlio.

Se você está lendo até aqui, com certeza não esperava por isso. Talvez até esteja um pouco com os olhos marejados. No Place for Bravey quebrou mais uma expectativa.

Entendendo as referências

Túlio Mendes descreve o game também como algo metaficcional, que fala sobre os próprios videogames e os motivos para jogar. Ele cita Spec Ops: The Line como comparação e, principalmente, inspiração, além do clássico da literatura Don Quixote, por ser " um romance de cavalaria que fala sobre romances de cavalaria".

O Bravery fala sobre as condições do ato de jogar, da relação que o jogador desse tipo de jogo tem com o gênero
Túlio Mendes, diretor criativo de No Place for Bravery

Nesse sentido, também entra a violência, tão destacada no trailer do jogo. Ela não é gratuita e faz parte do que os desenvolvedores querem passar com o gameplay: "A violência é necessária no contexto do jogo, por que é um elemento comum, e também para reforçar o momento em que entregamos a mensagem", esclarece Túlio.

Pelo trailer de anúncio, fica clara a violência presente no jogo. Apesar disso, a mensagem no site de No Place for Bravery é de antiguerra, anticonflito. A The Glitch Factory quer desromantizar o RPG. Mas o que seria isso, exatamente?

"O que buscamos com isso é criar uma obra que não fale sobre um herói poderoso, quase divino, que salva o mundo do grande vilão, mas algo que busca ser o contrário disso, uma aventura focada na fragilidade dos personagens", responde Túlio.

Todas as áreas do jogo foram devidamente contempladas para que esse objetivo fosse alcançado, do design de batalhas ao de fases, música, arte e a trama, que se tornou um pilar do jogo por entregar essa mensagem de forma mais didática possível, segundo os desenvolvedores: "Mas isso só deve acontecer por que tudo no jogo é pensado para criar antecipação para esse momento", conclui.

Sekiro 2D?

Sekiro feliz - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Imagem: Reprodução/Twitter

"Um combate brutal num esquema Sekiro em 2D". A frase ousada descreve uma das características do gameplay de No Place for Bravery na página do jogo no Steam.

Claro que o estúdio sabe que colocar uma afirmação assim deixa as expectativas nas alturas para o jogo. Plantar essa semente miyazakiana é um tanto perigoso, mas parece estar tudo sob o mais devido controle.

O game designer Pedro Machado conta que Sekiro é uma inspiração e já adianta que o combate não será tão robusto quanto do jogo da FromSoftware. A The Glitch Factory é um estúdio indie pequeno, formado por nove pessoas. No final das contas, eles vão tomar uma abordagem mais minimalista.

"O que a gente quer capturar do sistema de combate do Sekiro e dos outros jogos da FromSoftware é a fluidez, dificuldade, precisão e gestão de recursos (itens e stamina/postura), principalmente."

A influência dos últimos jogos da FromSoftware em um sem fim de desenvolvedores é incontestável. Muitos dizem tratar-se das produções mais influentes da memória recente dos videogames. Mas seria essa uma influência positiva?

Para Pedro, sem dúvida que sim. "Dark Souls é uma franquia revolucionária, criou tendências. É natural que outros jogos peguem elementos da franquia, assim com Dark Souls se inspirou em diversos jogos que vieram antes. É um fenômeno natural, não só na indústria de jogos, mas em qualquer mídia ou forma de arte. Grandes artistas e obras de arte inspiram novas gerações de artistas."

Para 2021

No Place for Bravery devs - Luan Ferreira/Divulgação - Luan Ferreira/Divulgação
Parte do The Glitch Factory. No total, o estúdio tem nove pessoas
Imagem: Luan Ferreira/Divulgação

No Place for Bravery é o maior projeto da The Glitch Factory até agora. O game passou por idas e vindas durante os últimos quatro anos, enquanto o estúdio trabalhava em projetos menores para pagar as contas.

No final, os desenvolvedores só estão conseguindo trabalhar em tempo integral no game após eles ganharem o edital da ANCINE, Agência Nacional de Cinema, em 2017, recebendo um financiamento de R$ 500 mil.

Com as expectativas quebradas, mas ainda mais altas agora, No Place for Bravery deve ser lançado em 2021 para PC e Nintendo Switch.

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