OpiniãoK-Pop

Stray Kids é alvo de piadas no Met Gala e reforça debate sobre orientalismo

Na última segunda-feira (6), o grupo sul-coreano Stray Kids, se tornou o primeiro grupo de k-pop a participar do evento Met Gala, em Nova York. O evento, conhecido por reunir diversas celebridades em looks temáticos, faz parte de uma ação beneficente do Museu Metropolitano de Arte de Nova York e arrecada dinheiro para a instituição The Costume.

Esse ano, os oito membros do grupo Stray Kids foram ao evento ao lado do estilista Tommy Hilfiger, representando a marca. No tapete vermelho, Tommy inclusive soltou o spoiler de que o grupo vai entrar numa turnê que passará por quarenta cidades no mundo inteiro.

Infelizmente, esse não foi o assunto mais comentado da noite, pois em seguida um vídeo dos fotógrafos do evento "falando" com eles viralizou pelas piores razões. Repletos de "piadas" e em tom depreciativo, eles fizeram comentários sobre a falta de expressão facial dos integrantes, deram oi em japonês (o grupo só tem coreanos e australianos), dentre outros momentos deploráveis.

O caso Stray Kids não é isolado

Essa não é a primeira e nem será a última vez que isso ocorre com um grupo de k-pop. Todo e qualquer lugar de destaque que eles conquistem sempre chega junto de uma série de questionamentos quanto ao talento, estranhamento visual, por terem um padrão de beleza não ocidental, e uma série de outros embates culturais que viram piadas geralmente homofóbicas e xenofóbicas.

Aconteceu com BTS em praticamente todos os eventos que eles participaram nos Estados Unidos, seja pela maquiagem, pela beleza, pelo inglês "quebrado", e aconteceu novamente agora com os Stray Kids, que por sinal, possui dois membros nascidos em um país cuja principal língua é a inglesa.

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O fandom do grupo, as stays, fizeram uma grande movimentação para descobrir o nome dos fotógrafos que desrespeitaram o grupo e em poucas horas um deles teve a conta hackeada com um post sobre pedir desculpas ao grupo. A força do fandom é onipresente em momentos bons e ruins, elas realmente estão sempre ali.

Hallyu e a definição de Orientalismo

Justamente por ser um assunto que sempre volta, quem trabalha com cultura coreana sabe que entra ano, sai ano, as coisas evoluem muito pouco. No entanto, é preciso entender o porquê de tudo isso ser tão normalizado, e para isso conversei com Daniela Mazur, pós-doutoranda pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI), vinculada ao PPGCOM-UFF. A pesquisadora pesquisa já há muitos anos o Hallyu, a "Onda Coreana", que cresceu absurdamente nos últimos anos por aqui.

Daniela explica que a Hallyu possui um movimento de adaptação e negociação com o Ocidente. Quando questionamos grupos bem sucedidos que lançam música em inglês ou parcerias não muito bem vindas (o próprio Stray Kids lançará em breve um single com Charlie Puth), precisamos pensar nessa negociação. A Coreia do Sul é um país não anglófono que deseja participar dos fluxos globais. E negociar nesse cenário do pop global é bastante complexo por conta das estruturas de poder.

Um dos trabalhos seminais sobre o tema, é o livro do filósofo e crítico literário palestino-americano Edward Said, "Orientalismo: o oriente como invenção do Ocidente". Nele, é explicado como as bases seculares do imperialismo criaram uma cartilha para o Ocidente entender e controlar o Oriente (o autor trabalha com Oriente Médio principalmente). É a imposição do que é exótico, do que é misterioso, e automaticamente do que não é. Daniela explica: "É a criação do eles e do nós"; o nós sendo branco, europeu, desbravador do mundo e o eles sendo o diferente (nesse caso, amarelo), asiático e exótico.

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O mistério, o exótico e o discurso de ódio

Tudo isso chama ainda mais atenção se levarmos em consideração que 60% da população global é asiática e com territórios gigantescos. Como 60% da população pode ser exótica e não a maioria? A verdade é que conhecemos um "universal" de um ponto de vista totalmente ocidental. É o que aprendemos nos livros de história na escola. A Europa é o centro do mundo, do conhecimento, das grandes descobertas. E a realidade não é bem assim.

Daniela explica: "É toda uma outra perspectiva racial de construção do mundo. Seja religiosa ou de identidade. Entende-se que o centro de tudo, o correto, o normal é ser caucasiano europeu".

E é daí que surgem os tokens, o que a pesquisadora explica, ser a busca por "alívio a uma preocupação". Precisam de representação asiática? Então vamos falar só desse único grupo. Precisam de um ator asiático para ter uma "cota"? Então vamos chamar sempre o mesmo, reiterando todos os estereótipos existentes.

'A cada passo pra frente, são dois passos para trás'

No fim da conversa com Daniela, ela me conta algo muito interessante: Brasil e Coreia do Sul possuem várias similaridades políticas. Ambos os países têm democracias jovens, tiveram ditaduras num período muito próximo (entre 1961-1989) e o impeachment de suas governantes mulheres (por motivos completamente distintos, mas mesmo assim chama atenção).

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E os paralelos não param por aí, pois para o europeu e até mesmo alguns países latinos, o Brasil também é um país exótico, estranho, que representa o perigo. Essa imposição de civilidade, é outra marca do orientalismo, o que nos deixa muito mais próximos da Coreia do Sul do que qualquer país europeu. É o Brasil-oriente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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