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Como Ruth Handler usou uma boneca para maiores para criar a Barbie?

Ruth Handler, criadora da boneca Barbie - Divulgação
Ruth Handler, criadora da boneca Barbie Imagem: Divulgação

Mariana Assumpção

Da Ingresso.com

22/07/2023 04h00Atualizada em 22/07/2023 09h27

A espera acabou: desde a última quinta-feira (20), os fãs da boneca mais famosa do planeta podem se reunir para assistir a "Barbie" nos cinemas, live-action inspirado no universo cor-de-rosa da Mattel.

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Como o teaser do longa revela, antes da invenção da Barbie, as meninas tinham bonecas que, no máximo, ajudavam-nas a incrementar brincadeiras sobre a maternidade e os cuidados com um bebê.

Foi a partir dessa observação e carência de mercado, que Ruth Handler, a "mãe da Barbie", criou um dos brinquedos mais lucrativos da História e uma das maiores empresas voltadas para o público infantil. Mas, como tudo isso aconteceu?

Brinquedos de garagem e a inspiração em boneca "para maiores"

Quando Ruth e Elliot Handler, seu marido, se mudaram para Los Angeles, ainda na década de 1930, a dupla iniciou uma parceria que ia além do matrimônio. Antes de dar à luz seus dois filhos, Barbara e Kenneth, Ruth vendia móveis de plástico desenhados por Elliot. "Descobri que adorava o desafio de vender", disse ela no livro "Dream Doll", sua autobiografia.

Os plásticos dos móveis viraram brinquedos e deram origem à Mattel, que nasceu em 1945 em uma pequena garagem. O nome do marido de Ruth e o de Harold "Matt" Matson, amigo do casal, que também foi um dos fundadores da fabricante, formaram o nome da marca: "Matt" + "El".

Desde então, a Mattel produziu brinquedos tradicionais para meninos e meninas. Um dia, ao observar sua filha brincar com bonecas de papel que trocavam de roupa, Ruth se questionou: por que ela não pode ter um modelo tridimensional para vestir e usar sua imaginação com diferentes looks?

Assim, durante uma viagem de família para a Suíça, Ruth conheceu Lilli, uma personagem voltada para o público adulto — e a inspiração controversa para a Barbie. Ela era a protagonista de tirinhas eróticas publicadas no jornal alemão Bild Zeitung, além de ser uma boneca vendida por lá.

Com 30 centímetros de altura e dona de curvas que exaltavam sua feminilidade estereotipada, Lilli era comprada por homens como presentes para mulheres — uma forma apimentada de demonstrar a elas suas segundas intenções.

Mamilos polêmicos e o fracasso na Toy Fair

De volta aos Estados Unidos, Ruth trouxe consigo alguns modelos da boneca Lilli, e os entregou a Jack Ryan, um engenheiro e designer renomado. Ryan trabalhou por mais de 20 anos na Mattel e chegou a ocupar o cargo de vice-presidente da companhia, além de ser o responsável por desenvolver o primeiro exemplar da Barbie.

Baseando-se na boneca europeia, ele construiu um novo modelo articulado, que retratava uma mulher de cintura fina e seios fartos. Quando mostrou o protótipo a Ruth, ela pediu para que ele se livrasse dos mamilos — eram chamativos demais.

Assim que a ideia finalmente saiu do papel, os executivos da Mattel não apostaram no novo brinquedo. Porém, determinada a fazer sua Barbie chegar às prateleiras, Ruth a apresentou na Toy Fair, a maior feira mundial dedicada ao mercado de brinquedos.

O público do evento, formado majoritariamente por homens, também não confiou no sucesso da Barbie: eles se sentiam desconfortáveis ao ver um objeto no formato de um corpo feminino, sexualizado à exaustão, sendo comercializado como um brinquedo.

Contudo, Ruth entendia que as meninas, seu público-alvo, não teriam a mesma impressão maliciosa. Ela acreditava que a boneca inspiraria as crianças e seria um objeto capaz de fazê-las imaginar infinitas possibilidades sobre o que elas poderiam se tornar quando crescer.

Novas pesquisas de marketing e, enfim, o sucesso

Quase desistindo de seu sonho, Ruth decidiu consultar as próprias crianças sobre o assunto — já que os executivos e as donas de casa, que apelidaram a Barbie pejorativamente de "boneca do papai", não estavam convencidos. Os grupos focais formados por meninas compuseram a pesquisa, e provaram não só que as crianças adoravam brincar com a boneca, como convenceram as mães de que ela era um item, de fato, inspirador:

"Uma mulher que não gostava da Barbie mudou de ideia quando ouviu sua filha, arteira e bruta, dizer: 'Mamãe, a Barbie se veste tão bem!'", contou M. G. Lord, autora do livro "Forever Barbie: The Unauthorized Biography of a Real Doll."

Afinal, que mãe conservadora não gostaria de ver sua filha admirar e reproduzir os padrões estéticos femininos de sua época?

Para as mulheres norte-americanas dos anos 1950, casar-se era sinônimo de sobrevivência. E foi vestida de noiva que a Barbie estrelou seu primeiro comercial para a TV, ratificando a ideia de que ela era seria um exemplo plástico do caminho que as meninas "de família" estavam destinadas a seguir.

Lançada em 1959, seu sucesso foi tamanho que a Mattel não deu conta da demanda. A partir daí, os mais variados modelos surgiram, e a boneca, cujo nome homenageia Barbara, filha de Ruth, tornou-se o maior símbolo de brinquedos para meninas que já existiu.

Problemas de saúde e o adeus à Mattel

Em 1961, Barbie ganhou um companheiro à altura: Ken, referência ao apelido do filho de Ruth e Elliot. As bonecas eram vendidas com catálogos de roupas, algumas posteriormente assinadas por estilistas famosos, e a criação de carros, barcos, casas e todos os tipos de acessórios possíveis ajudavam a tornar seu consumo constante.

Por anos, as estratégias de marketing lideradas por Ruth contribuíram para a consolidação do império da Mattel. Porém, na década de 1970, os planos da empresária começaram a mudar: depois de passar por uma mastectomia dupla, por causa de um câncer de mama, Ruth se interessou pelo mercado de próteses mamárias — ela não aprovava a qualidade das disponíveis na época de sua cirurgia.

Enquanto trabalhava para fundar a Ruthton Corporation, que em 1975 passou a comercializar próteses de tecnologia, seu trabalho na Mattel foi diretamente impactado. Em fevereiro de 1978, uma reportagem do New York Times afirmou que Ruth, ex-presidente da Mattel, e três ex-funcionários da empresa haviam sido indiciados por conspiração, fraude fiscal e apresentação de declarações financeiras falsas às autoridades.

Na época, a Mattel declarou que "nem a empresa, nem nenhum de seus diretores ou executivos atuais eram apontados como réus nas acusações" — antes dos escândalos virem à tona, Ruth se demitiu do cargo que ocupava na companhia. A empresária não contestou as acusações e disse que a doença havia contribuído para o fato, deixando-a "desfocada" dos negócios. O processo não interferiu na administração da Ruthton, empresa que ela vendeu anos mais tarde para uma divisão da Kimberly-Clark.

A volta simbólica da mãe da Barbie aos negócios

Em 1997, Jim Barad assumiu o cargo de CEO da Mattel, uma das primeiras mulheres a ocupar tal posição em uma grande empresa. Durante a sua passagem pela companhia, ela presenciou a ascensão das mulheres a grandes cargos corporativos, além de entender a importância dessas profissionais para o sucesso da Barbie.

Como forma de reconhecer a mulher que lutou para que a boneca se tornasse o fenômeno que atravessou gerações, ela convidou Ruth Handler de volta à Mattel, mais de vinte anos após o seu afastamento formal: "As pessoas ficaram muito empolgadas de ver a fundadora do que era a razão do nosso trabalho", disse Jim, em entrevista à Netflix.

Ruth faleceu pouco tempo depois, em 2002, aos 85 anos, mas seu legado jamais será esquecido. Foi graças a ela que, hoje, meninos e meninas podem brincar com a Barbie, dar asas à imaginação e sonhar em ser tudo aquilo que eles desejarem.

Em "Barbie", o universo dos brinquedos ganha vida por meio da interpretação de Margot Robbie e Ryan Gosling, que dão vida, respectivamente, à Barbie e ao Ken. No longa, a dupla parte rumo ao Mundo Real, logo depois que a boneca passa a apresentar alguns "defeitos" na Barbielândia.

O filme é dirigido por Greta Gerwig, cineasta que esteve à frente de sucessos como "Lady Bird: A Hora de Voar" (2017) e "Adoráveis Mulheres" (2019). A produção é o primeiro live-action inspirado na famosa boneca, que já foi tema de muitos longas-metragens em animação.

Com roteiro de Noah Baumbach, "Barbie" segue em cartaz, exclusivamente nos cinemas.