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Padre Júlio: 'Condomínios estão se tornando milícias contra os pobres'

Padre Júlio Lancellotti falou sobre a situação do país - Júlio César Almeida/UOL
Padre Júlio Lancellotti falou sobre a situação do país Imagem: Júlio César Almeida/UOL

De Splash, em São Paulo

04/07/2022 17h48

Padre Júlio Lancellotti foi uma das estrelas da Bienal do Livro de São Paulo hoje, no Expo Center Norte. Em um debate sobre leituras críticas na principal arena do evento, o religioso reforçou seu discurso de defesa dos pobres enquanto divulgava seu novo livro, "Tinha Uma Pedra no Meio do Caminho: Invisíveis em Situação de Rua" (Editora Matrioska).

"Quem governa as grandes cidades como São Paulo? A especulação imobiliária. Estamos novamente vivendo um boom do mercado imobiliário, e muitos dos condomínios estão se tornando milícias contra os pobres", declarou padre Júlio.

O teólogo, pedagogo e ativista focou seu discurso na aporofobia, termo criado pela filósofa espanhola Adela Cortina, que significa aversão aos pobres. Segundo o padre, todos somos "aporófobos em desconstrução".

Ao público presente, muitos de fora de São Paulo, o religioso ainda pediu para que denunciem locais públicos ou privados que usam barreiras contra moradores de rua. Padre Júlio Lancellotti recebe muitas denúncias via WhatsApp e Instagram.

O padre, que tem sido perseguido por grupo de extrema direita por sua defesa à população em situação de rua, agradeceu a presença do público que lotou o espaço na Bienal.

"Estou emocionado com esse carinho de todos vocês especialmente nesses dias que está sendo muito grande o sofrimento, as pressões e as incompreensões. Confesso que me faz muito bem, ajuda a caminhar em uma realidade tão difícil que tem suscitado tanto ódio."

O ódio que muitas vezes me atinge é para atingir a população de rua

"Não são anjos nem demônios"

O padre ainda criticou políticas públicas que visam a tutela dos moradores de rua a internação involuntária de usuários de drogas. "Estar em situação de rua não despe as pessoas de sua dignidade humana. Ninguém devolve a dignidade humana, porque ninguém pode tirá-la."

Preocupado com o aumento da população de rua, principalmente depois da pandemia, o padre não poupou críticas aos governantes. "Hoje nosso país está vivendo um higienismo com essas políticas perversas, cruéis e violentas. Eles não escolheram essa situação, é a única que sobrou para eles."

Júlio Lancellotti ainda destacou um dos ensinamentos que coloca em seu novo livro. Segundo ele, é necessário conviver com a população de rua para entender a situação também do ponto de vista deles. "Ofereça uma água, converse com uma pessoa em situação de rua", sugere.

Eles não são anjos nem demônios, são pessoas, tem todas as necessidades que nós temos.

Em uma mesa marcada por fortes críticas ao atual presidente Jair Bolsonaro (PL), o padre aderiu aos adesivos distribuídos para o público que diziam "Bolsonaro nunca mais". E disse que sabe que será perseguido e vai sofrer.

"Quem está do lado dos mais pobres nessa sociedade tão desigual vai sofrer. Eu sei o que é muitas vezes ter que carregar esse sofrimento. Sei de todas as forças que buscam me destruir e me atingir. Com isso querem calar também a voz dos irmãos e irmãs em situação de rua."

Ele ainda lembrou das mortes na Amazônia do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, que lutavam pelos povos indígenas.

"A nossa luta é uma luta histórica que não começou conosco e não vai acabar em nós. A nossa luta vem de muito tempo na história [...] Passa pela luta de todos que buscam transformar. Mas essa luta fez de todos eles mártires. A maior parte deles foi assassinado. Desde Martin Luther King a Gandi, como Bruno e Dom que foram executados. Eu não luto para ganhar, eu luto para ser fiel até o fim."

Eu sei que não verei a vitória, na minha idade não espero ver a vitória. Mas espero ver o compromisso de todos que lutam por ela.