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Glória Maria: 'Só ser quem eu sou, não tem posicionamento maior que esse'

Glória Maria é entrevistada no "Roda Viva" - Reprodução/TV Cultura
Glória Maria é entrevistada no "Roda Viva" Imagem: Reprodução/TV Cultura

Colaboração para Splash, de Pernambuco

14/03/2022 23h28Atualizada em 15/03/2022 00h29

A jornalista Glória Maria, 72 anos, contou que o fato de ser quem é, por si só, é um grande posicionamento no que diz respeito ao racismo.

"Só de ser quem eu sou. Não tem posicionamento maior que esse. Fui a primeira pessoa a usar uma lei que existia contra o racismo. Quem não tem história, não tem cultura, não pode perguntar nada", declarou durante o "Roda Viva" de hoje, quando perguntada se sente algum tipo de pressão para se posicionar.

Se muita gente hoje tá aí conseguindo falar sobre o racismo, é porque a Titia Glória tá aqui. Eu não tenho a pele mais clara, eu sou preta mesmo. Sou enquadrada naquela categoria preta. Então, eu acho que as pessoas primeiro têm que aprender de alma. O racismo está aí, existe e não vai acabar nem na geração cinco vezes depois da minha filha. A gente tem que aprender a usar a nossa alma, nossa inteligência, nossa cultura, para tentar acabar com ele da forma que a gente conseguir", reforçou.

Racismo

"Nada blinda preto de racismo, ainda mais a mulher preta. Nós somos mais abandonadas, mais discriminadas. Nada blinda a gente. Você tem que aprender a se blindar da dor, isso que é importante. Se você for esperar um blindamento universal, você está perdida", declarou a jornalista ainda sobre o assunto.

"Você tem que fazer com que a vida te faça aprender a se blindar. Hoje nada me faz sofrer porque eu aprendi a me autoblindar", completou.

Glória relembrou que, no começo da carreira, recebia ofensas racistas por cartas e que hoje já está blindada para isso e que sua maior preocupação é com as filhas. Glória é mãe de duas meninas, Laura e Maria.

Ela contou dois episódios racistas que as meninas enfrentaram.

"O amigo disse que a cor da Laura era feia. Eu usei um grupo de mães para dizer o que tinha acontecido e que elas orientassem os filhos. Falei com o serviço da escola e eles interferiram. Melhorou, mas isso não é uma questão de melhorar, porque isso vem da criança, vem da família", comentou.

Já Maria, foi chamada de "mamaca" em uma discussão, mas revidou imediatamente.

"Ela foi na diretoria, eu fui no dia seguinte, falei com o diretor, eles tomaram uma atitude, o menino ficou suspenso. É o pior que o menino era amiguinho dela. Ele falou porque queria machucar. A maneira que ele tinha era ofender racialmente. Isso que eu acho uma coisa trágica, porque ele sabe que chamar de macaca é uma ofensa racial, ele foi ensinado a isso", relatou.

Lugar de rejeição e amor.

Glória falou sobre uma possível rejeição afetiva por ser uma mulher negra.

"Rejeição não seria porque só se eu quisesse alguém e esse alguém não me quisesse. Então, eu não fui rejeitada porque assim, eu não perco tempo. Eu jogo a minha flecha. Se colar, colou. Não fico lá perdendo tempo, sou rápida", brincou.

"Eu passei do tempo de dividir as pessoas com cor, porque quando você passa por todo tipo de experiência, não dá mais pra classificar assim. Hoje, não estou com tempo para pensar no amor e nem quero", completou.

Racismo durante cobertura de ditadura militar

Glória relembrou seu trabalho durante a ditadura militar no Brasil - quando foi chamada de "neguinha" pelo general João Figueiredo, segundo a própria em entrevistas anteriores.

"Eu tive uma experiência horrível com o general Figueiredo, mas eu cobria o Ministério da Guerra e eu conseguia. Eu não sabia o que não podia e eu ia. Eu era muito menina, eu não sabia que eu não podia ser daquele jeito dentro de uma ditadura militar. Então eu ia, perguntava o que eu queria e era assim que eu conseguia fazer as minhas coisas", contou.

"Eu tinha essa ingenuidade, esse descompromisso porque eu sempre tive essa visão de que tudo podia dentro daquele trabalho que eu estava fazendo", completou.

Biografia?

A jornalista confessou que não pretende transformar sua vida em um livro.

"Não. Minha vida é inbiografável. Agora eu estou começando a escrever um livro sobre a arte de aprende a viver sem ter medo", brincou.

No programa, ela falou ainda sobre o sonho de fazer uma matéria em Marte.