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Pedro Antunes

Hino do Nirvana toca no BBB 21 com recado do Mr. Edição: o bicho pegou

Kurt Cobain - Reprodução
Kurt Cobain Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

06/04/2021 13h07

Gilberto, o Gil do Vigor, se debatia em cólera e aflição. Perdido em pensamentos, tinha as veias saltadas no pescoço e gritava palavras desconexas.

Batia no próprio peito enquanto era acalmado por João Luiz, outro participante do reality da TV Globo. Estou falando de BBB 21, entretenimento para lado de cá das câmeras, mas aquele desespero não é jogo ou game, é real.

Claro que é.

No programa desta segunda-feira (5), as imagens de um dos personagens favoritos do público no BBB, o momento entre raiva e desolação extremas pela saída da companheira no game (a especialista em marketing digital Sarah Andrade), por decisão da votação do público, foi acompanhada por trechos de uma das músicas mais importantes (e estudada) dos anos 1990.

A escolhida foi "Smells Like Teen Spirit", do Nirvana, em uma versão meio apocalíptica, meio romantizada com dois violoncelos tocados de forma visceral, assinada pela dupla 2CELLOS.

Um contexto rápido: formado pelos violoncelistas croatas Luka Šulić o Stjepan Hauser, o 2CELLOS fez sucesso a partir de 2011 com versões de músicas populares no imaginário do pop transportadas para esse universo sonoro dos violoncelos. No álbum de estreia, além do clássico do Nirvana, eles também tocaram "With of Without You", do U2, e "Smooth Criminal", de Michael Jackson, entre outros.

A versão do Nirvana do duo usada no BBB 21 está aqui:

Infelizmente, não encontrei a cena descrita no início do texto fora do Globoplay para poder colocar aqui para quem não assistiu.

Com Nirvana e, especificamente, "Smells Like Teen Spirit" (possivelmente a música mais famosa da banda fora da bolha do grunge, do rock, etc), o Mr. Edição está passando alguns recados para nós, aqueles que estão do lado de cá da tela nesse experimento social transformado em entretenimento que é o BBB

(Ou o BBB seria entretenimento transformado em experimento social?)

A escolha da cena, o recorte, a trilha sonora. Se fosse uma série dramática, ganharia algum prêmio.

De alguma maneira, BBB é uma série dramática, mas também é a vida real. Uma vida real que ocorre em uma realidade paralela à nossa: numa casa isolada com pessoas confinadas e colocadas em dinâmicas surreais (como uma competição de resistência de dança, escolhas para quem será o excluído da semana, entre outras), exibidas em horário nobre na maior emissora de TV do País.

Não é por acaso que o Mr. Edição escolheu esta música e esse trecho, especificamente.

A começar pela data. Foi em um 5 de abril, como a data de ontem, que morreu Kurt Cobain. Vinte sete anos atrás, o líder do Nirvana e compositor de "Smells Like Teen Spirit", foi encontrado sem vida em sua casa em Seattle, nos Estados Unidos.

É uma homenagem, certo? Mas é mais do que isso, também.

Kurt Cobain questionava a indústria do entretenimento, as grandes corporações, revistas gigantescas e a cultura de massa constatada pelo alemão Theodor W. Adorno no século passado.

E veja como são as coisas. No dia em que Kurt morreu, uma suas músicas que mais foi absorvida pela cultura de massas é usada em um programa de TV de uma grande corporação para embalar a cultura do entretenimento.

Qualquer música do Nirvana poderia ser tocada ali, se só isso fosse. E qualquer trecho também. Enquanto Gilberto se debatia, os violoncelos do 2CELLOS reproduziam o trecho em que Kurt se esgoelava para dizer:

"Here we are now, entertain us".

Algo como "agora que estamos aqui, divirta-nos".

É até uma escolha pesada demais. Como se o Mr. Edição dissesse: "Não queria entrar nesse jogo? Agora aguente e nos entretenha", aos participantes do BBB 21.

Se essa ideia não mexe contigo, você está seco e sem vida por dentro.

Já li toneladas de textos a respeito da nossa atual sociedade das várias realidades, de como nos alimentamos em shows de realidade, como o BBB, e como eles refletem a nossa vida de forma exagerada, das realidades das redes sociais, das lives, dos tuítes e tudo mais.

Li outros tantos que dizem se tratar de entretenimento a partir da condição humana em situações absurdas, ou que diziam ser um conteúdo televisivo e, portanto, que não poderia ser tão levado à sério.

E, particularmente, concordo com as duas linhas de raciocínio ao mesmo tempo. Parece ser um pouco de cada, de acordo com a situação exibida na tela.

Não é de hoje que a edição deste ano do Big Brother Brasil tem sido mentalmente pesada para quem está ali dentro e aqui fora. Vimos acusações de terror psicológico e abusos. Lucas Penteado, uma das estrelas do começo da edição, pediu para sair. Outros participantes ameaçaram também, mas se mantiveram confinados até que o público decidisse ser a vez deles saírem nos Paredões.

Por isso, também é um recado para nós, quem assiste e consome o que rola na casa em Curicica:

"Não era BBB que vocês queriam? Agora aguentem aí".

Estaria o Mr. Edição se sentindo culpado? Vingando-se da nossa própria gana por consumir mais daquelas pessoas ali confinadas? Estaria zangado com a nossa ânsia por mais dessas pessoas confinadas?

Ou essa entidade criada por Maurício Stycer, Mr. Edição, só quis fazer uma homenagem a Kurt Cobain e eu estou ampliando a discussão mais do que deveria?

Pois cá estou eu, chegando ao fim deste sem uma resposta. E vocês, foram entretidos até aqui?