Luciana Bugni

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Opinião

Prisão de Robinho: só é vitória quando homens assumirem abuso de vulnerável

Não foi uma, não foram duas, não foram três dezenas de vezes. A quantidade de situações em que vi ou soube de mulheres, amigas ou conhecidas, que sofreram assédio ou estupro quando estavam bêbadas excede minha capacidade de contar. Há 20 anos, não tinha as informações que tenho hoje, nem as ferramentas de defesa. Fomos educadas em uma cultura do estupro que culpabilizou mulheres, seus comportamentos "devassos" e suas roupas por situações como a que viveram Robinho e seus amigos na Itália, em uma boate, há 11 anos.

Robinho foi preso na noite de quinta (21). Seus amigos que participaram do crime de estupro contra uma moça de 23 anos estão soltos ainda. Milly Lacombe me arranca lágrimas ao falar sobre como o momento representa uma vitória. Eu choro quando ela diz que é por todas as mulheres que nunca tiveram coragem de denunciar — é por mim também.

Só não enfatizo a vitória porque a justiça é muito lenta. Por 11 anos, quantas vezes essa garota albanesa, hoje aos 34 anos, pensou que era culpada? Quantas tantas vezes (todo dia) ele se arrependeu de ter estado no lugar e hora "errada", fazendo coisa "errada"?

A prisão do criminoso pode ser um alívio — certamente é. O começo de um caminho que dá fim à cultura do estupro, como disse Milly. Mas eu sempre penso em uma matemática interessante. Muitas vezes, vi amigas irem embora embriagadas em carros de conhecidos (amigos?), ou entrarem em quartos em festas e depois não se lembrarem de nada. Tantas amigas confirmam hoje, com o distanciamento do tempo e da maturidade, que foram estupradas. Mas nenhum homem ao meu redor assume que já tirou proveito de mulheres bêbadas — aqui, qual o limite do consentimento na bebedeira é uma pergunta da qual mulher nenhuma tem muita certeza da resposta. Resumo: elas já sofreram abuso, mas eles nunca abusaram. São uns santos.

Enquanto os homens não sentarem no bar entre eles e puxarem essa capivara aí honestamente (sei que dá medo, é crime, imagina só ser preso igual ao Robinho), a cultura do estupro segue imaculada. Eu sempre indico a leitura de Missoula, do Krakauer. É só escolher o caso relatado de estupro em universidade para chamar de seu. A gente estava lá há 20 anos e a gente sabe o que aconteceu.

Recentemente estive nos Estados Unidos e, num bar, uma amiga conversava efusivamente com um brasileiro. Ela encostada na parede, ele em sua frente, se aproximando cada vez mais. Cena corriqueira da boemia. O barman deu a volta completa na cena, se posicionou no ângulo de visão da garota e perguntou: "Você está ok?". Ela afirmou que sim. Uns minutos depois, ele repetiu a pergunta. Ela realmente estava ok. Eu chorei ao ouvir essa história por todas as vezes em que ninguém me perguntou isso. Por todas as vezes em que eu nem percebi que não estava ok, não era ok, não era minha culpa.

A gente entendeu muita coisa, tem legislação e aliados do nosso lado. Mas quando os homens, no futebol e na vida real, realmente pularem para o lado daquele barman, na patrulha de nossa segurança, vai ficar tão mais fácil a batalha...

Ah, você quer usar saia curta, ser sensual, ser simpática, falar com homens, beber, ser livre e não quer ser estuprada? Sim, é exatamente isso que eu quero.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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