Luciana Bugni

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Opinião

Futebol, estupro e série da Netflix: podemos todas ser um pouco Verônica?

Verônica, vivida por Tainá Muller na série "Bom Dia, Verônica", da Netflix, é uma escrivã da polícia que se compadece pelo suicídio de uma desconhecida e passa a investigar homens envolvidos em grandes organizações de crimes contra a mulher.

A série, que está na terceira temporada, foi inspirada no livro homônimo de Illana Casoy e Raphael Montes. Nos episódios, vemos a protagonista virando um tipo de justiceira a quem nada mais importa, exceto provar que aqueles homens são criminosos. É difícil fazer com que as pessoas acreditem em você quando você é uma mulher.

É por um motivo parecido que nos sensibiliza tanto a afirmação da mulher que foi estuprada pelo jogador Daniel Alves na Espanha: "Eles acreditaram em mim", ela repete várias vezes, diante da condenação de seu violentador. Muitas outras moças violentadas sofrem diariamente para provar que foram vítimas enquanto a sociedade dá a volta completa e tanta colocá-las como culpadas ou cúmplices sob o estigma de "estava pedindo". As histórias da ficção e dos noticiários se complementam.

No rastro do lançamento de "Bom Dia, Verônica", Tainá deu uma entrevista recente ao podcast 1 livro, 1 disco, 1 filme, em que fala sobre a preparação para fazer a personagem. No livro, conta a atriz, Verônica tem atitudes que podem ser condenáveis, como "abandonar" a família — na verdade, ela percebe que, ao tocar a investigação, pode colocar as crianças em risco e faz isso para protegê-los.

Na série, a equipe se preocupou em limar características que pudessem ser vistas como muito negativas, para dar mais credibilidade na primeira temporada. "Se as pessoas não comprassem a personagem, a história não iria para frente", diz a atriz no podcast. Mais tarde, com esse público conquistado, ela consegue colocar outras nuances que aproximam a policial que vemos na TV daquela criada na literatura.

Se Verônica ia denunciar homens, precisava conquistar o público para que a história aderisse. Afinal, você ficaria contra caras vividos por Du Moscovis, Reynaldo Gianecchini e Rodrigo Santoro só porque uma moça que usa métodos ilícitos está dizendo que eles são criminosos? É assim que a sociedade trata mulheres que denunciam crimes.

Uma noite errada ou uma cultura criminosa?

A condenação de Daniel Alves é um passo importante para frear o ambiente sem lei que envolve os hábitos sexuais de jogadores de futebol milionários. Ouvi falas de homens penalizados pelo fim da carreira do lateral, lamentando com o argumento "uma noite errada estragou a vida do cara". Não é uma noite. A cultura do estupro é uma constante silenciosa. Não por acaso, jogadores de futebol brasileiros não se posicionaram sobre o assunto. Falar disso é ficar mal na rodinha. A gente não sabe o que acontece em grandes festas regadas a muitos euros, bebidas caras e meninas encantadas. Não é do interesse do clubinho deles que saibamos.

Mulheres como Verônica querem saber. No primeiro capítulo do livro, ela argumenta com seu chefe, um delegado machista, que investigar aquele suicídio que acaba de presenciar pode impedir outros golpes, como o que a vítima havia sofrido. Recebe como resposta um "deixa para lá" e parte mesmo assim para desvendar a história com seus métodos.

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Se os caras vão continuar se protegendo, pagando fiança para os amigos estupradores e varrendo para debaixo do tapete costumes criminosos sob a alegação do "uma noite errada", é preciso que mais Verônicas se levantem e deem as mãos. Toda vez que faltar força a uma vítima, eu quero ser a Verônica ao lado dela, falando em voz alta. De noite errada em noite errada, a gente condena uma cultura inteira. E, quem sabe, poderá sair na rua tranquila uma vez na vida. Eu realmente tenho curiosidade de saber como é.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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