Luciana Bugni

Luciana Bugni

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Alanis grita para lembrar: não seremos perfeitas, nem estaremos sozinhas

"Seja uma boa menina, se esforce um pouco mais, todo mundo vai gostar de você se você for perfeita", canta a mulher canadense de 49 anos, três filhos, três depressões pós parto, tantos milhões de discos vendidos. Na contramão da onda de calor que cozinhou cérebros durante toda a semana, Alanis Morrissete entra no palco em São Paulo trazendo a chuva que se mistura nas lágrimas. O refresco da consciência madura de não ser perfeita.

Alanis tem o mesmo cabelo castanho de 25 anos atrás. Balança os fios para lá e para cá como fazia há décadas na MTV. Está jovem, bonita, potente. Gira no palco até cair, num show impecável que é 100% rock'n'roll. A camiseta larga de sempre estampa a palavra esvaziada em tempos de polarização política: família. Ué, você pode cantar berrando um verso sobre fazer sexo oral no cinema e ainda ser mãe? Não há nada de perfeito nisso, prega a lógica.

Ao meu lado, dezenas de milhares de mulheres se revezam na emoção molhada da garoa. Alanis grita, em potência vocal de quem se poupou dos excessos. E vem mais hit. A gente chora e aprende.

Quem desperta ali são as adolescentes que guardamos com a mão nos bolsos. Quando foi que eu achei que deveria ser mesmo uma boa menina que se esforça um pouco mais todo dia para ser perfeita e amada? A garotinha rebelde que há em mim me olha estarrecida: foi aqui que você nos trouxe? Juntas, berramos então que ainda estamos vivas e chacoalhamos o cabelo quando Alanis canta "por favor, não censure essas lágrimas".

"Você é a última grande inocente. É por isso que a gente te ama", diz a cantora. Ok, então eu não preciso mais ser perfeita?, um suspiro de alívio na terça-feira à noite na capital cinza. "Pegue esse momento e seja egoísta", ela pisca de volta. Uma mão no bolso, outra acendendo um cigarro.

Que tal gritar descaradamente? Que tal aproveitar o momento? E tudo que eu realmente quero é um bocado de paz, cara.

Às vezes aquilo que vai volta para a gente, sim. Você vive, você aprende. Que bom que existe a arte para aplacar a nossa solidão. Use-a (como uma criança de três anos).

Curioso que seja bem Alanis, o baluarte da imperfeição, a fazer um show perfeito que faz todo mundo mergulhar em si mesma nesse 2023 catártico e triste. Não é irônico? Você não acha? A pílula desce suave.

Você pode discordar de mim no Instagram.

PS: Diversas frases desse texto são traduções livres de versos do disco Jagged Little Pill (a pílula difícil de engolir da cantora canadense lançada em 1995).

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes