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REPORTAGEM

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A pouco conhecida lei que assegura um arquiteto para construções populares

Felipe Lavignatti

Colunista do UOL

06/08/2021 18h18

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Resumo da notícia

  • Famílias de baixa renda podem contar esse auxílio
  • Lei é pouco conhecida e aplicada no Brasil
  • Trabalho de Luiz Sarmento no DF gerou um livro referência no assunto

No Brasil os direitos assegurados pela Constituição estão sendo postos à prova ultimamente. E alguns desses direitos sequer são de conhecimento da população em geral. É o caso do direito à moradia, que não estava na redação de 1988, mas foi acrescida no ano 2000 com a Emenda Constitucional nº 26. A lei é clara: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados". O que menos pessoas ainda sabem é do direito a uma assistência técnica para o projeto da casa caso a família tenha uma renda mensal de até 3 salários mínimos. Ou seja, uma família que tenha um terreno e queira construir sua casa e se enquadrar nessa faixa de renda pode solicitar um arquiteto para o desenvolvimento do projeto de forma gratuita. Luiz Sarmento, Diretor de Cultura e Divulgação do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), é um estudioso sobre este assunto que foi objeto do seu livro "Assistência Técnica em Urbanismo e Arquitetura de Interesse Social: anotações sobre o processo de imersão de arquitetos e urbanistas da CODHAB nas periferias do Distrito Federal". Conversamos com ele sobre a Lei nº 11.888 e como ela vem sendo aplicada no Brasil.

O que te levou à arquitetura e como esse tópico da lei entrou em seu trabalho?

Eu tenho múltiplos interesses. Ficava pensando "Com o que é que eu vou trabalhar?", porque eu gosto de design de produto, design gráfico, paisagismo, artes visuais, história...E assim eu fui em busca de uma profissão que permitisse que eu lidasse com esses campo todos. E no Brasil, muito por atuação do próprio IAB, inclusive, a gente tem conseguido marcar e desenvolver o campo da arquitetura e a profissão de arquiteto como uma profissão com formação generalista. A gente não é especialista, como existe em alguns países, onde se é só arquiteto de interiores, ou só paisagista, ou só arquiteto de edificações e patrimônio.

No Brasil a gente conseguiu manter essa profissão como uma profissão muito diversa, e com uma formação muito completa nesse sentido, em que a gente consegue atuar com os diversos campos e obras. E óbvio, depois da graduação, em que você se torna arquiteto e urbanista, você pode se especializar naqueles campos que te interessam mais. Mas foi essa diversidade que me atraiu, sabe? Eu fui mapeando tudo o que eu gostava e o curso de arquitetura e urbanismo caiu como uma luva. Inclusive é uma dificuldade que eu tenho até hoje, porque me interesso por tantos campos, então ao contrário de alguns dos meus colegas, que tiveram uma carreira linear, a minha foi sempre uma bagunça. Estudava patrimônio, mas estava em um laboratório de cenografia, tinha um pé nas artes visuais...Tanto que uma das bolsas de pesquisa que eu tive foi para trabalhar na fazenda da UnB, para trabalhar com a coleta de plantas do cerrado para aplicar o paisagismo.

Então, eu gosto de transitar pelas coisas, sabe. Toma um tempo enorme e atrasa algumas coisas da vida, mas é muito gostoso. Hoje estou trabalhando mais especificamente com patrimônio. Mas antes de trabalhar com isso eu estava na área de técnica pública e gratuita. Existe uma lei federal de 2008, que diz que todas as famílias com renda até três salários mínimos têm direito a assessoria de perto para poder construir ou reformar sua casa.

Qual o nome dessa Lei?

Ela ficou conhecida como "Lei de Assistência Técnica". Mas o nome de verdade é Lei 11888 de 2008.

O que essa lei diz exatamente?

É a lei 11.888 de 2008. E o governo do Distrito Federal, a partir de 2015, foi pioneiro na implantação desta lei. Então foi muito bacana. Eu até então trabalhava no meu escritório autônomo, junto com meus outros colegas. A gente trabalhava muito com design gráfico e intervenções urbanas, projetos culturais e interiores. Aí eu comecei a trabalhar no governo por esse período, para ajudar na parte de comunicação. Mas foi muito doido que de repente surgiu uma demanda muito grande nessa parte de regularização fundiária e dessa situação com comunidades para a implementação desta lei. Aí eu acabei sendo absorvido por isso. E de repente a gente estava dentro das comunidades, fazendo vários trabalhos vinculados à gestão do território. E acabou que chegávamos lá para fazer a reforma das casas, mas havia tantas questões territoriais, urbanas e urgentes que a gente teve que assimilar isso também.

Então aí se foram quatro anos de trabalho muito intenso, muito pesado com uma bravíssima equipe capitaneada pelo arquiteto Gilson Paranhos. Ele foi presidente nacional do IAB e então foi legal que tem essas bandeiras que o IAB carrega há décadas de assistência técnica desde os anos 70. E conseguimos implementar aqui justamente essa: os concursos públicos de implementação de projeto para obras públicas. Foi um trabalho muito intenso, então, para registrar toda essa experiência. Depois da minha saída do governo, decidimos escrever o livro. É muitas vezes, na gestão pública, quando muda a gestão, a primeira coisa que os que assumem fazem é deletar tudo da gestão passada. Então tomamos muito cuidado para colocar tudo no virtual, ainda mais porque lidávamos com muitas comunidades, então isso era importante. Tudo deve estar o mais acessível, público e transparente possível. Então essa foi a motivação para a gente organizar o livro e deixar tudo seguro caso fosse apagado na próxima gestão. O que de fato aconteceu.

Essa lei ainda é efetiva?

Sim, sim. É uma lei federal.

Quem quiser dispor desse serviço previsto pela lei busca quem? O IAB?

O ideal é que as pessoas busquem as prefeituras. Essa lei é como se fosse o "SUS" da arquitetura. Então a ideia é que as pessoas busquem as prefeituras e as pressionem para colocar essa lei em prática, e isso é muito importante. O IAB tem feito esse trabalho junto ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo, de tanto divulgar essa lei como injetar recursos. O CAU tem investido nesses recursos de assistência técnica, de publicidade e também de experimentação: de obras, de concursos, ou financiando pequenos escritórios para poder possibilitar essa lei.

Então eu acho que isso foi uma grande conquista, né? Nas duas primeiras décadas dos anos 2000 houve um avanço legal enorme, como criar o conceito de arquitetura e criar a lei de assistência técnica. Essa é uma lei muito nova, e a gente sabe que demora tempo para as leis "pegarem" no Brasil, então por isso é muito necessário divulgá-la. Então sempre quando temos essa chance, falamos da lei porque ela é um direito que todas as famílias com renda familiar de até três salários mínimos têm. E se esse direito existe, elas devem acionar o estado para que esse direito seja cumprido. Porque afinal, ele não existe à toa. Essa lei foi aprovada, sancionada e é uma lei que funciona. A gente provou aqui no DF que existe demanda e que se consegue, com muito poucos recursos, transformar a vida de muita gente.

Confira a íntegra da entrevista abaixo em vídeo ou podcast: