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Mãe, piloto de Boeing e influencer: ela virou referência nas redes e no ar

Tatiana Pedroso Mônico no aeroporto Santos Dumont (RJ) - Arquivo pessoal
Tatiana Pedroso Mônico no aeroporto Santos Dumont (RJ) Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para Nossa

23/01/2023 04h00

Desde que era criança, Tatiana Pedroso Mônico de 37 anos sonhava em ser piloto de avião. A goiana ainda não sabia qual era a sensação de estar em uma aeronave comercial, mas já tinha certeza de qual profissão gostaria de seguir quando crescesse. Mal sabia que não só realizaria esse sonho de voar, mas também que viraria autoridade nas redes sociais falando no assunto: no Instagram são 146 mil seguidores, no YouTube 95 mil inscritos e 237 mil no TikTok.

Natural de Mozarlândia, cidade localizada a 303 quilômetros da capital de Goiás, Tatiana gostava de acompanhar da porta da fazenda os hidroaviões voando baixo. Por desconhecer a existência de curso preparatório para piloto de avião e também por nunca ter visto mulheres pilotando, o sonho parecia bem distante da sua realidade.

Em 2000, ela se mudou ao lado da mãe e da irmã mais velha para Goiânia para fazer ensino médio, enquanto o pai permaneceu morando a maior parte do tempo em Mozarlândia, para cuidar da fazenda.

Quando estava no penúltimo ano do ensino médio, a irmã, Mônica, prestou vestibular e descobriu na lista de cursos universitários, da atual PUC de Goiás (Pontifícia Universidade Católica), a tão desejada formação de Tatiana, o curso de Ciências Aeronáutica.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tatiana aos 17 anos em um avião de treinamento tirando o brevê
Imagem: Arquivo pessoal

Depois de completar os estudos, a jovem que sonhava em ser piloto passou no curso em 8º lugar de uma lista de 100 vagas na PUC. Por três anos e meio, Tatiana, a única mulher da turma, fez todas as etapas exigidas para pilotar.

Aos 17 anos, antes mesmo de ter a carteira de motorista, tirou o brevê, a carteira de piloto. Com as provas de piloto particular e piloto comercial feitas, faltava completar as 1.000 horas de voo exigidas, na época, para trabalhar em uma companhia aérea.

Dois anos depois de formada, Tatiana mal tinha conseguido completar metade das horas necessárias e enfrentava bastante preconceito. Por falta de dinheiro, não podia pagar para pilotar no aeroclube da região, por isso trabalhava com quem aceitava seus serviços.

O táxi aéreo não era uma opção, porque não aceitava mulheres, com a desculpa que precisaria gastar mais para que pilotos de sexos opostos ficassem em quartos separados. Além disso, apesar de não falarem abertamente, Tatiana também sabia que não contratavam mulheres porque elas poderiam engravidar.

Em certo momento prestou serviços para uma dupla de sertanejos, porém durou pouco. Uma das namoradas dos cantores, enciumada, pediu sua demissão por não gostar de ter outra mulher tão perto do seu companheiro.

Do ano em que se formou até ser contratada por uma companhia aérea foram sete anos, e por três vezes, a piloto pensou em desistir do seu sonho.

Na época que eu entrei na linha aérea, era 0,5%, 0,8% o número de mulheres pilotos, hoje já somos 2% de mulheres. Mas o preconceito na aviação geral ainda existe, principalmente no início da carreira onde você precisa fazer táxi aéreo, voar para fazendeiro e empresário, é muito difícil para mulher. Entretanto na linha aérea, eu não sinto o preconceito, pelo contrário, me olham com admiração.

Rotina como piloto

No mesmo ano em que foi contratada pela Gol Linhas Aéreas, em 2010, Tatiana se casou com Mario Lima. Durante os cinco primeiros anos do casamento, ela ficava fora de casa até seis dias por semana, podia fazer todas as rotas da companhia. Com isso, chegava a ir para os Estados Unidos de duas a três por mês, e cada viagem permanecia por cinco dias.

Tatiana relembra que todos os voos internacionais sempre eram maravilhosos e quando tinha um pernoite mais longo, levava o marido junto, e eles aproveitavam para conhecer os locais.

Entre as recompensas de ser piloto, acho que seria facilidade para viajar, eu vou de graça e para levar sua família tem passagens muito baratas. Às vezes, dá saudades de voltar para casa e para fazer uma programação. Se sou avisada em cima da hora de um evento, um casamento ou um aniversário, por exemplo, não dá tempo de pedir folga.

Em 2015, quando Luna, a primeira filha do casal nasceu, a piloto mudou de rotina. Na época da amamentação, pelo programa da Gol voltado para mães, ela não poderia mais pernoitar fora, e a jornada era de máximo oito horas por dia, até que a pequena completasse um ano. Em 2017, Tatiana teve o segundo filho, Eric, e utilizou novamente os benefícios. Mesmo quando eles cresceram, ela permaneceu na escala mãe, onde praticamente só faz bate e volta ou passa no máximo um pernoite fora, além de ter direito a no mínimo dez folgas por mês.

Durante o primeiro ano da pandemia causada pela covid-19, a profissional resolveu criar conteúdos em suas redes sociais com uma forma de pagar a terapia dos filhos, pessoas autistas. Com o tempo, além de virar uma forma de renda extra, Tatiana ficou feliz ao perceber que ao criar conteúdos estava atendendo uma parte social, sendo útil para muitas pessoas, tanto quem tinha medo de voar quanto para aqueles com o sonho de ingressar na aviação.

"Ser piloto de avião é minha vida, até hoje quando vou fazer externa no avião, eu fico olhando esse monstro que é o Boeing 737 e não acredito que consigo dominar essa máquina. Não me vejo fazendo outra coisa, quando estou voando, fico olhando para fora e só agradecendo a Deus por tudo o que eu consegui por onde eu cheguei".

Desvendando mitos sobre voos com Tati

Tatiana conta que o maior medo dos passageiros com certeza é de que o avião caía por causa das turbulências. Se você também tem esse medo, pode ficar tranquilo, turbulência não derruba avião, porque a estrutura da máquina foi feita para suportar este tipo de movimentação, que se assemelha a buracos na estrada.

Passageiro fala, mas a asa balança, porém ela tem que balançar, porque é flexível. O perigo da turbulência é você estar sentado sem cinto e ser lançado, bater a cabeça ou a costela, se machucar por isso. Nem todo voo tem turbulência e existem níveis diferentes da movimentação. Em 12 anos e meio, de todas as turbulências que vivenciei, apenas uma foi um pouco forte.

Você sabe o que acontece com os dejetos coletados durante as viagens? Não, eles não são jogados no ar, a piloto garante. Na aeronave existem dois compartimentos, de água limpa e de dejetos. Quando o avião chega no seu destino, se o espaço de dejetos estiver muito cheio é esvaziado e o contrário também acontece, no caso do espaço de água, caso esteja vazio, é reposta a quantidade de líquido necessário.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tatiana ao lado do comandante Claudio Cintra
Imagem: Arquivo pessoal

Os pilotos dormem? Em voos longos é comum que as luzes se apaguem e os passageiros comecem a dormir. Os pilotos e comissários também dormem, geralmente em assentos reservados para eles descansarem. Em aeronaves maiores, diferentes do Boeing que Tatiana pilota, as chamadas de long rail, é comum existir um espaço diferenciado para o descanso, o sarcófago. Essa cama fica localizada em um compartimento específico abaixo ou acima dos passageiros.

Em todas as viagens sempre ficam dois pilotos na cabine e dependendo do tempo de voo, vai mais um ou dois pilotos para fazer um revezamento. Quem decide o tempo para a troca é o comandante.

O avião tem piloto automático, então vai sempre sozinho e os pilotos ficam monitorando cada etapa, um voa e o outro monitora e fala com o controle.

E que tal outro medo comum? Raios! As aeronaves podem ser atingidas por raios, tanto no solo quanto no ar, entretanto elas são fabricadas para dissipar e aguentar os impactos das correntes elétricas sem sofrer qualquer dano que comprometa a segurança do voo.

Os pássaros, da mesma forma de que os raios, nem sempre causam danos significativos ao avião. A piloto já atingiu um pássaro muito pequeno durante um voo, porém não houve nada com a aeronave, ela só sentiu o cheiro estranho no momento. Se nas aproximações e pousos e decolagens o avião se chocar com um pássaro e atingi-lo de forma grave, causando a perda de um dos motores, a viagem poderá continuar tranquilamente com outro motor.

Encher todo o tanque durante a viagem, nem pensar. Só é colocada a quantidade do querosene, combustível do avião, suficiente para fazer o voo completo. Mas também não colocada apenas a quantidade exata, mas sim com alguns acréscimos indicados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil): querosene para mais 30 minutos de viagem, mais 10% do produto caso o avião precise pousar em um ou mais aeroportos de alternativa, se estiver previsto chuva, aumenta a quantidade para esperar, se necessário por mais 30 minutos ou 40 minutos no ar.