Topo

Geocaching: por que turistas estão trocando roteiros por caça ao tesouro

Aplicativo dá dicas e coordenadas para usuários encontrarem itens e lugares inusitados - Divulgação
Aplicativo dá dicas e coordenadas para usuários encontrarem itens e lugares inusitados Imagem: Divulgação

Natalia Manczyk

Colaboração para Nossa, em Helsinki (Finlândia) e Berlim (Alemanha)

23/09/2022 04h00

Eu tinha apenas 24 horas em Helsinki, na Finlândia, e já sabia que o dia seria corrido. Nesses casos, a lista de principais atrações já está salva e a rota, estudada, para que o tempo apertado não seja inimigo do roteiro perfeito. Mas, em vez da rota planejada, lá estava eu dentro de um museu que não costuma fazer parte das listas do tipo "dez coisas para ver em Helsinki".

No pátio do Museu da Cidade, eu olhava atrás de vasos de plantas, espiava parapeitos de janelas, dava cinco passos para a frente e cinco para trás, e até grudei o rosto em uma porta de vidro fechada de um escritório, tudo discretamente com o maior medo de que os visitantes me notassem nesses atos esquisitos ou, quem sabe, suspeitos.

O museu, instalado em um casarão com coworking colorido, café e até sauna, era mesmo um lugar agradável que muito provavelmente eu não entraria caso não estivesse procurando um tal de geocache.

Pode até parecer que eu sou expert no termo, mas até então eu nunca tinha ouvido falar na atividade. "Como assim você não conhece o geocaching?", me perguntou um brasileiro em um hostel dias antes, na Letônia, enquanto me contava de um monumento que descobriu graças a isso.

Geocaching - mulher procura por item em estrada - Divulgação - Divulgação
Uma caça a tesouro com auxílio de app?
Imagem: Divulgação

Como funciona o geocaching

"Alguns usuários escondem embalagens com brindes pequenos em um ponto interessante da cidade e os participantes têm que achá-los. O legal é que muita gente coloca em um lugar pouco visitado, como bairros mais afastados do centro turístico, e é a chance de conhecer outras regiões e construções. Tem até encontros dos participantes pelo mundo", resumiu ele.

Com essa descrição, em cinco minutos eu já tinha baixado o aplicativo Geocaching e visto que havia geocaches ao meu redor, lá em Riga. Será que era só em cidades pouco visitadas que estão os "brindes"? "Que nada. Você encontra os geocaches no mundo todo, inclusive no Brasil", me explicou.

geocaching em são paulo - Reprodução - Reprodução
Em São Paulo, há registros de mais de 2 mil pontos no Geocaching
Imagem: Reprodução

É isso mesmo. Segundo o site oficial Geocaching.com, atualmente há 3 milhões de geocaches espalhados por 191 países e seis continentes - pois é, inclusive na Antártica. E não é coisa nova. Em 2 de setembro deste ano, milhares de geocachers se encontraram em Seattle para celebrar os 20 anos da atividade, que no passado usava, em vez de celulares, só os aparelhos de GPS.

Aliás, tem quem chame essa caça ao tesouro moderna de jogo, atividade ou mesmo esporte, afinal existem geocaches embaixo d'água, em cima de cachoeiras, em meio a florestas, desertos ou no topo de montanhas a serem escaladas - ainda assim, a regra é que não seja perigoso chegar a eles.

A principal ideia é que se esconda os geocaches em locais especiais que valem a pena ser descobertos. Os recipientes podem ter todos os tamanhos (há até os que têm formato de aranha ou borboleta para confundir o pessoal), mas não vá achando que o que todo mundo quer é o "tesouro".

Geocashing - o recipiente - Divulgação - Divulgação
Recipientes do Geocaching podem ter diferentes tamanhos e formatos
Imagem: Divulgação

Geocashing - recipiente aberto - Divulgação - Divulgação
A ideia é ter itens que você pode levar e também deixar algo para o próximo caçador
Imagem: Divulgação

Eles são só simbólicos, como ímãs, canetas, moedas, apontadores ou broches. A graça é mesmo chegar à caixa escondida descobrindo ângulos, áreas e monumentos desconhecidos pelo mundo.

Geocaching - item preso com ímã - Divulgação - Divulgação
Neste caso, item está escondido em compartimento com ímã
Imagem: Divulgação

Um museu fora da minha rota

Um usuário esconde o geocache e lista as coordenadas no aplicativo para que os participantes o procurem. Para quem está interessado em buscar, é só abrir o app que o GPS reconhece o local onde você está e mostra os geocaches ao redor. E não é que está cheio mesmo? É só estar em uma capital para o mapa se encher de símbolos verdes indicando as tantas "surpresas" por ali.

O mapa no aplicativo mostra o local aproximado da caixa, junto com uma descrição do lugar, a indicação do tamanho do geocache, o quão complexo é o terreno e o nível de dificuldade para encontrar. O interessante para os viajantes é que a descrição geralmente conta a história da região, do edifício ou do monumento onde a caixa está escondida.

Geocashing - Helsinki museu da cidade entrada principal - Natalia Manczyk - Natalia Manczyk
A entrada principal do museu da cidade de Helsinki
Imagem: Natalia Manczyk

O geocache que eu buscava em Helsinki tinha uma boa junção de todos esses fatores: estava perto de mim, era indicado como nível fácil e a descrição me agradou. O texto contava sobre o museu e então dava as coordenadas: "o geocache pode ser facilmente identificado através de uma janela de canto em um pátio antes fechado para o público. A entrada do pátio é pela rua Katariinankatu".

Geocashing - museu da cidade em helsinki entrada secundária - Natalia Manczyk - Natalia Manczyk
Uma entrada alternativa do museu
Imagem: Natalia Manczyk

E foi assim que fui parar no Museu da Cidade em Helsinki, entrando por uma rua que não estaria no meu caminho e em uma andança no mínimo suspeita pelo pátio. Depois de alguns passos indo e voltando, avistei o que poderia ser o geocache: um cesto através da janela, no lado interno do museu, com o que pareciam ser chaveiros grampeados.

Geocashing - Helsinki cesto com itens - Natalia Manczyk - Natalia Manczyk
E não é que estava lá?
Imagem: Natalia Manczyk

Cheguei com a mesma alegria de uma criança ao enfim encontrar os ovos de Páscoa escondidos, mas com a diferença que eu não sabia o que fazer. Poderia pegar os objetos? O que seriam aqueles papeis grudados com letras escritas? Um jovem engravatado que trabalhava ali no lugar que é museu e coworking me via há cinco minutos parada alternando o olhar entre um cesto esquisito e o meu celular.

Preferi ir embora e pesquisar depois como funciona o negócio.

Geocashing - museu da cidade me helsinki mesas - Natalia Manczyk - Natalia Manczyk
Do lado de dentro, um coworking onde as pessoas podem ter estranhado minha presença
Imagem: Natalia Manczyk

A ideia é que quem encontra o geocache assine um logbook - os nomes são complicados mesmo e parece algo superdigital, mas nada mais é que um caderno, ou um pequeno papel, colocado na embalagem - alguns, à venda no site oficial, são inclusive à prova d'água.

O que eu achava que eram chaveiros, eram os trackables, ou seja, pequenas peças que podem ser rastreadas pelo site para identificar o local do geocache. Caso veja um pequeno brinde, você tem a opção de pegar ou não - mas se levar, a regra é deixar algo semelhante no mesmo lugar.

Fui embora contente por ter achado o tal do geocache, mas ainda não satisfeita por não ter entendido totalmente a brincadeira.

Geocaching - homem procura geocache - Divulgação - Divulgação
Ao encontrar item, visitantes podem assinar logbook e sinalizar sua conquista no aplicativo
Imagem: Divulgação

Mais uma chance

Eis que dias depois, estava eu em Berlim, e lá fui eu abrir o app com o mapa de geocaches entre um evento a trabalho e outro. Seria só curiosidade? Ou será que eu tinha gostado da coisa? Mais uma vez, os arredores estavam povoados de símbolos verdinhos indicando que por ali haveria mais geocaches. Um deles, tão perto de mim, parecia valer a pena.

Geocashing  - app mostra praça - Natalia Manczyk - Natalia Manczyk
Mais uma chance: vamos ver o que encontrar em Berlim
Imagem: Natalia Manczyk

Afinal, segundo a descrição, eu chegaria em um dos bancos de praça mais bonitos de Berlim. Morei um ano na capital da Alemanha, passava pela praça onde estaria o tal do banco todos os dias, e como assim nunca reparei nele? Precisava então ir atrás do geocache para tirar a prova.

De salto alto, roupa social e tempo contado para essa escapada, eu era a única com esse dress code tentando me equilibrar nos gramados berlinenses. Acompanhava pelo GPS no aplicativo o quão perto eu estava do geocache. Atravessava de uma esquina a outra e voltava tentando me entender com o GPS.

Até que avistei o que deveria ser o local.

Pela descrição, do banco com vista para a fonte exuberante da Strausberger Platz se vê também o grande símbolo de Berlim, a Torre de TV. E não é que é verdade? Passei todos os dias por aquela praça, mas nunca tinha me dado o trabalho de atravessar a rua para ver a vista do outro lado. Alguns passos para a direita ou alguns passos para a esquerda, e a torre realmente some da vista.

Geocashing - banco em Berlim  - Natalia Manczyk - Natalia Manczyk
Um ângulo diferente de Berlim; será esse cara o responsável pelo geocache?
Imagem: Natalia Manczyk

Era hora de encontrar o recipiente, mas um homem admirava aquele mesmo visual sentado no tal do banco. Ele não mexia no celular, não lia, nem nada. Só olhava Berlim daquele único ângulo em que aparecia a torre e a fonte. Me aproximei por trás do banco e discretamente olhava se havia algo colado atrás.

Não.

E nada de o homem dar sinais de que sairia dali, nem mesmo se movia. Seria ele o usuário que resolveu colocar ali o geocache? Afinal, a descrição terminava com a frase "eu poderia passar horas nesse banco".

Com o tempo apertado, tive que desistir de encontrar o geocache, mas ao menos descobri um novo ângulo de Berlim. O app ainda foi aberto mais algumas vezes por mim em Lódz e em Cracóvia, na Polônia. Quem sabe que eu encontre mais um ponto especial nessa caça ao tesouro de viajantes.