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Dops: Antigo centro de tortura oferta hospedagem e choca turista no RS

Casa onde funcionou centro clandestino de tortura, conhecido por Dopinho, é anunciada no Airbnb - Reprodução/Airbnb
Casa onde funcionou centro clandestino de tortura, conhecido por Dopinho, é anunciada no Airbnb Imagem: Reprodução/Airbnb

Hygino Vasconcellos

Colaboração para Nossa, em Balneário Camboriú (SC)

04/08/2022 08h12Atualizada em 04/08/2022 10h21

A ilustradora Carolina Porfírio, 36, descobriu por acaso que a casa que estava prestes a reservar pelo Airbnb foi um centro de tortura em Porto Alegre. Conhecido por Dopinho ou Dopinha, o local foi considerado o primeiro centro clandestino de repressão, instaurado pela Ditadura Militar logo após abril de 1964, segundo a prefeitura da capital gaúcha.

Carolina já tinha acertado a locação de outro imóvel, mas teve a reserva cancelada. Com isso, ela passou a procurar outro lugar para ficar com cinco pessoas, incluindo o marido, quando se deparou com o anúncio da casa onde antes funcionava o Dopinho. O grupo vai participar em setembro de um evento de quadrinhos na cidade.

Uma placa na calçada em frente ao imóvel conta um pouco a história do Dopinho. Segundo o texto, ali funcionou "estrutura paramilitar para sequestro, interrogatório, tortura e extermínio de pessoas ordenadas pelo regime militar de 1964".

Segundo a placa, o local era comandado pelo major Luiz Carlos Menna Barreto, que chefiava 28 militares, policias e agentes do Dops e civis "até que apareceu no Guaíba o corpo com as mãos amarradas de Manoel Raimundo Soares, que suportou 152 dias de tortura, inclusive no casarão".

O local foi desativado em 1966, "com as paredes manchadas de sangue", e os "crimes cometidos ali ficaram impunes", detalha a placa.

Placa em frente à casa explica que residência foi, no passado, centro de tortura clandestino - o Dopinho - Ministério Público/Divulgação - Ministério Público/Divulgação
Placa em frente à casa explica que residência foi, no passado, centro de tortura clandestino - o Dopinho
Imagem: Ministério Público/Divulgação

A primeira placa indicativa do Dopinho foi colocada em agosto de 2015, porém, foi totalmente coberta por concreto, conforme o Ministério Público do Rio Grande do Sul. Uma nova foi colocada em abril de 2021.

'Queremos esquecer'

Procurada por Nossa, a dona do imóvel, identificada como Maria Laura, disse, por mensagem, que o imóvel sempre foi da família.

O fato de ser Dopinha na década de 1960 é algo que queremos esquecer.

Já o Airbnb afirmou que desativou a acomodação para reservas enquanto avalia o caso.

"O Airbnb tem regras e políticas que determinam como a comunidade deve usar a plataforma para criar uma experiência em que as pessoas se sintam em casa em qualquer lugar e está comprometido a aplicar suas políticas para proteger a comunidade", disse a plataforma em nota encaminhada a Nossa.

Depois de saber da história da casa, a ilustradora acabou optando por se hospedar em um hotel, mais caro que a casa. O imóvel onde antes era o Dopinho estava com desconto na diária: de R$ 1.175 saía por R$ 700.

Para Nossa, Carolina disse que só soube da história da casa após ver uma avaliação negativa do imóvel. Nela, outro usuário da plataforma disse que a tentativa de reservar o imóvel foi a "pior experiência" que ele já teve com um Airbnb. Ele disse que locou o imóvel para ficar com a família, mas no dia anterior à hospedagem não conseguiu contato com os administradores e não conseguiu ajuda do suporte da plataforma de locação, então decidiu ir ao local para conferir o que tinha acontecido.

"A casa tem uma energia péssima, vários pichos na frente com a palavra 'sangue', a casa estava toda manchada de pingos vermelhos e na frente uma placa da prefeitura dizendo que neste local morreram muitas pessoas torturadas pela ditadura, pois é um ex-Dopinho. Tive que cancelar a reserva e achar outro Airbnb no dia da minha formatura, foi terrível conseguir contornar a situação", detalhou.

Procurada novamente, a dona do imóvel disse que "infelizmente, devido a um contratempo com a saúde" não conseguiu hospedar o jovem. Já outra avaliação recomenda positivamente o imóvel. "Tudo conforme o combinado", diz o usuário do Airbnb.

Após os contatos com a reportagem, o anúncio da casa foi tirado do ar.

dopinho - WikiCommons - WikiCommons
Fachada de onde foi o Dopinho, centro de tortura instalado em Porto Alegre na ditadura
Imagem: WikiCommons

Casa "proporciona estadia tranquila", diz anúncio

O imóvel era anunciado como uma "linda casa de época moderna". "Aproveite sua estadia nesta casa de estilista, remodelada e serenamente jardinada em 1927", dizia.

A casa comporta seis pessoas, tem três quartos e quatro camas, além de quatro banheiros. Há inclusive uma piscina nos fundos da residência.

"Nossa casa espaçosa, antiga, original e recentemente remodelada, proporciona uma estadia tranquila e segura para os hóspedes que pretendem ter uma estadia única no centro de Porto Alegre", detalhava o anúncio.