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Restaurantes enfrentam falta de mão de obra em reabertura dos EUA e Europa

Após ano difícil com pandemia, restaurantes de Europa e EUA sofrem para encontrar funcionários - Getty Images
Após ano difícil com pandemia, restaurantes de Europa e EUA sofrem para encontrar funcionários
Imagem: Getty Images

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa

28/05/2021 04h00

Mais de um ano depois de fecharem as portas por conta da pandemia de covid-19, muitos restaurantes pelo mundo, especialmente na Europa e nos EUA, voltaram finalmente a reabrir.

Mas se a demanda de clientes já não parece ser um problema para muitos — com as vacinações aceleradas e as regras de distanciamento menos rígidas —, a falta de mão de obra que tomou o setor dificulta as operações em um momento crucial.

Em seus perfis nas redes sociais, chefs e donos de restaurantes compartilham vagas cada vez mais difíceis de preencher. Em um post, o chef americano Sean Brock divulga uma vaga em confeitaria e diz: "Somos uma empresa pequena que luta para tornar o local de trabalho em um espaço divertido para crescer e contribuir".

A proposta de Brock para os profissionais (detalhada com uma série de benefícios) é sintomática de uma fase por que passa o setor. Muitos profissionais da restauração têm feito críticas ao ambiente de trabalho ao que sempre estiveram inseridos.

Salários baixos, precariedade nas relações trabalhistas, ambientes tóxicos (com chefs a gritar ou explorar seus funcionários, descambando algumas vezes para abusos). Com a pandemia, muitos perceberam que ainda tinham que escolher entre se expor amplamente ao vírus ou não ganhar o ordenado no final do mês.

Em busca de equilíbrio

Carlos Fernandes - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Carlos Fernandes
Imagem: Reprodução/Instagram

O chef de confeitaria português Carlos Fernandes deixou o restaurante com uma estrela Michelin em que trabalhava no Algarve durante a pandemia em busca de um maior equilíbrio. "Acredito que é possível podermos trabalhar a um alto nível e não termos de sacrificar a vida pessoal para isso", diz.

"Quero poder trabalhar em um projeto especial, com pessoas que criem um bom ambiente e estejam felizes em fazer o que gostam. Tudo isso, conciliando a vida pessoal", explica. Não deveria ser pedir muito, segundo ele diz.

A rotina estafante em um restaurante de hotel e a pandemia o fizeram questionar seus objetivos de carreira. Hoje, enquanto não encontra uma posição que lhe satisfaça, produz bolos e outros doces que vende aos clientes finais.

Poucos são os restaurantes que oferecem isso, mas é algo comum a toda indústria e é algo que devemos mudar. Numa altura em que se fala tanto em sustentabilidade, cadê a sustentabilidade da equipe?", pergunta.

No início do mês, o portal americano Eater fez uma reportagem (em inglês) em que ouviu profissionais sobre suas razões de não quererem voltar aos restaurantes. As condições de trabalho, o fator salarial e a falta de confiança entre patrões e funcionários foram alguns dos motivos elencados.

A voz dos empresários

Da parte dos empresários, eles dizem que tem sido muito difícil encontrar profissionais nessa altura — e que alguns estão acomodados com as ajudas dos governos e não querem voltar a trabalhar.

Quase não recebi respostas. Não sei onde andam as pessoas", diz Leopoldo Calhau, proprietário da Taberna do Calhau e do bar de vinhos Bla Bla Glu Glu, em Lisboa.

Das vagas anunciadas por ele, recebeu não mais de quatro currículos para sommelier e nem 10 para cozinheiro. Sua média era receber pelo menos quatro vezes mais que isso quando anunciava uma posição. "E ainda os currículos não são fantásticos", diz.

Leopoldo Calhau - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Leopoldo Calhau
Imagem: Reprodução/Instagram

Acredita que muita gente ainda está a receber auxílio de uma espécie de seguro-desemprego que há no país e, portanto, prefere ficar em casa. "Ou estão no subsídio ou então nem aparecem para a entrevista", queixa-se. "Acho que vamos enfrentar uma situação difícil em recolocações até o final do ano".

O fato das casas operarem com menos clientes e com poucos turistas também é uma questão levada em conta por muitos profissionais, principalmente de salão. O complemento aos salários nem sempre suficientes costuma vir em forma de caixinha. Com menos visitantes, ela minguou.

O pior não passou

O chef brasileiro Rafael Cagali, que possui um restaurante em Londres, afirma que é preciso "ter muita paciência para encontrar mão de obra qualificada neste momento". Com a falta de profissionais na área, os melhores são cobiçados por muitos restaurantes ao mesmo tempo, levando a um declínio no setor.

Hoje, ele diz que tem sido difícil manter a equipe de 15 pessoas com as muitas baixas. "Tenho uma funcionária que está voltando para a França e outra está grávida. Ocupar os cargos está muito difícil".

Rafael Cagali (quarto da esq. para dir.) e a equipe do Da Terra - Reprodução/Instagram/Touchfood - Reprodução/Instagram/Touchfood
Rafael Cagali (quarto da esq. para dir.) e a equipe do Da Terra
Imagem: Reprodução/Instagram/Touchfood

No caso dele, há o agravante da aprovação do Brexit, o que levou muitos europeus que residiam na Inglaterra a regressarem a seus países. A mesma situação deve acontecer nos restaurantes brasileiros nos próximos meses: com menos migrantes dispostos a deixar suas cidades, os postos de trabalho ficarão mais difíceis de serem preenchidos.

Em um setor em que o atendimento é primordial e o trabalho na cozinha é feito a muitas mãos, a crise de mão de obra pode ter efeitos ainda mais exasperantes para o funcionamento dos restaurantes.

E nós imaginávamos que o pior já tinha passado", conclui Cagali.