Rafael Tonon

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Reportagem

Por que esta couve-flor com 'protetor solar' pode ser futuro da alimentação

Levou alguns anos para que ela pudesse chegar aos mercados, mas finalmente a Andrômeda já está disponível em algumas prateleiras.

Embora o nome possa indicar algo mais galáctico, na verdade trata-se de um simples couve-flor. Quer dizer, não tão simples assim.

Criada na Suíça, a hortaliça com nome próprio é mais resistente ao sol do que outras variedades: ela vem com uma espécie de "proteção solar".

A sua cor branquíssima e outras características genéticas foram determinadas por edição de DNA (técnica batizada de CRISPR) que permite ter maior tempo no supermercado e evitar que tenha danos de queimadura solar.

A couve-flor 'turbinada' também resiste mais tempo nos supermercados
A couve-flor 'turbinada' também resiste mais tempo nos supermercados Imagem: Reprodução

Com o aumento gradativo da temperatura no mundo, vegetais como a Andrômeda devem se tornar mais e mais comuns — uma tentativa da tecnologia e da ciência desenvolverem uma nova gama de "alimentos resistentes ao clima".

Mundo em colapso

Cientistas e ambientalistas alertam que estamos diante de um colapso climático que tem causado abruptas alterações da temperatura terrestre e oceânica (com subida do nível do mar, derretimento de degelo) e uma frequência e intensidade de eventos extremos.

Não é apenas alarmismo: recentes inundações deixaram mais de um terço das uvas da Califórnia apodrecendo nas videiras na colheita deste ano.

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A alta incidência de luz solar está queimando as plantações de frutas em todo o mundo enquanto pragas com as quais os agricultores nunca se preocuparam estão tomando os campos.

Uvas mortas no pé em vinhedo na Califórnia: calor extremos e queimadas
Uvas mortas no pé em vinhedo na Califórnia: calor extremos e queimadas Imagem: Getty Images/Bloomberg Creative

Temos diante de nós um futuro de maior insegurança alimentar e colapso dos sistemas alimentares: condições que tornarão mais difíceis (ou em alguns casos impossíveis) de se produzir alimentos.

As soluções vêm desde a tecnologia de edição molecular de genes até à exploração das coleções globais de sementes que foram conservadas durante séculos — tudo para desenvolver culturas que crescem melhor em climas extremos.

As tecnologias de edição já permitiram desenvolver, por exemplo, frutas que exigem menos água para seu crescimento (como um melão criado pela Universidade do Texas) ou que consigam ser mais resistentes às altas temperaturas — de cerejas a uvas.

Novos alimentos

A própria indústria também tem despertado para a nova tendência. Novas marcas têm criado snacks mais "amigos do clima", como passaram a anunciar biscoitos e barrinhas no mercado.

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A americana Força Foods usa como matéria-prima sementes de melancia para diminuir o consumo de água no processo de produção de seus cubinhos de cereais e frutas — segundo a marca, 94 vezes menos se comparado às castanhas mais usadas.

Snack da Força Foods, feito com sementes de melancia: 'economize água petiscando'
Snack da Força Foods, feito com sementes de melancia: 'economize água petiscando' Imagem: Reprodução

Com o slogan "economize água petiscando", a marca produz seus snacks com ingredientes orgânicos e naturais, sem nenhum tipo de aromatizantes.

O que essas marcas querem é conquistar um novo consumidor que quer "usar o poder dos alimentos para ajudar a combater as mudanças climáticas", como diz o site da Quinn, uma empresa que produz de pipoca a pretzel com esse propósito.

Ativismo alimentar

O número de climatarianos — pessoas que definem sua dieta de acordo com alimentos que são menos danosos ou mais amigos do clima — tem crescido exponencialmente no mundo, ainda que não existam dados compilados sobre eles.

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Trata-se de uma nova geração de pessoas que torcem o nariz para o consumo de carne (principalmente bovina, que é a que mais colabora para o acirramento do efeito estufa) e que priorizam alimentos locais (que não exigem longas distâncias de transportes que poluem o planeta).

Essa nova face do ativismo alimentar quer reduzir ao máximo possível a pegada ambiental através da alimentação e criar maior consciência das pessoas sobre os danos dos efeitos climáticos,

"Com uma mudança de dieta simples, é possível cada um salvar uma tonelada de CO2 por ano", resume o Climatarian.com, o portal que se tornou uma espécie de Bíblia para os adeptos.

Eles sabem que é impossível tratar da pegada ambiental sem falar da alimentação, já que a cadeia de alimentos é uma das que mais causa impacto na questão do clima hoje.

A comida é o principal meio para nos tornarmos mais conscientes dos nossos impactos no planeta. Afinal, comer é um ato político, que pode provocar mudanças concretas no mundo em que vivemos.

Aquilo que escolhemos comer pode tornar mais escassos os recursos naturais que temos, fazendo a nossa vida sobre a Terra quase impossível, ou ajudar a tentar mitigar os danos da catástrofe climática que vem aí. A escolha está no nosso prato.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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