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Pilotos correm sabendo do risco, mas dizem que melhorias estão acontecendo

Comunidade da motovelocidade reconhece risco de morte em Interlagos, mas não pretende parar - Juliano Capreti/Superbike
Comunidade da motovelocidade reconhece risco de morte em Interlagos, mas não pretende parar
Imagem: Juliano Capreti/Superbike

Leandro Pinheiro e Thiago Tassi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/11/2020 04h00

A morte de Matheus Barbosa no Autódromo de Interlagos durante etapa do Superbike Brasil no último domingo (8) ligou novamente o sinal de alerta na motovelocidade brasileira. Nos últimos quatro anos, foram cinco mortes de pilotos no tradicional circuito da capital paulista.

Diante do número assustador, uma pergunta vem à cabeça: por que os pilotos seguem dispostos a correr em Interlagos? O UOL Esporte ouviu competidores que tiveram incidentes na pista nos últimos anos para responder à questão.

'É o que a gente ama'

Um dos motivos — talvez o principal — que mantém os pilotos nas pistas é o gosto pelo esporte. Os acidentes assustam, é verdade, mas a maioria deles se mostra disposto a deixar o medo de lado para realizar aquilo que dá prazer.

Marcelo Moreno é um exemplo disso. Ele competiu no Superbike Brasil de 2016 a 2019, quando sofreu uma queda em Interlagos após choque provocado por outro piloto em uma sessão de treinos livres e acabou lesionando o ombro. "MM", como é conhecido, ainda não reúne condições de pilotar novamente, mas não teria dúvidas sobre qual decisão tomaria caso estivesse na plenitude de sua forma física.

"É o que a gente ama. Se eu estivesse em condições físicas, provavelmente teria voltado também, mesmo sabendo dos riscos. Amamos isso [motovelocidade]", resumiu.

Alex Schultz, que compete na categoria desde 2010 e sofreu um acidente quase fatal em 2017, segue essa linha de raciocínio. O piloto e modelo, no entanto, adotou mudanças. A primeira delas foi trocar as motos 1000cc por categorias de motos menos potentes.

"Eu corro há 11 anos e tenho consciência que é disso que eu gosto. Hoje, mesmo minimizando os meus riscos, sei que eles ainda existem. Mas vou lá com um pensamento diferente, tentando controlar o ímpeto de competição bruta e arriscada", explicou.

"Tive muito medo depois que me recuperei do acidente, cheguei a ter crises de pânico quando andei de moto, tive que parar em posto de gasolina para respirar e voltar ao normal. Isso [medo] era uma coisa que eu não queria levar para a minha vida. Um dos motivos maiores para voltar a correr foi porque eu tinha certeza que daqui a alguns anos eu iria olhar para trás e dizer que eu teria largado a melhor coisa para se fazer na vida, que é o esporte. Esse arrependimento, eu não queria levar. Quis me botar à prova e sentir o prazer de novo de competir", acrescentou Schultz.

Falta de pistas adequadas

Se os pilotos e apaixonados por motovelocidade estão dispostos a competir, é natural que eles procurem eventos que promovam corridas em autódromos, certo? Neste cenário, Interlagos é um palco de brilhar os olhos. Afinal, quem não quer acelerar nas famosas curvas que consagraram lendas do automobilismo?

Só tem um problema... Interlagos não é um circuito totalmente adequado para motovelocidade. Para piorar, outros espalhados pelo país também possuem deficiências quando as corridas de motos são o assunto.

"Infelizmente no Brasil nós não temos nenhuma pista com homologação feita pela FIM [Federação Internacional de Motociclismo], atendendo os quesitos de segurança", lamenta o piloto Edson Luiz, o "Mamute", veterano na categoria. "Mas isso não a torna impraticável para o motociclismo. O Superbike vem minimizando todos os riscos, utilizando barreiras de proteção de ar, que já se provaram eficazes em outros acidentes, inclusive na Curva do Café, considerada a mais perigosa de Interlagos", acrescentou

Depois das mortes em sequência de Mauricio Paludete e Danilo Berto, em 2019, a discussão sobre se Interlagos reunia as condições necessárias para receber corridas de moto aumentou. No caso de Paludete, por exemplo, que faleceu após passar reto no 'S do Senna', o local em que se chocou com o muro é classificado como "grau D" em uma escala de A a E desenvolvida pela FIM para avaliar a segurança dos autódromos.

De acordo com as regras de homologação da entidade máxima do esporte, pistas de grau D estão aptas para receber corridas de eBikes (motos elétricas), e não corridas de motos Superbikes (alta cilindrada).

"O nosso esporte em si ele é intrinsecamente perigoso. Ele não é um esporte muito tranquilo de se fazer. A gente sabe das implicações, dos riscos que se corre e, obviamente, se tenta reduzir mais. Seja por equipamentos de segurança, por áreas de escape mais avançadas, barreiras de proteção de ar. Tudo isso pode ser minimizado, sim. Mas infelizmente estamos em um país em que os autódromos não possuem a segurança adequada", completou Edson Luiz, o "Mamute".

Pilotos veem melhorias

Desde que as mortes no primeiro semestre de 2019 ligaram o alerta na motovelocidade brasileira, medidas vêm sendo tomadas pelo Superbike Brasil para diminuir os danos. Instalação de mais barreiras de ar de proteção e o desenvolvimento de um plano para acompanhar os pilotos fora da pista são alguns exemplos de atitudes da organização para melhorar a condição do grid.

Ainda assim, a modalidade "pena" no Brasil e está longe de oferecer a qualidade ideal do Mundial de Motovelocidade. "As motos evoluíram, pneus evoluíram e os pilotos também. Cada dia que passa ficam mais rápidas as voltas. E, por mais segurança com barreiras de proteção e colchões que estão sendo usados, o risco sempre vai ter", destacou Marcelo Moreno.

Além disso, há, na visão dos pilotos, o entendimento de que o evento vem realizando melhorias na infraestrutura durante as corridas. Nesta avaliação, deixar o campeonato, por exemplo, não se torna uma opção.

"Com relação a repensar a participação no campeonato, de forma alguma. O campeonato vem mostrando muita preocupação com a integridade dos pilotos, sem demagogia nenhuma. O Matheus fez o teste psicólogo e teve resultados impressionantes. De todos os pilotos, de todas as categorias, ele foi o cara que, nos testes psicológicos feitos com sistemas eletrônicos, foi o que mais mostrou reflexo rápido. E isso é uma das coisas que campeonato nenhum tem. De forma alguma eu repensei a participação no campeonato. Isso são coisas que não passaram pela minha cabeça, não", afirmou "Mamute", piloto que vivenciou de perto dois dos dramas recentes.

"Mamute" era da mesma equipe de Danilo Berto e ajudou Matheus Barbosa no começo da carreira na modalidade, assim como o auxiliou em sua última corrida da vida.

"A motovelocidade existe há muitos anos, e acredito que isso são coisas horríveis que acontecem, ninguém espera, de forma alguma. Mas elas [mortes] vão continuar existindo. E muitas pessoas que apontam o dedo para julgar, para colocar em xeque toda uma categoria, um campeonato, são as que menos fazem para que as coisas mudem", disse Edson Luiz.

"Para um atleta do motociclismo como eu, é muito triste perder dois companheiros apaixonados pelo esporte de uma forma tão trágica. A luta desses jovens em suas carreiras certamente foi semelhante à minha, então para mim é ainda mais lamentável ver o sonho deles acabar assim", afirmou Eric Granado, principal piloto da categoria e representante brasileiro na MotoE (campeonato de motos elétricas do Mundial de Motovelocidade), em comunicado enviado à reportagem.

Afetada pela pandemia do novo coronavírus, a categoria iniciou a temporada em 30 de agosto. Cinco das oito etapas do ano acontecem em Interlagos. Faltam três eventos do Superbike em 2020: provas em Curitiba (22 de novembro), Potenza-MG (6 de dezembro) e novamente na capital paulista (20 de dezembro).

Confira o comunicado oficial divulgado pela SuperBike Brasil sobre a morte de Matheus Barbosa

Com imensa tristeza o SuperBike Brasil comunica o falecimento do piloto Matheus Barbosa na prova da categoria SBK Pro válida pela 5ª Etapa do Campeonato 2020, realizada neste domingo (08/11) no Autódromo de Interlagos-SP.

O acidente ocorreu na curva da Junção, um trecho com áreas de escape e sem nenhum histórico de acidentes graves. Matheus foi atendido pela equipe médica mais próxima em menos de 60 segundos. Ainda assim, apesar de todos os esforços, infelizmente ele não resistiu aos ferimentos. As causas do acidente ainda são desconhecidas e estão sendo apuradas pelas autoridades competentes.

Em respeito ao nosso querido Matheus, e sobretudo a família, todas as atividades do dia foram imediatamente encerradas, as demais provas restantes canceladas e a corrida na qual o acidente ocorreu imediatamente interrompida em bandeira vermelha.

Matheus, natural de Anápolis - GO, era um piloto altamente experiente e com títulos em sua carreira, entre eles de Campeão Brasileiro da SuperSport. Possuía todas as credenciais necessárias como piloto e atendia todos os rígidos protocolos de segurança em vigor. Dentre os mais de 350 pilotos do Campeonato Matheus contava, entre outras características psicológicas, com o mais rápido índice de resposta e reflexo atestado pelos exames psicotécnicos anuais, semelhantes aos realizados na aviação comercial civil.

Cumprindo a legislação a Organização comunicou a Polícia, e todas as medidas relativas a perícia e demais providencias estão sendo tomadas.

A prova decorria dentro de todas as condições de segurança estabelecidas pelas autoridades competentes.

Nesse momento a Organização tem como prioridade dedicar total atenção e suporte a família do Matheus.