'Jogava comida fora e usava laxantes': nadadora relata transtorno alimentar

A primeira medalha em um Campeonato Brasileiro Absoluto teve um significado especial para Luiza Lima. Logo após subir ao pódio com o terceiro o melhor tempo entre as brasileiras nos 1500m livre no início deste mês de maio, a nadadora celebrou mais uma vitória na luta contra o transtorno alimentar.

Há cerca de um ano, Luiza passou a entender que só teria bons resultados se ficasse com o corpo mais magro possível. A jovem de 18 anos começou a regular a própria alimentação com restrições severas, fez uso de laxantes e vomitava com frequência.

"O atleta de alto rendimento tem uma preocupação enorme com o corpo. Eu sempre fui uma pessoa determinada, que seguia dieta 100% a risca, mas eu acredito que acabei sofrendo com abordagens que me desencadearam algo doentio. Eu comecei a me regular demais na comida, porque achava que eu não estava no peso correto", contou Luiza ao UOL.

"Eu estava na minha melhor fase, mas foi posto ali na minha cabeça que eu tinha que emagrecer, que eu tinha que ficar mais fininha, sequinha. Então eu deixava de comer, me burlava. Moro com meus pais e falava para eles que estava comendo... Aí colocava comida no meu prato, jogava fora quando não estavam vendo. Eu comecei a calcular as calorias de quanto eu comia, que eram cerca de 1200 por dia, só que ainda tinha o que eu colocava para fora, né? Acabei usando muito laxante também", acrescentou.

Ingerindo pouca comida, Luiza caía na água para treinar e se cansava com facilidade, mas não queria demonstrar ao técnico Rafael Soares. A atleta também sofreu com infecções e gripes constantes causadas pela queda de imunidade, consequência da queda abrupta do peso.

"Eu consumia pouca caloria e treinava quatro horas por dia na água, uma hora na musculação, e ainda colocava comida para fora. Eu estava super magra, eu cheguei a estar dez quilos a menos do que eu estava na melhor fase, mas eu me via gorda. Vivi um paradoxo na minha mente, porque, ao mesmo tempo em que eu achava que eu tinha de emagrecer mais e mais, eu chegava nas lojas e procurava o menor tamanho de calça. Às vezes, eu sabia que eu estava muito magra e que eu tinha que parar, mas, ao mesmo tempo, eu tinha que emagrecer mais. Era uma loucura na minha cabeça", relatou.

Como a própria Luiza diz, o esporte que a colocou nesta situação também foi o responsável por salvá-la. Aos poucos, as pessoas que vivem em seu entorno notaram que a atleta precisava de ajuda. O técnico Rafael a tirava da água logo após terminar o aquecimento quando percebia que a jovem estava muito fraca. Diagnosticada com disformia corporal, anorexia e bulimia, a nadadora, então, passou a ter acompanhamento de nutricionistas, psiquiatras e psicólogos.

"Tive um apoio imensurável do Comitê Olímpico do Brasil, além de toda a minha comissão técnica hoje. Com esse apoio, comecei a ir em psicólogo, psiquiatra e nutricionista. Fui acompanhada pelos médicos do COB, inclusive pela ginecologista porque no meio disso tudo eu ainda tive amenorreia, fiquei 120 dias sem menstruar. Foi uma maluquice hormonal também", destacou Luiza.

Filha dos nadadores Luiz Lima e Milene Comini, Luiza falou que ainda está no caminho da recuperação completa. A medalha conquistada na seletiva olímpica, no início de maio, foi uma vitória entre as outras que conquistou contra o transtorno alimentar.

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"Eu não tive mais quadros bulímicos, não usei mais laxante, eu estou seguindo a dieta super bem, comendo tudo que eu tenho que comer. Já ganhei um pesinho a mais, que eu precisava, mas os pensamentos ruins ainda vêm na cabeça. Demorou para eu entender que eu precisava de ajuda mesmo... Quando eu estava me recuperando, lutei para ganhar peso. Quando o Brasileiro Absoluto — que foi a seletiva olímpica — foi se aproximando foquei ainda mais. Metade de mim queria muito se recuperar e a outra me puxava para trás. Vivi nesse conflito", revelou.

Na seletiva olímpica, Luiza Lima fez o quarto melhor tempo após nadar os 1500m livre em 16min57s30 e também subiu ao pódio com a medalha de bronze, porque a terceira colocada Delfina Dini é argentina. Um dia após a conquista, a brasileira fez uma publicação no Instagram para falar abertamente sobre o seu problema e, além de ter recebido apoio de muitas companheiras, ouviu histórias parecidas.

"Os resultados da seletiva foram muito longe do que eu gostaria de apresentar, os tempos foram acima dos que eu tenho. Mas me dá um pouquinho de força, dá um pouquinho de ânimo, porque foi minha primeira medalha em um campeonato absoluto, eu sou júnior ainda. Ganhar medalha depois de ter passado por tudo isso, de ter essa recuperação toda, dá força para as próximas competições", comentou Luiza.

"Muitas meninas vieram falar comigo até durante a competição. Foi um jeito delas também abrirem o olho e ver que alguém já passou por isso e está se recuperando disso. Uma das meninas que veio falar comigo contou que passava horas sem comer... Outra atleta se aproximou no banheiro logo depois de nadarmos uma prova, e falou sobre o quanto minha história tinha tocado, porque ela também sente muitos problemas em relação ao peso. Foi um período muito ruim, muito difícil. Uma coisa horrível de se passar. Mas tem que tentar tirar algo bom disso também. Acho que a parte que eu posso tirar disso boa é tentar ajudar os outros", disse a nadadora.

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