Quem é o jovem com autismo que é promessa do basquete do Botafogo

Em meio a uma roda na quadra, um jovem de 1,92m e tranças chama a atenção. Ele ouve atentamente enquanto olha a bola pressionada entre as mãos. "O basquete representa uma parte de mim".

Charlison de Sá tem 16 anos e é uma das promessas do basquete do Botafogo, inclusive com convocações para a seleção brasileira. Diagnosticado com o transtorno do espectro autista (TEA), ele lembra obstáculos na infância e conta como a vida mudou com o esporte. Hoje, 2 de abril, é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data criada pela ONU em 2007.

O começo no basquete e a aposta

Charlison deu os primeiros passos no basquete bem antes de calçar tênis 45. Os primeiros quiques foram aos oito anos, em um projeto social próximo de casa, em Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, sob influência dos pais.

O jeito mais calado e olhar mais para baixo foram algumas coisas que chamaram a atenção de Rogério "Big", também chamado Preto, ex-jogador de basquete que descobriu Charlison. A partir disso, ele e família buscaram especialistas e houve o diagnóstico de autismo.

Charlison (à dir.) posa com a camisa da seleção brasileira
Charlison (à dir.) posa com a camisa da seleção brasileira Imagem: Arquivo pessoal

Aos 10, o jovem começou a se interessar com mais afinco, e também na onda dos vídeos de Michael Jordan que eram mostrados pelo pai — Charlison se tornou fã do ex-astro do Chicago Bulls.

Quando era pequeno, as pessoas não gostavam muito de mim. Mesmo! E, conforme fui crescendo, fui tendo o reconhecimento, comecei a não ter mais timidez como antigamente. Acho que mudei muito.
Charlison

Ele chegou à peneira do Botafogo aos 13 anos. A altura era um ponto positivo, mas havia problemas. Um pedido quase ao pé do ouvido, porém, comoveu Carlos Salomão, diretor da modalidade, que resolveu apostar na aprovação. Pouco depois, o jogador já começava a ganhar destaque. Atualmente, ele integra a seleção brasileira e também a equipe de 3x3.

O basquete representa uma parte de mim, cresci jogando basquete, focado, treinando. Enxergo como parte de mim. O basquete é ótimo para fazer amizades. Se não fosse pelo esporte...
Charlison

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Mudanças através do esporte

Charlison, do basquete do Botafogo, ao lado da mãe, Angelica
Charlison, do basquete do Botafogo, ao lado da mãe, Angelica Imagem: Arquivo pessoal

Angélica, mãe de Charlison, sempre esteve ligada à prática de esportes e foi uma das responsáveis por levar o filho para este caminho. "Ele se tornou mais comunicativo, consegue interagir mais, brincar. Ele sempre viveu, até hoje um pouco ainda, essa situação de viver um pouquinho no mundinho dele. No basquete, o Charlison é uma pessoa e, fora dele, é outra", disse.

Praticamente, entra no mundo dele, gosta de ficar sozinho. Fica mais no quarto dele. O momento em que interage e socializa mais é quando está jogando basquete. Parece outro.
Angélica

Ela ressalta que o atleta alvinegro não superou apenas as dificuldades inerentes ao espectro autista, como também as notórias dos jovens que crescem em comunidade.

"Muitas pessoas têm uma visão distorcida de pessoas com autismo. Ele superou todos os obstáculos, é um anjo que Deus enviou para mim. Hoje está conquistando o espaço dele, com esforço. Fora as dificuldades por ser nascido e criado dentro de uma comunidade, que muitos veem como favelado. Com o esporte, ele está tendo oportunidades", salienta.

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Trabalho em quadra e fora dela

A evolução relatada é fruto também de um trabalho feito paralelamente ao realizado dentro das quatro linhas. Luiza Salatino, psicóloga do Botafogo e neuropsicóloga, acompanha Charlison desde a chegada dele ao clube e reforça a importância da inclusão.

"Todo indivíduo que está no espectro autista precisa de suporte. A sociedade precisa entender que se excluirmos essas pessoas, vamos estar privando elas também de inserção em um melhor desenvolvimento, tanto intelectual quanto emocional, quanto físico."

Salatino explica como o convívio coletivo pode auxiliar em diversos aspectos. "No caso de indivíduos com transtorno do espectro autista, os esportes coletivos ajudam no desenvolvimento da interação social, que é justamente onde eles precisam mais trabalhar, precisam de apoio".

"É melhor porque, geralmente, os indivíduos com o transtorno do espectro têm dificuldade em iniciar e manter as conversas, dificuldade, às vezes, de olhar nos olhos, de manter o olhar, manter a atenção, concentração, e isso também melhora muito se a pessoa interage com outros, principalmente no esporte. O esporte também dá a disciplina. Então melhora como um todo", conclui.

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