O São Paulo voltou?

Clube acaba com fila de 9 anos sem conquistas com título do Paulistão, marco de dois renascimentos no passado

Thiago Fernandes Do UOL, em São Paulo Marcello Zambrana/AGIF

Um empate sem gols diante do Santos, em Mogi Mirim, sagrou o São Paulo campeão paulista de 2005. Ali, sob o comando de Emerson Leão, começava o caminho vitorioso da equipe para alguns dos títulos mais relevantes de sua história: Libertadores e Mundial, além do tricampeonato brasileiro seguinte.

Dezesseis anos depois, o São Paulo espera repetir o que começou naquele ano. Hoje, o clube encerrou um jejum de nove anos sem títulos —o último tinha sido a Copa Sul-Americana 2012— ao bater o Palmeiras na final do Paulistão, com uma vitória por 2 a 0 no Morumbi, gols de Luan e Luciano. Agora quer usar a conquista como um trampolim para retomada da autoestima e da fama de grande vencedor.

O espírito de busca por um título a qualquer custo ficou claro na estratégia adotada em 2021. Em uma decisão sem precedentes, o Paulistão se tornou prioridade em detrimento até da Libertadores, obsessão histórica dos são-paulinos —um caminho diferente do escolhido pelo Palmeiras, aliás. Hernán Crespo poupou titulares para dois jogos do principal torneio do continente. A intenção era ter força máxima para o mata-mata do Estadual.

Lesões no jogo de ida da final do Paulistão quase colocaram as escolhas em xeque —Daniel Alves e Martin Benítez, principais armas ofensivas, ficaram fora. O São Paulo, entretanto, perseverou. No Morumbi, mesmo sem público, conquistou o Paulistão pela primeira vez desde aquele 2005. Para a torcida, o título traz a esperança de que o Tricolor esteja voltando para casa.

Marcello Zambrana/AGIF
Van Campos/Estadão Conteúdo Van Campos/Estadão Conteúdo

O que disseram os campeões

Se lembrar ano passado no final do Brasileiro, quando a gente brigava pela Libertadores, contra o Palmeiras, a bola bateu em mim e entrou. Eu fiquei muito chateado e meus amigos me ajudaram. Hoje num chute a bola desvia e entra.

Luan, volante do São Paulo e autor do 1º gol na final

A gente tinha batido na trave em 2019, ano passado foi complicado... Começar a temporada com esse título nos dá muita força e confiança para seguir os nossos sonhos. Só a gente sabe o que passou"

Thiago Volpi, goleiro do São Paulo

Fui feliz de no primeiro campeonato já conseguir esse título. A história continua e vai ser vitoriosa com certeza. A torcida merece que o São Paulo seja ganhador de títulos.

Miranda, zagueiro do São Paulo

Marcello Zambrana/AGIF

Hernán Crespo: confiança e protagonismo

Com o título, Hernán Crespo entra para a história do clube, mesmo em tão curto tempo. O argentino foi fundamental para a conquista do Paulistão. Com apenas duas peças a mais nos titulares em relação ao elenco comandado por Fernando Diniz, seu antecessor, reestruturou o time e aplicou uma mentalidade de protagonismo nas partidas.

Miranda e Martín Benítez são os dois jogadores considerados titulares que chegaram ao São Paulo nesta temporada. Os demais já estavam lá: Tiago Volpi, Arboleda, Léo, Luan, Liziero, Daniel Alves, Reinaldo, Luciano e Pablo.

Mesmo com poucas mudanças no elenco, mudou radicalmente o formato do time. Do tradicional 4-4-2, a equipe passou a atuar no 3-5-2, um esquema tático que lembra os tempos áureos da década entre 2000 e 2010, com conquistas de Brasileirão e Libertadores.

Não só o esquema, mas uma palavra voltou ao vocabulário do são-paulino: o protagonismo. Crespo cobra que o time domine os jogos, com posse de bola e volume: o resultado disso é o bom aproveitamento no Estadual. Dono da melhor campanha desde a fase de grupos, o Tricolor paulista fez 16 partidas, com 11 vitórias, quatro empates e uma derrota apenas.

Vejas os gols de São Paulo 2 x 0 Palmeiras

Ídolos e consagrados vencem o primeiro paulista

Consagrados e vencedores, veteranos adicionaram título inédito aos seus currículos

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Dani Alves finalmente cumpre a "profecia"

Torcedor declaro do São Paulo, Daniel Alves, enfim, cumpriu a "profecia" que fez ao chegar, de levantar um troféu vestindo as cores do clube. Agora de volta à ala direita, o dono da camisa 10 adiciona o Paulistão à sua extensa galeria de troféus. Ele foi campeão 40 vezes na carreira e soma conquistas como Mundial de Clubes, Liga dos Campeões da UEFA e Campeonato Espanhol. Essa foi a primeira decisão Daniel, de 38 anos, com a camisa tricolor.

Marcello Zambrana/AGIF

Miranda volta em grande estilo

O zagueiro Miranda chegou e se tornou titular da equipe comandada por Crespo nesta temporada. Aos 36 anos, também assumiu a braçadeira de capitão, que era de Daniel Alves até 2020. Tricampeão brasileiro em 2006, 2007 e 2008, vence o seu primeiro Estadual pelo Tricolor, tirando o clube da fila e consolidando seu lugar na lista de maiores ídolos da história.

Wallace Teixeira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Hernanes vence mais um título quase sem entrar em campo

Mesmo na condição de figurante, já que só esteve em campo por 57 minutos, Hernanes levou o seu primeiro Paulistão. Ele já havia vencido duas edições de Brasileirão. A primeira foi em 2007 e a segunda em 2008. Nunca tinha, entretanto, levantado a taça do Estadual. Agora segue na luta por espaço na equipe concorrentes até 15 anos mais jovens

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

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Conquista com o DNA de Cotia

O reencontro entre o São Paulo e os títulos não passou apenas pelo trabalho de Crespo e veteranos consagrados. A recuperação do Tricolor teve participação preponderante de jovens formados em Cotia, mostrando que a fila não afetou a tradição de formar jogadores.

Já consolidados no time profissional, Luan, Liziero, Gabriel Sara e Igor Gomes tiveram participação frequente e fundamental na campanha, seja jogando pelo próprio Paulistão, seja pela Libertadores, dando descanso aos titulares antes do mata-mata no Estadual.

Crespo não parou no trabalho iniciado em 2019 e aprofundado por Fernando Diniz no ano passado, e foi além, lançando mais jovens ao elenco. São os casos do lateral esquerdo Wellington e dos meio-campistas Talles Costa e Rodrigo Nestor. Ao longo da temporada até aqui, todos tiveram boas oportunidades.

A formação de atletas tem importância fundamental e que extrapola as quatro linhas para o São Paulo. Com R$ 580 milhões em dívidas, o clube tem na venda de jogadores o principal caminho para sanar a crise financeira.

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

O legado de Fernando Diniz foi importante para a conquista?

Diniz tinha algumas ideias parecidas de construção de jogo e deixou o terreno preparado para Crespo dar continuidade, com reforços importantes. Mas o 3-5-2 do argentino se mostrou mais seguro, provavelmente pelo amadurecimento de ideias que começaram com Diniz.

Danilo Lavieri, Colunista do UOL Esporte

Crespo aproveitou parte do legado deixado por Diniz. A diretoria pensou em nomes que pudessem explorar essa herança quando procurou um substituto. Ou seja, a "ajuda" de Diniz foi deixar algo que pudesse ser bem usado por seu sucessor.

Ricardo Perrone, Colunista do UOL Esporte

Diniz tem sim, mérito na conquista. Foi ele que escalou Leo Pelé como zagueiro pela primeira vez. Também foi quem deu força para Gabriel Sara de firmar como titular do time mesmo diante de muitas críticas lá no começo.

Menon, Colunista do UOL Esporte

Derrotas dolorosas nos últimos anos

  • Brasileirão 2020 e a ruína do "dinizismo"

    O São Paulo nunca esteve tão perto de encerrar o jejum, que perdurava desde 2012, como no ano passado. Líder do Brasileirão até a 30ª rodada, o time engatou uma sequência de sete jogos sem vitória e viu todas as possibilidades de título ruírem na reta final. A equipe comandada por Fernando Diniz despencou na tabela e terminou a competição na quarta colocação.

    Imagem: REINALDO REGINATO/ESTADÃO CONTEÚDO
  • O Paulistão já com os meninos de Cotia em 2019

    A decisão do Paulista 2019 foi um balde de água fria para o São Paulo. Nas semifinais, eliminou o Palmeiras nos pênaltis em uma campanha marcada pela ascensão de garotos de Cotia como Igor Gomes, Luan e Liziero. Depois do empate por 0 a 0 na ida da final, no Morumbi, o time empatava por 1 a 1 com o Corinthians na volta. O resultado levaria para os pênaltis, mas Vagner Love marcou aos 44 do segundo tempo e garantiu o triunfo do rival.

    Imagem: Sebastião Moreira - Pool/Getty Images
  • Semifinal da Libertadores com "Patón" Bauza

    A boa campanha sob o comando de Edgardo Bauza na Libertadores motivou o torcedor são-paulino. A equipe eliminou o Atlético-MG de Diego Aguirre nas quartas de final e chegou mais forte à semifinal da competição para duelar contra o Atlético Nacional, da Colômbia. Foram duas derrotas, no Morumbi e no estádio Atanasio Girardot, que sacramentaram a queda.

    Imagem: Nelson Almeida/AFP Photo

Década de eliminações traumáticas

  • 2011

    Derrota para o Avaí nas quartas de final da Copa do Brasil

  • 2013

    Queda para a Ponte Preta nas semifinais da Copa Sul Americana

  • 2014

    Derrota para a Penapolense nas quartas de final do Paulistão e para o Bragantino na terceira fase da Copa do Brasil.

  • 2016

    Queda para o Audax nas quartas de final do Paulista, e para o Juventude nas oitavas de final da Copa do Brasil

  • 2017

    Derrota para o Defensa y Justicia (ARG) na primeira fase da Sul-Americana

  • 2018

    Queda diante do Colón (ARG) na segunda fase da Sul-Americana

  • 2019

    Derrota para o Talleres (ARG) na pré-Libertadores, antes da fase de grupos

  • 2020

    Queda para o Mirassol nas quartas de final do Paulistão. Na ocasião, o modesto time do interior montou o elenco a dois dias do confronto.

Ídolos não conseguiram tirar o São Paulo da fila

  • Muricy Ramalho

    Depois do tricampeonato brasileiro, Muricy voltou ao São Paulo em 2013. O então técnico até conseguiu um vice-campeonato brasileiro, mas não tirou o time da fila.

    Imagem: Divulgação/São Paulo FC
  • Rogério Ceni

    Depois de pendurar as chuteiras e as luvas, Ceni voltou ao São Paulo como técnico em 2017. A passagem não durou muito tempo. O técnico foi demitido após uma sequência negativa.

    Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress
  • Kaká

    Revelado pelo São Paulo, Kaká chegou ao Morumbi para a sua segunda passagem em 2014 por empréstimo. O craque começou bem, mas caiu de produção no segundo semestre e não levou o time às conquistas.

    Imagem: Ernesto Rodrigues/Folhapress
  • Hernanes

    Hernanes está em sua terceira passagem pelo São Paulo. O meio-campista esteve no clube pela segunda vez em 2017 e só ajudou a equipe a fugir da degola, passando longe de levantar alguma taça.

    Imagem: Reprodução/SpfcTV
  • Diego Lugano

    Lugano retornou ao São Paulo para a sua segunda passagem em 2016 e também não conseguiu render. Ele se tornou dirigente na sequência, mas também não se sagrou campeão no novo cargo.

    Imagem: Marcello Zambrana/AGIF
Fernando Alves/AGIF

Apesar de década difícil, fila ainda é menor que a dos rivais

O São Paulo não sabia o que era vencer um título desde dezembro de 2012, quando faturou a Sul-Americana sobre o Tigre, da Argentina. Foram nove anos de jejum. Este foi a segunda maior fila em sua história. Entre o Paulistão de 1957 e o Estadual de 1970, o time ficou 13 anos sem vencer.

Nenhum torcedor são-paulino negará que foi uma década difícil. Entre as decisões perdidas, eliminações traumáticas e ídolos falhando em reconduzir o clube ao caminho dos sucessos, há uma luz no fim do túnel: mesmo com todos os obstáculos, a fila do São Paulo foi significativamente menor do que as encaradas pelos seus rivais.

Corinthians teve 23 anos de fila: do Torneio Rio-São Paulo de 1954 até o Paulista de 1977. Já o Santos teve 20 anos de fila: do Paulista de 1935 até o Paulista de 1955. O Palmeiras, derrotado nesta decisão, teve 17 anos de fila: do Paulista de 1976 até o Paulista de 1993. Todas são maiores do que a maior fila da história do Tricolor, e do que a fila que se encerrou em 2021.

Reprodução
Toninho Guerreiro foi o grande destaque da conquista do Paulista de 1970 pelo São Paulo

O Paulista mais importante da história do São Paulo?

A conquista do Paulista de 2021 entra na história do São Paulo como ponto final de um dos períodos mais de sua história, e início de esperança para o torcedor de retomada do caminho das vitórias. O clube, afinal, encarou o torneio como uma Copa do Mundo, deixando em segundo plano a Libertadores. O Estadual, entretanto, tem um significado histórico importante no Morumbi.

Mas, décadas atrás, muito antes até de 2005, o Paulistão já havia sido um marco para renascimento do time em campo, em 1970. Lembremos que o São Paulo ficou 13 anos sem vencer um título. A conquista do Paulistão daquele foi a primeira no Morumbi, fundado em 1952.

Assim como aconteceu neste ano com a pandemia do novo coronavírus, o Paulista de 1970 também teve um calendário atípico, por causa da Copa do Mundo. O São Paulo bateu o favorito Santos de Pelé por 3 a 2 no segundo turno, mas o fim da fila veio com uma vitória por 2 a 1 sobre o Guarani na decisão, com gol de Toninho Guerreiro, que terminou como artilheiro, com 13 gols.

A conquista, que para muitos torcedores foi a mais importante da história são-paulina, agora ganha nesse panteão a concorrência do feito atingido por Hernán Crespo e seus comandados.

Flávio Latif/UOL

Torcida espera que título abra caminho para nova era

O título Paulista de 2021 pode representar um marco para o São Paulo. Não pelo que aconteceu dentro de campo - foi um campeonato atípico, sem torcida e com jogos encavalados pelo calendário na pandemia do coronavírus - mas pelo que pode significar para o futuro do clube.

A vitória sobre o Palmeiras tira um peso incômodo sobre os ombros são-paulinos, e é um sopro que pode afastar a nuvem negra que se instaurou sobre o Morumbi.

Com o troféu na mão, o clube agora tem outras prioridades: a maior e mais desafiadora é sanar a complicada situação financeira, com dívida de quase R$ 600 milhões e episódios recentes de atrasos em salários, direitos de imagem e cobranças judiciais. O Paulista e a primeira fase da Libertadores serviram de vitrine para os jovens de Cotia. Caberá ao São Paulo decidir quais serão negociados e quais ficam.

Apesar do alívio, a exigente torcida são-paulina não ficará satisfeita. Pela na frente na temporada, Libertadores e Brasileiro. Para os torcedores, a esperança é de que a conquista de 2021 seja, mais do que um marco passageiro, uma repetição de 1970 e de 2005: o início de mais uma era vitoriosa.

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