Senhor Arquibancada

Ex-outdoor ambulante, Bola Sete perde 150 kg e vê espaço sumir como animador tradicional do esporte brasileiro

Demétrio Vecchioli Colunista do UOL, em São Paulo Arquivo pessoal e Ricardo Borges/UOL

Bola Sete é do tipo que nunca precisou ser apresentado. Por décadas, a obesidade foi seu cartão de visita, seu passaporte para rodar o mundo com o personagem que levantava arquibancadas. Seus 250 quilos atraiam câmeras na mesma proporção em que a barriga interessava a marcas e políticos em busca de exposição.

A obesidade mórbida, porém, trazia uma série de problemas para Roberto Santana, o homem embaixo do personagem. Problemas triviais, como cruzar de pernas, aos mais sérios, como o risco de morrer com uma complicação causada pela doença. No entanto, Bola Sete só não imaginava que se cuidar o afastaria da profissão que exerceu por duas décadas e meia.

Sem trabalho, procurou um antigo contratante, que o havia levado para sete inesquecíveis temporadas agitando o verão de Portugal, e ouviuque o velho Bola Sete só interessa na forma redonda. "Ele falou que eu não era mais o cara que chama atenção, que eu não era mais um outdoor ambulante. Perdi vários eventos por deixar de ser obeso.".

Aos 58 anos, o animador profissional agora leva outra vida. Depois de décadas sem subir em uma bicicleta, Bola Sete sai de casa três vezes por semana às 6h20, em cima da magrela para ir à academia. Aos finais de semana, chega a pedalar 80 km.

Com cinco Copas e quatro Olimpíadas no currículo de animador, Bola Sete agora está de volta à profissão que consagrou o pai, a massoterapia, e sonha em juntar dinheiro para três novas cirurgias, necessárias para retirar pele sobressalente. Enquanto isso, celebra a vida como quem costumava festejar um gol da seleção.

Arquivo pessoal e Ricardo Borges/UOL
Reprodução/Instagram

Um símbolo do tetra

As grandes entidades esportivas hoje têm um exército de advogados para protegê-las do chamado marketing de emboscada, feito por marcas que tentam se associar ao evento sem patrociná-lo diretamente. Mas nem sempre foi assim. Na época em que o torcedor ainda podia entrar na quadra da Olimpíada e tocar pagode com os jogadores da seleção na Copa, um empresário teve a ideia que mudou a vida de Roberto Santana, então massoterapeuta da seleção brasileira de atletismo - responsável pelo conforto muscular de nomes como Robson Caetano.

Em um almoço, um promotor de eventos tentava vender a Cláudio Cavalcante a ideia de bancar um trio elétrico com telão transmitindo a Copa daquele ano de 1994, em troca de visibilidade para a marca de surfwear Atol das Rocas. Cláudio olhou para o lado, viu Santana, e teve a ideia: "Se é para apostar, vou mandar o Bola para a Copa do Mundo. Vou gastar muito menos e vou ter um retorno muito maior. A imagem dele vai arrebentar."

E foi assim que Bola Sete recebeu a oferta de ir à Copa dos EUA. Tudo de graça, com despesas pagas, tendo como trabalho aparecer diante da imprensa com a marca da Atol das Rocas na camiseta, o que não foi difícil. Primeiro, naturalmente, por seu tamanho. Segundo, porque Santana conhecia Romário com intimidade desde que o craque da seleção era moleque no Vasco.

"Eu fui sozinho e lá encontrei o Mauricinho, que tinha sido preparador físico do Baixinho, e estava com o grupo Amigos do Romário, todos com a camisa 11. Eu passei a viajar com eles. Eles eram em dez, e eu passei a ser o 11º amigo do Romário", lembra.

"A gente ia na concentração, fazia pagode, festa com os jogadores. A gente se tornou um elo entre jogadores e torcida. Foi uma coisa que deu resultado, que levou o Brasil a ser tetracampeão."

João Pires/Fotojump

A dupla com Dartagnan

Como previsto pelo empresário e amigo, Bola Sete saiu-se muito bem no papel de outdoor ambulante. Seu passe valorizou, e a Brahma passou a procurá-lo de forma insistente para uma transferência em plena Copa. Antes da semifinal, o retorno de marca para a Atol das Rocas já havia sido tão grande que o massoterapeuta ganhou da empresa a autorização para passar a vestir o número 1 da cervejaria, embolsando um dinheiro extra.

Foi também na Copa que Bola Sete conheceu o Dartagnan Jatobá, que já trabalhava como animador, famoso por sua corneta, e havia se destacado na torcida durante a campanha do ouro olímpico do vôlei, dois anos antes. Os dois se tornaram sócios e transformaram em negócio o que hoje se chama marketing de emboscada.

Mal voltou da Copa e a dupla fechou negócio com a Kaiser. Os eventos eram tantos, que Bola Sete largou o trabalho como massoterapeuta e passou a se dedicar à arte de transformar pessoas sentadas em uma arquibancada em torcedores barulhentos.

Ricardo Borges/UOL

A gente conseguia trazer o público para a gente. A partida de futebol ou de vôlei tem um ponto em que as pessoas cansam. A gente trazia esse público para a gente nas brincadeiras. Botava a roupa de feiticeira, se tornava engraçado, conquistava o público, e depois direcionava esse público para o jogo."

Roberto Santana, o Bola Sete

Fama começou nas novelas

Filho do lendário massagista Pai Santana, figura marcante na história do Vasco, Bola Sete ganhou esse apelido depois de gravar a primeira novela, Mico Preto, em 1990. Também massagista, Roberto Santana trabalhava no Olaria, onde Robert, aquele ex-Santos, sugeriu que o amigo se candidatasse a Rei Momo. Ele não ganhou, mas mostrou carisma em entrevistas televisivas e recebeu um convite para um teste na Globo com o diretor Dennis Carvalho. Passou e foi convidado para viver o personagem chamado de... Bola Sete.

Ele ainda gravaria outra novela, Perigosas Peruas, em 1992, antes de passar a se dedicar exclusivamente à carreira de animador de torcida. Isso coincidiu com o boom dos eventos da Koch Tavares no Brasil, que promovia o vôlei de praia e lotava arenas com o beach soccer. "Toda semana eu estava em um lugar diferente. Era vôlei, futebol, vôlei de praia... Em 1998 eu comecei a ir para Portugal de junho a setembro. Fazia todos os eventos de verão, até festival de rock", lembra.

Em Atlanta, Bola Sete foi protagonista da final brasileira do vôlei de praia e promoveu a Drogasmil, "o patrocinador não oficial da Olimpíada". "Ainda não era marketing de emboscada. A gente tinha verba para comprar ingresso, ia na bilheteria e comprava a entrada. O (Fernando) Meligeni vibrava quando eu chegava no jogo dele. A gente chegava, era festa."

À medida que o marketing de emboscada foi virando um problema, a profissão de Bola Sete foi mudando. Na Copa de 2002 ele já era contratado de um patrocinador do evento para animar a torcida formada por vencedores de um sorteio. Depois, em 2010, pela primeira vez não foi chamado para trabalhar. "Fiquei chateado, mas fiz animação aqui em uma Fan Fest", conta. No Mundial realizada no Brasil, agitou os convidados de uma cervejaria em todos os jogos da seleção, até o 7 a 1.

Ricardo Borges/UOL Ricardo Borges/UOL

150 kg a menos

Mas a grande transformação na vida de Bola Sete veio com a cirurgia bariátrica, que reduz o tamanho do estômago. Pesando 250 quilos, o animador bateu em diversas portas até encontrar um médico que topasse fazer a operação, que não costuma ser recomendada para alguém tão grande — antes, é necessário perder peso com atividade física e dieta.

"Eu não era o obeso mórbido, ainda que eu tivesse obesidade mórbida. Nessa época eu trabalhava com o fut7 do Vasco e já estava ficando cansado, sabe? Um dos meus coordenadores perguntou por que eu não fazia uma bariátrica, e fui procurar um médico. Foi uma decisão que eu tomei pela saúde. Obesidade é uma bomba, eu podia morrer de uma hora para outra."

Desde a cirurgia, em 2015, Bola Sete vive uma nova vida. Três meses depois da operação, começou a fazer hidroginástica, que ainda faz parte da sua rotina semanal. Com 150 quilos a menos, passou a comemorar pequenas vitórias. "Eu entrava no ônibus e não passava na catraca. Quando eu passei na roleta a primeira vez eu vibrei. A primeira vez que eu consegui cruzar as pernas, também. Eu não cruzava a perna."

Ele também pôde comprovar a velha máxima de que, uma vez que se aprende a andar de bicicleta, não se esquece mais. Depois de décadas, ele chamou o irmão para acompanhá-lo em um passeio às 5h da manhã pelo condomínio, para que, se caísse, ninguém visse. Não só não caiu como pegou gosto e agora está planejando descer pedalando até Búzios.

Ricardo Borges/UOL

Hoje, o Bola Sete saudável

As oportunidades de trabalho para um animador de torcida naturalmente minguaram durante a pandemia. Mas o mercado para Bola Sete começou a se fechar bem antes da covid, exatamente quando ele decidiu cuidar da saúde. Ele ainda é o mesmo, um animador natural, um garoto propaganda nato (que fez inúmeros agradecimentos a amigos e marcas durante a entrevista), mas já não é mais o "gordão".

E, para o mercado, isso parece ter tirado o seu apelo. Até 2019, Santana ainda trabalhou como animador dos jogos do Sesc-RJ, que tinha times de vôlei no masculino e no feminino, mas precisou voltar à massoterapia para sobreviver. "Hoje a vida é mais dura. Eu voltei para minha área, para a massoterapeuta, e estou tendo que ralar muito mais. Não está fácil". admite.

Atendendo em um estúdio que montou em casa, em Jacarepaguá, mas também a domicílio, Bola Sete tenta juntar dinheiro para fazer outras três cirurgias necessárias para eliminar a pele excedente, depois de perder 150 quilos. Com essas operações, a expectativa é que ele perca mais 15 kg e, enfim, conquiste o aspecto mais magro.

Assim, a figura que agitou tantas arquibancadas em nome do esporte brasileiro vai ficando para a história - e para a memória de quem vibrou ao lado de Bola Sete.

Ricardo Borges/UOL

Eu deixei de fazer vários eventos, até antes da pandemia, porque eu deixei de ser obeso. Deixei de ser outdoor ambulante. Eu era um cara engraçado, gigantesco, chamava atenção. É outro mundo que eu vivo agora. Eu fui deixado por várias pessoas. Queriam o Bola Sete grandão, não o Bola Sete saudável".

Roberto Santana, o Bola Sete

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