Palhaço também chora

Magno Navarro fala de depressão, autoestima e abre o jogo sobre saída da Globo

Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo Renato Pizzutto/Band

Por quase dois anos, Magno Navarro quebrou a cabeça para se reinventar diariamente em um programa de TV com duas horas de duração. Fazer humor todos os dias é difícil, e ele conta que produziu roteiros que nunca imaginou que conseguiria entregar. Eram quadros engraçados com imitações e boas sacadas.

Tudo estava indo bem. Mas em determinado período, Magno só queria ir para o seu apartamento no Rio de Janeiro e fechar a porta do humor. A última coisa que o comediante queria era sorrir. Ele esperava o próximo dia chegar, angustiado para, então, tentar produzir algo novo.

Esses eram os velhos e conhecidos sintomas da depressão que ele trata há 13 anos e que lhe provoca crises em períodos diferentes de sua vida. Mesmo nos melhores momentos da carreira, o comediante se sentiu incapaz e lidava com a autossabotagem.

Magno sempre se considerou um palhaço, alguém cujo principal talento é fazer os outros rirem. É a principal ferramenta dele para se aproximar das pessoas. Agora, ele tenta aprender o que fazer quando o riso se desfaz dentro de seu próprio rosto.

Renato Pizzutto/Band

Não é porque eu sou humorista que eu não posso pegar uma apendicite. Não é porque eu sou humorista que eu não posso desenvolver um câncer de pele, uma depressão. É exatamente a mesma coisa. A depressão é uma doença inerente a qualquer classe social, qualquer estilo de vida, qualquer tipo de pessoa

Magno Navarro

Depressão e luta diária

Em 2010, a casa onde Magno vivia, em São Gonçalo, foi inundada após uma forte tempestade no meio da madrugada. O estrago foi tão grande que a cachorra da família foi encontrada sobre o capô do carro encoberto. No meio de toda a tragédia, ele decidiu gravar um vídeo para tentar animar mãe e irmã. Aquilo tudo foi um gatilho para a depressão.

No dia seguinte, Magno se deparou com o caos no trânsito carioca, chegou atrasado no trabalho — uma loja de sapatos — e foi demitido pelo novo gerente. Ele voltou para casa e não saiu mais de lá. Foram inúmeras madrugadas jogando videogame e sem vontade de fazer qualquer outra coisa.

"Os meses foram passando, meus pais estavam me cobrando para buscar um emprego, me movimentar. Eu me questionava o que iria fazer. Não tinha vontade de fazer nada. Foi quando eu comecei a ler sobre o que era a depressão. Fui em um psiquiatra, tive o diagnóstico e ele me passou um monte de remédios. Era bem caro", contou Magno.

O humorista iniciou o tratamento, mas fez uma pausa depois de um mês. Por preconceito em relação à doença, os pais de Magno não queriam pagar pelos remédios. Ele conseguiu voltar a trabalhar, voltou à terapia, mas sempre esbarrava na questão financeira.

"Às vezes, quando eu podia ou quando eu tinha algumas crises, eu buscava ajuda novamente. Fiquei assim durante anos e diria até que eu estou hoje nessas idas e vindas, tentativas de acertar o remédio, acertar a parte psicológica e até a parte física, porque, enfim, acaba afetando tudo", explicou Magno.

Avocado Midia

O cara engraçado da escola é muito mais

O humor sempre foi uma ferramenta social de Magno. Ele não se sentia encaixado nos padrões de beleza impostos pela sociedade e via certa rejeição de colegas da escola, principalmente das meninas. Então, o comunicador encontrou uma forma de se aproximar das pessoas.

"A cartada que eu jogava na mesa e que virava tudo aquilo era o humor. Era o que fazia com que as pessoas se interessassem por mim, quisessem estar perto de mim. Eu acabava virando o cara mais popular da sala, que sempre participava de tudo. Eu comecei a ser visto como alguém legal, que mesmo no Ensino Fundamental já tinha amigos no Ensino Médio. Virei popular", comentou Magno.

Acontece que Magno não se resumia ao humor. Ele era e é muito mais do que isso e também vivia momentos difíceis ou preferia ficar mais quieto. Apesar disso, os amigos passaram a cobrar por piadas nos dias em que ele simplesmente não estava com vontade de protagonizar cenas engraçadas.

"Em algumas ocasiões, eu chegava num dia mais triste ou só não queria falar com ninguém ou, sei lá, estava com algum problema de saúde. E as pessoas ficavam em cima: 'Pô, está tudo bem com você? O que aconteceu?'. E muitas vezes, nem tinha acontecido nada, sabe? Só estava cansado ou sem vontade de fazer alguma coisa", relembrou.

Fazer dinheiro x fazer o que gosta

Quando terminou a escola, Magno ficou perdido sobre o caminho que trilharia como um profissional. Apesar de ser apaixonado pela arte, ele sempre ouviu na família que o interessante era priorizar uma carreira que o fizesse ganhar dinheiro rápido. Por isso, o carioca tentou engenharia, economia. Nada que o trouxesse prazer.

"Eu já estava com 21 anos e não tinha vislumbrado nada que eu pudesse fazer. Não passei no vestibular de economia, pensei em pedagogia até que me reencontrei com uma amiga da escola. A família dela havia inaugurado um teatro, eu fui assistir à primeira peça e aquilo me deixou fascinado. Foi um estalo para eu correr atrás do que eu realmente queria para mim", descreveu Magno.

Na época, o humorista estava trabalhando em uma corretora de valores. Ele pediu demissão imediatamente, começou a faculdade de jornalismo paralelamente a um curso de teatro e se apresentou pela primeira vez no fim daquele ano. Ele estava feliz, mas a família não.

Fui caindo em várias peças de baixíssimo orçamento, consequentemente de baixíssima qualidade, mas aquilo tudo me encantava muito. Só que eu recebia muitos desestímulos, inclusive dentro de casa. Os meus pais acabavam não acreditando nesta profissão"

Magno Navarro

Sucesso na arte

O primeiro espetáculo profissional de Magno foi no Jardim Catarina, um bairro humilde de São Gonçalo. Os pais dele foram prestigiar, mas ficaram decepcionados. Sem querer, o humorista se deparou com um desabafo da mãe. Ela falava que se entristeceu ao ver o filho naquela situação.

"Minha mãe ouvia naqueles jantares de família sobre o sucesso profissional dos sobrinhos e se desesperava ao pensar em mim. Eu entendo muito a parte da minha mãe, e hoje ela é uma baita incentivadora. Mas naquela época ela ficou quase que horrorizada, sendo que aquele dia foi extremamente especial e mágico. Por mais que eu tenha recebido R$ 33 depois da apresentação, para mim foi como ganhar um milhão", contou o comunicador.

A chave da família virou em 2015, quando Magno já fazia alguns shows de stand-up com um público considerável e participou do programa "Tudo pela audiência", do Multishow, uma atração que assistia com os pais.

"Eles começaram a entender o quanto aquilo me potencializava, o quanto que eu estava feliz", comentou.

Divulgação Divulgação

Como o esporte entrou na vida de Magno

O esporte entrou na vida de Magno em 2018. Ele sempre foi fã de rádio e, certo dia, acompanhou um programa na Transamérica RJ que abordava futebol de um jeito mais leve e bem-humorado. O comunicador, então, foi atrás do apresentador, pediu um espaço e fez algumas participações sem receber nada em troca.

"Toda a sexta-feira eu passei a ir para lá. E o negócio começou a tomar corpo. Eu comecei a abastecer minhas redes sociais com esse trabalho e isso ajudava a despertar o interesse do público nos meus shows de stand-up. Fez muito sucesso", contou Magno.

Após um ano e meio, Magno estava feliz por poder divulgar seu trabalho, mas estava ficando complicado ir de São Gonçalo ao Rio sem receber nada. Ele passou a conversar sobre uma possível remuneração e recebeu promessas para tal, mas nada aconteceu. Pelo contrário. A emissora mudou de direção e os novos comandantes não curtiram a ideia de mesclar esporte com humor, por isso decidiram cortá-lo.

O humorista perdeu sua função na rádio, mas ainda tinha os shows que estavam crescendo. Ao mesmo tempo, Magno fez um trabalho na colônia de férias do Fluminense e o produtor deste evento pediu um vídeo do carioca imitando Renato Gaúcho. A gravação fez sucesso nas redes sociais e o aproximou da Klefer, uma empresa de marketing esportivo que decidiu agenciá-lo no início de 2020.

Avocado Midia

Ele ouvia que deveria ir para a Globo...

Pouco depois do contrato assinado com a Klefer, o mundo parou por causa da pandemia de covid-19. Magno sofreu um baque, mas entendeu que não poderia parar de produzir conteúdo e, inclusive, se sentia responsável por levar um alívio à casa dos brasileiros naquele momento complicado.

"Recebi inúmeros relatos de pessoas que estavam internadas e diziam que meus vídeos estavam ajudando. Eram imitações de personagens do futebol e até paródias sobre o BBB 20", relembrou Magno.

O grupo Globo percebeu esse movimento, precisava preencher a programação e propôs um contrato de três meses a Magno. O humorista, que ouvia desde criança que tinha de um dia estar na maior emissora do país, topou de olhos fechados e passou a trabalhar perto de um de seus ídolos que, no futuro, tornou-sem também conselheiro: Marcelo Adnet.

"Esse período repercutiu super bem. Foi muito importante, porque eu estava associando a minha marca à Globo. E aí eles quiseram me contratar, a princípio não acreditei. Aí depois eu descobri que era para ser apresentador do 'Tá na área'. Foi outro grande desafio que eu tive, jamais esperava. Em momento nenhum passou pela cabeça de que eu assumiria um programa que já existe na grade deles", disse.

Foi um período de muitas realizações, muito aprendizado, mas acabou também sendo uma temporada de muita pressão, algumas dificuldades internas tanto comigo quanto com a empresa"

Magno Navarro

'Não tem como fazer humor todos os dias'

Um dos principais fatores que tiraram Magno do eixo durante sua passagem pela Globo foi a responsabilidade em liderar um programa diário e, ao mesmo tempo, se reinventar para fazer um humor diferenciado. Ele conta que se desenvolveu, aprendeu a ter jogo de cintura, mas chegou ao limite.

"Em um curso de roteiro de comédia que fiz, o professor falou que era impossível fazer sozinho um programa de humor diário. Depois de uns oito meses, eu comecei a notar isso. Eu estava escrevendo textos engraçados em que eu atuava todos os dias. Eu passei a entregar tudo o que eu podia, até coisas que eu nem sabia que poderia", explicou Magno.

"Claro que foi gratificante durante um período. Estava feliz com minhas ideias sendo compradas. Eu era bem visto. Só que após um tempo, principalmente em 2022, quando decidiram aumentar a duração do programa, aquilo desgastou todo mundo. Comigo não foi diferente", desabafou.

Essa e outras mudanças que deixaram a equipe do "Tá na Área" preocupada foram gatilhos para a saúde mental de Magno. Ele se sentia repetitivo, inseguro e com pouco tempo e espaço para se renovar. Após a Copa do Mundo, no ano passado, Magno foi tirado da apresentação do programa e passou a fazer participações e pequenos quadros com menos recursos.

Essa foi a gota d'água para o humorista, que chegou a se aconselhar com Marcelo Adnet sobre o sentimento em relação às mudanças. O ídolo entendeu o pupilo, a decisão pela demissão veio e um dos únicos pesares de Magno foi ter que deixar de trabalhar com Adnet.

Fabio Rocha/Globo Fabio Rocha/Globo

Fim de ciclo

Sou muito grato pelo que as pessoas fizeram por mim na Globo, eu também sei que fiz muito pela emissora, me sacrificando bastante, sempre tentando tirar forças de onde não tinha. Claro que veio uma frustração, até com o sentimento de falta de reconhecimento"

Magno Navarro

Eu me vi dia após dia sem motivação para escrever, achando tudo que eu estava fazendo uma merda. Não via mais repercussão do público e quando eu me assistia, cara, eu estava totalmente sem brilho. A Globo também sabia do que estava acontecendo"

Magno Navarro

Virou um baita de um fardo acordar, pensar ideias e trocar com as outras pessoas que estavam empolgadas. Eu me vi numa vibe totalmente diferente de todos, estava infeliz e resolvi pedir demissão. Foi algo muito tranquilo e respeitoso, algo natural"

Magno Navarro

Magno ainda quer ser Willy Wonka

Assim que deixou a Globo, Magno conta que passou a produzir seus conteúdos com mais leveza. Parece que tirou um caminhão das costas. Em seguida, começou a lidar com novas propostas, fechou parceria com o Prime Video e, agora, está na Band.

Na nova emissora, ele é responsável pelo quadro de esporte da nova atração diária, o "Melhores da Noite", com Glenda Kozlowski e Zeca Camargo. Além disso, ele está no "Apito Final" com o Neto, aos domingos.

"Fiquei muito feliz com esse convite. O Neto, de fato, foi quem entrou em contato comigo e eu gosto muito dele", comentou.

Outro desejo de Magno é voltar aos palcos, em peças de teatro. E quando voltar, já tem uma personagem dos sonhos: Willy Wonka, de "A Fantástica Fábrica de Chocolates".

"É uma personagem muito legal. Inclusive, eu cheguei perto uma vez que escrevi um roteiro para o 'Tá na Área', quando o Flamengo era comandado por Renato Gaúcho e estava emplacando uma série de goleadas. Imitei o Renato como o Wonka, na liderança da Fantástica 'Flábica' de Chocolate", encerrou Magno aos risos.

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