Primavera de Sergio Mauricio

Narrador explica reencontro com a felicidade profissional após deixar a Globo e aceitar convite da Band

Allan Simon, Arthur Macedo e Beatriz Cesarini Do UOL, em São Paulo Arthur Macedo/UOL

Deitado no sofá de sua casa, Sergio Mauricio assistia a uma série que o contagiou pela história de um dos protagonistas. Ele se via naquele homem que carregava um sentimento ambíguo: tinha conquistado várias coisas boas na vida, mas não estava completo. No decorrer da trama, a tal personagem resolveu registrar na pele aquela angústia e, inclusive, intrigou o tatuador: era uma árvore meio seca, meio florida.

Sergio se sentou e arregalou os olhos quando viu aquela cena, porque descobriu uma forma de definir o que estava sentindo após 30 anos de trabalho no Grupo Globo, incontáveis viagens e uma infinidade de esportes transmitidos. O narrador se sentia realizado e satisfeito, mas ao mesmo tempo vazio e seco. A imagem foi tão impactante que ele até se esqueceu o nome da série, só se lembra do homem e do desenho.

Não deu outra. Sergio decidiu fazer a mesma tatuagem que a personagem: a árvore com uma parte cheia de folhas verdes e alegres e a outra só com os galhos secos e escuros. E foi durante mais um episódio dessa mesma série que o comunicador recebeu um telefonema que "adubou" sua vida e salvou a parte que estava vazia.

Agora, ele se sente totalmente florido, porque escolheu aceitar uma proposta da Bandeirantes e dar adeus à casa onde ficou por mais de três décadas. Em longa conversa com o UOL, Sergio detalhou todo esse processo sobre entender o momento de deixar a Globo e partir para um novo lugar, onde acabou se reencontrando.

Arthur Macedo/UOL
Arquivo Pessoal

"A melhor coisa que fiz na vida"

Sergio sentia que seu tempo na Globo estava acabando por ter cada vez menos tempo na tela: não era escalado para transmissões de destaque e não fazia mais nem os VTs da Fórmula 1. Ele sentia que sobreviveria somente até as Olimpíadas de Tóquio, graças à versatilidade. Acontece que os Jogos foram adiados e, nesse meio tempo, a emissora não renovou o contrato com a Fórmula 1 e a Band arrematou.

"Foi um baque. Ali foi um momento em que eu senti muito o peso. Aí eu passo para aquela história do telefonema. Eu estava sentindo um processo que hoje está acontecendo na Globo, digamos assim, muito mais demonstrado, que era uma limpa no quadro de funcionários. E com o número de anos que eu já tinha, com a minha trajetória lá dentro, com o meu espaço que estava cada vez mais tolhido, eu achei que ia ser mandado embora depois das Olimpíadas", relembrou Sergio.

Trabalhando sem aquele brilho de antes, Sergio foi para casa após transmitir uma partida irrelevante da Superliga de vôlei no início de 2021. Ele ligou a televisão para assistir a uma série e seu celular tocou. Era um número desconhecido, de São Paulo, e o narrador ignorou duas vezes até que decidiu atender na terceira chamada.

"Era o Denis Gavazzi — diretor de esportes da Rede Bandeirantes. E nós nem falamos de dinheiro. Ele só me fez a proposta, explicou sobre o projeto da Fórmula 1 e outros esportes, disse que me queria como narrador e que meu nome era o principal. Aquele convite foi como se fosse uma redenção para mim", lembrou.

"Morava no Rio, a 15 minutos do prédio da Globosat, ia de moto e tenho minha família lá. Mas eu troquei tudo. Não perguntei quanto iria receber, quais as condições, se eu ia ter que morar em São Paulo ou não. Troquei tudo para vir pelo projeto, porque a Fórmula 1 é a minha paixão. Pedi demissão e foi a melhor coisa que fiz na minha vida", contou.

Na Globo você é uma peça. Na Band, você é a peça. Não é uma peça qualquer. Você é a peça que precisa. Você é a peça que tem de ser valorizada"

Sergio Mauricio, narrador da Band

Não que a Globo não valorize os seus profissionais, longe disso. Mas lá você faz parte de uma engrenagem. Aqui na Band, você é a engrenagem"

Sergio Mauricio, narrador da Band

Ele está em casa

São três anos de Band, mas Sergio sente que está na emissora há mais de 20. A percepção, segundo o narrador, é graças ao enorme prazer que tem em levantar todos os dias para trabalhar e à valorização profissional que vive na empresa.

"Eu me senti apoiado, desejado, comecei a ter um respeito profissional que talvez nunca tenha tido na minha vida. Isso foi muito importante, porque você não trabalha só para ganhar dinheiro. Óbvio que a gente trabalha para poder ter as coisas, viver, viajar, enfim, curtir a vida. Mas o mais importante, em qualquer emprego, é uma coisa chamada salário emocional. E isso não tem preço", destacou.

"É sobre terminar uma transmissão e o teu chefe ligar para você: 'Pô, cara, foi bom pra caramba. Eu acho que você pode não falar aquilo ali, mas olha, no geral foi muito bom'. E era uma coisa que eu pouquíssimas vezes tive quando eu trabalhei na Globo. Na Band existe uma cumplicidade quando você vai fazer uma transmissão", acrescentou.

Arthur Macedo/UOL Arthur Macedo/UOL

Gratidão à Globo

A insatisfação com os últimos anos no grupo Globo não apagou, porém, os bons tempos que Sergio Mauricio viveu na empresa. O narrador faz questão de exaltar o que conquistou graças às décadas de trabalho desde o Sportv até o canal aberto.

"A TV Globo me fez visitar 14 países. Eu fiz seis Olimpíadas, cinco Copas do Mundo, uma dezena de eventos espetaculares pelo Brasil e pelo mundo inteiro. Eu conheço o Brasil de ponta a ponta pela força do meu trabalho. Como eu disse, 14 países, e em alguns deles eu fui mais de uma vez. Lá, eu tive todas as oportunidades do mundo, mas as coisas são cíclicas, o mundo é cíclico. E os ciclos vão se passando, ciclos vão se fechando e vão se abrindo outros. Eu acho que é por aí", comentou.

Divulgação/SporTV

"Galvão é perfeito"

Os tempos de Globo proporcionaram a Sergio Mauricio um convívio com aquele que ele considera "o cara mais completo que já apareceu em termos de narrador, apresentador, locutor esportivo em televisão": Galvão Bueno.

"Eu nunca vi ninguém tão bom em cena como o Galvão. Ele é absolutamente perfeito. Você não tem nenhum reparo a fazer. Ele é um cara que tem um improviso absurdo", afirma o narrador da Band.

No dia da entrevista, tinha acabado de sair a notícia de que Galvão acertou um contrato para transmitir a Stock Car, competição de automobilismo que a Band também exibe na TV. Questionado se ficaria incomodado com a concorrência dele caso um dia outras competições como a Fórmula 1 também sejam exibidas pelo canal de Galvão Bueno no YouTube, Sergio Mauricio negou e até incentivou o colega.

"Nenhum incômodo, boa sorte para ele, tomara que ele consiga fazer esse projeto que está tentando. Se fechou com a Stock, eu acho que só vai ser bom para a categoria, só vai ser bom para o telespectador", disse o narrador da Band, que exaltou a possibilidade de concorrência.

Eu acho que isso (concorrência) é muito bom, porque se a gente imaginar que há 20 anos não existia o campo de trabalho que existe hoje, quem 20 anos atrás tivesse sido demitido estava no limbo. Porque ia fazer o quê? Não tinha como você abrir um canal, não tinha como você ter uma rádio. Hoje você tem web rádio, canal de YouTube. Então eu acho que quanto mais concorrência, melhor"

Sergio Mauricio, narrador da Band

Leandro Reale/Band

Amor pela Fórmula 1 é da infância

O caminho até se tornar o principal nome da Fórmula 1 no Brasil, tendo convivido com Galvão e tantos outros nomes, começou ainda na infância com a paixão pelos carros e também pela narração. Um amor que surgiu "no colo de seu pai", como Sergio Mauricio mesmo define ao lembrar que ouvia os jogos de futebol assim.

Ele conta que jogava muito futebol de botão com a turma da rua, mas não era bom e nunca conseguia chegar nas finais. Então, ele narrava aqueles jogos. "O pessoal adorava isso. Adoravam que eu fizesse aquela narração", disse.

Aos 10 anos, ele foi proibido de ver as corridas de F1 por causa de um trágico acidente que marcou a categoria: a morte de Roger Williamson, piloto inglês que foi vítima de um incêndio no carro após uma batida. "Meu pai me proibiu de ver corrida, ele achava que aquilo ali não era esporte", contou.

Esse fato, no entanto, não impediu que o menino de 10 anos continuasse com seu amor pelas pistas e carros. Afinal, como ele mesmo define, "tudo o que é proibido é mais gostoso". Foi na casa do tio que Sergio Mauricio passou a ver as corridas escondido.

Meu pai viu que eu tinha sido picado por aquele bichinho do automobilismo. E eu nunca mais deixei de ver corridas. Sou um amante do futebol. Aliás, sou um locutor esportivo. Amo futebol, amo todos os esportes. Mas o automobilismo tem um pedaço bem grande dentro do meu querer"

Sergio Mauricio, narrador da Band

Vocação como comunicador

Torcedor apaixonado do Botafogo, aos 16 anos Sergio Mauricio participava da plateia de um programa da Band do RJ, o "Conversa de Arquibancada". Um dia, na ausência de um participante, ele foi para a mesa de debates. Aquela chance de aparecer na mídia foi fundamental. Rendeu o convite para entrar na Rádio Roquette Pinto, onde começou trabalhando em troca de sanduíches e pizzas como pagamento.

Depois, virou narrador em outro caso daqueles que o destino explica: cobrir a falta de um locutor. Mas, apesar de ser uma paixão, aquilo não estava rendendo dinheiro. No começo dos anos 1980, Sergio Mauricio prestou um concurso público, passou e foi trabalhar no Museu Histórico Nacional. Tudo sem abandonar o rádio. Esse cargo público o levou mais tarde à TVE, a TV Educativa do Rio de Janeiro, onde ele "fez de tudo".

Foi a preparação para voos mais altos. Sua experiência também em narrações esportivas na TVE rendeu o convite para um teste em um canal de TV por assinatura que estava sendo criado no Rio: era o Top Sport, da Globosat. O atual Sportv. Ele foi aprovado e se viu obrigado a deixar o outro emprego que tinha na Rádio Tamoio.

Sergio Mauricio conta que foi o 12º funcionário do canal, contemporâneo de nomes como Luiz Carlos Júnior e Lincoln Gomide. O narrador viu o Top Sport/Sportv nascer e crescer, superando a estrutura bem menor em comparação com a da TV Globo, e virar uma emissora de peso na TV paga. Tanto que proporcionou quase duas décadas depois ao locutor a chance de fazer também em transmissões na maior emissora do país em TV aberta.

Kelly Fuzaro/Band Kelly Fuzaro/Band

O erro que abalou Sergio

A experiência de décadas como narrador não impede que deslizes aconteçam. Gafes são inevitáveis, palavras ditas carregam consigo intenções indesejadas. Mas um erro específico abalou Sergio Mauricio. Uma frase que o colocou contra mais de 40 milhões de brasileiros.

O narrador teve um momento de torcedor durante a transmissão de treino livre para o GP da Espanha de 2022. Enquanto os carros não corriam nas curvas de Barcelona, as imagens exibiram botafoguenses com uma bandeira do clube. A visão capturou a atenção do narrador, que trocou palavras com seu editor executivo, Fred Sabino.

A conversa, encarada como informal por Sergio Mauricio, estava sendo transmitida ao público através do YouTube do Bandsports — ideia do próprio narrador para levar às pessoas bastidores da transmissão. No entanto, as falas do editor não podiam ser escutadas. Sabino, flamenguista fanático, brincou: "Botafoguense é que tem dinheiro para viajar". A resposta de Sergio Mauricio você provavelmente já leu ou escutou antes:

"Flamenguista é tudo duro e favelado".

"Era uma brincadeira particular com ele. E você vê como são as coisas, você vê até onde chega a maldade das pessoas. Isso aconteceu num sábado. Passou o sábado, domingo, na segunda-feira de tarde eu recebo um telefonema do meu chefe falando:

-- Você tá maluco? Você tá louco?
-- O que eu fiz?
-- Você não viu que a internet está quebrando por tua causa?
-- Mas o que eu fiz?
-- Pô, você foi falar que flamenguista é favelado".

A situação o entristeceu. Sergio Mauricio sequer se lembrava de ter dito tal frase. Mas essas palavras esquecidas não eram quaisquer palavras. O narrador fez questão de se pronunciar, dizer que se tratava de uma brincadeira interna. Mas, um ano depois, o dia em que chamou flamenguistas de "duros e favelados" ainda ressoa. "Eu passei a ter um outro comportamento em relação a essas brincadeiras".

Eu nunca quis falar isso, não foi uma coisa preconceituosa, até porque é uma brincadeira que qualquer pessoa que gosta de futebol sabe disso. Fala que os corintianos são pé de rato, que os flamenguistas são favelados, isso não é uma coisa pejorativa. Isso é uma brincadeira. Só que o tribunal da internet hoje não deixa você mais brincar com nada. Então os valores que você tem? Você tem que mensurar, digamos assim, os valores e as coisas todas que você vai falar numa transmissão"

Sergio Mauricio, narrador da Band

Mundo de influenciadores é "babaquice"

O "tribunal da internet" não é o único aspecto da mídia moderna que o incomoda. Sergio Mauricio rejeita o papel de influenciador digital — ele se define como um "desinfluenciador". Mais do que isso, o narrador considera o novo segmento de trabalho uma "babaquice".

"Você pode emitir a sua opinião, dizer o que você acha ou você gosta. Agora, não que alguém vá se influenciar por aquilo, talvez uma mente fraca se influencie. (...) Influenciar como palavras, como doutrina, como modus vivendi, ou como 'Ah, olha como eu malho, como eu tomo o suco que eu bato'. Eu acho isso uma babaquice".

Não é que Sergio Mauricio seja avesso à internet. Ele usa redes sociais para divulgar conteúdo de patrocinadores — nas próprias palavras, é um "sênior-propaganda". Ter um canal no YouTube, como o ex-colega Galvão Bueno, é uma possibilidade caso as portas da TV se fechem para seu trabalho um dia. Mas monetizar sua vida virtual não é uma prioridade. O desejo é manter-se na mídia que o influencia desde seus primeiros passos na carreira.

Rafael Cusato/Band Rafael Cusato/Band

Enfim, as flores

Dos dias de repórter em que não recebia salário até se tornar a voz da Fórmula 1 no Brasil, Sergio Mauricio foi movido pelo amor. Seja pelo rádio, pela TV, pelos esportes ou especificamente pelo automobilismo. Mas o sentimento não bastava para deixar sua vida profissional "florida". Depois de décadas de trabalho, a sensação foi alcançada. Aconteceu quando o narrador duvidava do próprio futuro.

"Eu já achei que estava em uma curva de declínio. Não por mim, mas pela situação que estava se formando ao meu redor e no meu ambiente de trabalho. E de repente a minha curva ascendeu de novo. Eu chego aqui na Band, e desde o cara da portaria até o Johnny Saad, todos gostam de mim. Ou se não gostam, fingem", brinca.

Depois de trabalhar por 29 anos na mesma empresa, Sergio Mauricio tem vontade de dizer que está há duas décadas em outra emissora. Por mais positivo que tenha sido o ciclo anterior, o narrador sente que o Grupo Globo tem um estilo próprio e rígido. A Band, pelo contrário, está no seu DNA.

DNA esse de um corpo que se sente incompleto. Porque sua última tatuagem foi feita duas semanas antes de aceitar o convite da Band. Naquela época, Sergio Mauricio se sentia "pela metade". Metade feliz, metade nem tanto. Por isso, a árvore com alguns galhos secos representava sua vida.

Mas essa marca em sua pele não faz mais sentido. O narrador reencontrou a beleza no trabalho. Ele narra o que ama e como ama, sentindo-se acolhido e livre para ser quem é. Há três anos, Sergio Mauricio não se sentia completo profissionalmente. Hoje, enfim, diz com um sorriso no rosto que se sente florido.

Agora eu preciso completar a tatuagem, botar um monte de folhas verdes aqui na parte que estava seca, porque há três anos estou florido de novo"

Sergio Mauricio

Tatiane Moreno/Band Tatiane Moreno/Band

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