Rio tricolor

Fluminense e Abel Braga dão o troco no Flamengo no Carioca e são campeões após longo tempo

Alexandre Araújo Do UOL, no Rio de Janeiro ANDRÉ FABIANO/ESTADÃO CONTEÚDO

Depois de grande vitória na primeira partida, o Fluminense buscou o empate com o Flamengo na volta e quebrou a hegemonia rubro-negra no Campeonato Carioca. O time volta a comemorar um título pela primeira vez desde 2012. A conquista do troféu num Maracanã vibrante, após duas finais com estádio silencioso em tempos de pandemia, tem, dessa forma, um peso enorme na história tricolor e também para o técnico Abel Braga.

Dos clubes de maior poderio financeiro do Rio, Flu era aquele que estava há mais tempo longe do topo do pódio do Carioca, tendo amargado o vice-campeonato nas últimas duas temporadas. As duas derrotas haviam sido para o próprio Flamengo, aliás, que estava em busca do tetra num período hegemônico no Rio. O título de 2012 havia sido conquistado em tempos de fartura, antecedendo um triunfo também no Brasileirão. O time estava recheado de grandes nomes, como Diego Cavalieri, Deco, Thiago Neves, Rafael Sobis e Fred, com investimento da antiga parceira Unimed.

Dez anos depois, o atacante Fred, hoje reserva, tem a companhia de Abel Braga como outro ponto de conexão entre esses títulos. Aos 69 anos, Abel está em sua quarta passagem como técnico do Flu e não conseguia um título de primeiro nível desde 2014, quando foi campeão gaúcho pelo Inter. Muito identificado com "as três cores que traduzem tradição", atualiza seu currículo vitorioso pela instituição em que foi criado.

A volta, anunciada em dezembro, foi recebida com celebração e desconfiança. A relação com a arquibancada não se iniciou da melhor forma. Ele ouviu críticas e vaias, mas o time engrenou, flertou com uma marca histórica e deixou os rivais para trás para fazer o hino do Flu tocar novamente no Maracanã.

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O troco

Abel Braga conseguiu sua redenção e ainda deu o troco no Flamengo. Quase quatro anos depois de uma saída conturbada da Gávea, o treinador sai triunfante do Maracanã, impedindo que o Rubro-Negro levasse o troféu do Estadual pelo quarto ano consecutivo. Detalhe: essa sequência de títulos do Fla havia começado justamente em 2019, com Abel.

Abel foi campeão pelo Fla, mas já enfrentava muita pressão, sendo duramente criticado. Sem respaldo da diretoria, pediu demissão, abrindo espaço para a chegada de Jorge Jesus. À distância, viu seu nome ser mencionado de maneira até humilhante por membros da atual gestão do Fla. Ex-vice-presidente atual presidente do Conselho de Administração na Gávea, Luiz Eduardo Bapista, o BAP, falou em entrevista em 2020 que o técnico parecia "bêbado ou drogado" à frente do time.

Neste ano, Abel ganhou uma ação por danos morais movida contra BAP. Ele já tem uma ideia para o dinheiro que está para receber: fazer uma doação aos familiares das vítimas do incêndio no CT Ninho do Urubu, que aconteceu em fevereiro de 2019.

Após o deixar Gávea, Abel teve trabalhos de pouco brilho por Cruzeiro e Vasco, clubes em grave situação financeira. Muitos deram sua carreira como encerrada. Mas ele mostrou em 2020 que não era bem assim ao assumir o Internacional pela sétima vez na carreira. E ali ele quase conseguiu a revanche com o Fla, com o qual disputou a taça até o último minuto da rodada final, sem sucesso.

Na final do Carioca deste ano, porém, sorriu por último e decretou a derrota sobre o clube que o machucou.

Aqui tudo começou para mim. Eu era um menino que morava na Penha, estudava. Classe média baixa. Depois, veio faculdade, essa coisa toda... Seleção de base. Desde o início, aprendi muito. Depois, com o profissional, tem de deixar isso um pouco de lado. Fui para um outro grande clube, que é o Vasco. Depois, PSG... Mas a relação com o Fluminense não pode cair no esquecimento. A relação com os tricolores é muito forte. Não quero, nem devo ser unanimidade, mas sei que o torcedor gosta de mim, e eu amo eles."

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Abel Braga

Fluminense busca o empate com Fla e leva o título

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Frutos de Xerém e do mercado

Dentre os significados do título do Fluminense, pode-se encaixar também o alento. O clube foi um dos mais ativos na janela de transferência entre as temporadas, buscando nomes experientes, sem esconder sua ambição de ir longe na Libertadores. Até a taça estava em pauta.

O plano em campo era mesclar o impacto dos veteranos ao talento dos jogadores revelados por Xerém. Por isso chegaram medalhões como goleiro Fábio, 41, o volante Felipe Melo, 38, e o atacante Willian Bigode, 35. Reforços para assessorar jovens como o lateral Calegari, os meio-campistas André e Martinelli e o atacante Luiz Henrique. Todos eles deram contribuição na caminhada do time.

Em meio a teste e avaliações, a equipe ganhou forma e chegou a 12 vitórias consecutivas, passando por clássicos e também pela própria competição continental. O desempenho empolgou a torcida. Mas a temporada estava só começando.

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O Olimpia, do Paraguai, tratou de arruinar o sonho de modo abrupto, igualando o confronto e vencendo nos pênaltis, num Defensores del Chaco lotado.

A eliminação agravou um mal-estar gerado pela venda de Luiz Henrique ao futebol espanhol. A confusão no desembarque da delegação teve como um dos retratos o presidente Mario Bittencourt encurralado.

Após dias de tensão, o resultado em campo voltou a ser protagonista —nada como se impor diante do Flamengo na final, dando calma para um elenco na transição para Copa Sul-Americana, Copa do Brasil e Brasileiro.

Jorge Rodrigues/Jorge Rodrigues/AGIF Jorge Rodrigues/Jorge Rodrigues/AGIF
Jorge Rodrigues/Jorge Rodrigues/AGIF

Cano adiantou os planos

Dentre os reforços, aquele que deu mais retorno em campo foi Germán Cano. O argentino desembarcou nas Laranjeiras à sombra de Fred, remanescente daquele troféu de dez anos atrás. Era até como medida preventiva da diretoria, considerando que o contrato do ídolo vai até julho.

Depois da temporada 2021 com marcas importantes, referência para toda uma geração de torcedores do Fluminense, o camisa 9 teve dificuldade com questões físicas, sofrendo lesão na estreia pela Libertadores. Seu futuro agora é incerto.

Cano aproveitou as brechas, ganhou espaço e caiu nas graças da torcida. Ele fez gol em todos os rivais do Tricolor e brilhou nos jogos decisivos ao marcar, de barriga, o gol da classificação dramática para a final e balançar a rede duas vezes no primeiro encontro da decisão.

Agradeço muito a torcida do Fluminense. Me deram muito carinho no primeiro momento. É só agradecer. A gente acreditou muito, muito. Está tudo começando, ainda temos Copa do Brasil, Brasileiro e Sul-Americana. Agora é desfrutar. A gente acreditou muito. Estou muito feliz."

Cano

Faltam poucos meses para acabar minha carreira. Se tivesse como escolher um momento, seria com título. Sabemos que é importante para a gente, pela espera. Eu prorroguei minha carreira para comemorar com meus filhos. Eles puderam crescer para ver o Fluzão ser campeão no Maracanã."

Fred

Ormuzd Alves/Folha Imagem

É supertime, mesmo?

O Fluminense se tornou uma pedra no sapato dos considerados supertimes do Flamengo. Inclusive tem mais títulos do Carioca em cima do rival, do que ao contrário. O Tricolor agora chega a nove taças levantadas em confrontos contra o rival. As contagens individuais divergem entre as duas equipes, mas, pelo lado do Flu, são contabilizados os títulos de 1919, 1936, 1941, 1969, 1973, 1983, 1984, 1995 e agora 2022. Do lado do Fla - que não considera 1919, 1969 e 1983 -, as conquistas do Carioca em cima do Tricolor aconteceram em 1963, 1972, 1991, 2017, 2020 e 2021.

Na última decisão em que o Tricolor havia batido o rival, o cenário era parecido com o atual —convenhamos que, por mais reforçado que esteja o Flu, a distância para o elenco rubro-negro em fama e investimento ainda é grande.

Em 1995, o Rubro-Negro comemorava o centenário e montava um time badalado, com Vanderlei Luxemburgo no comando e ninguém menos que Romário no ataque, em pleno auge, vindo da conquista do tetra pela seleção. O Tricolor, por sua vez, não atravessava o melhor dos momentos e também vivia um jejum no Estadual — a última conquista havia sido em 85.

À época, o regulamente era diferente, mas calhou de, na última rodada do octogonal final, Flamengo e Fluminense serem os únicos com possibilidade de alcançar a primeira colocação.

Em um dos roteiros mais célebres da história do Maracanã, com grandes emoções, a conquista veio nos minutos finais, com um triunfo por 3 a 2 após Renato Gaúcho, de barriga, desviar finalização de Ailton.

O que vem por aí

O Fluminense quebrou a hegemonia do Flamengo no Rio de Janeiro, mas entende que isso não significa que a sombra do Rubro-Negro deixe de pairar sobrar sobre o futebol carioca.

São vários os obstáculos, de ordem estrutural, para que o clube possa fazer das conquistas uma rotina. As recentes explicações da diretoria para a venda de Luiz Henrique, por exemplo, mostram que o clube enfrenta pressão financeira para ser competitivo.

Enquanto isso, a concorrência está se mexendo. O Botafogo já vive seus primeiros dias de SAF, comandada pelo investidor americano John Textor. Em poucos dias de gestão, o clube já impôs novo modo de agir no mercado da bola, enchendo sua torcida de esperança. De todo modo, Textor não vê o Estadual como prioridade, com a intenção de utilizar o time B na competição, enquanto o grupo principal realizará pré-temporada no exterior.

Já o Vasco, agora clube dentre os de grande investimento há mais tempo sem vencer o Carioca, ainda avança nos bastidores para concretizar a SAF, e dúvidas sobre o futuro permeiam a equipe. Após o fracasso no ano passado, o Cruz-Maltino vai disputar, em 2022, a Série B do Brasileiro pela segunda vez consecutiva, e parece ainda longe dos tempos de glória.

Thiago Ribeiro/AGIF Thiago Ribeiro/AGIF
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