Procura-se: posição perfeita

Antes lateral, Fabinho precisou ir contra estafe para virar volante e recomeçar na seleção brasileira

Fabinho, em relato a Eder Traskini e Igor Siqueira Do UOL, em Santos (SP) e Rio de Janeiro (RJ) Marc Atkins/Getty Images

Desde pequeno eu procurava a posição perfeita. Que ironia, né. Não desde sempre, claro. Quando eu era pequeno, era só diversão. Eu gostava tanto que até dormia com a bola quando meu pai me dava uma nova.

Com sete anos, lá no Dique Seis, bairro onde eu cresci em Campinas, eu era atacante. Ou meia. Eu era mais rápido e chutava mais forte que meus amigos, eu batia tiro de meta, falta e até pênalti. Até os 11 anos, eu era o melhor do time.

Depois, eu passei pelo Sesi e ainda via que era melhor que os outros garotos. Mas quando o Paulínia me convidou para um teste, eu vi que não seria assim para sempre.

Em um time de mais qualidade, nem sempre você joga na sua posição. Pra jogar, você tem que achar um lugar. Eu fui para o Paulínia para jogar de volante. Gostei da posição e acabei ficando nela.

Só que com 16 anos, os outros garotos começaram a me igualar em força e velocidade. Foi aí que surgiu na minha vida um cara a quem eu devo muito: Elio Sizenando. Ele me ensinou que eu precisava ser inteligente para jogar em mais de uma posição, precisava ser versátil.

Então, quando o time tinha um bom lateral, eu jogava de volante; quando já havia um bom volante, eu era lateral. Foi o Elio, muito antes do Leonardo Jardim, que me ensinou a jogar nas duas posições.

O Leonardo Jardim mudou a minha vida no Monaco, mas foi por causa do Elio que eu estava preparado para deixar a lateral direita, posição em que eu já tinha sido convocado para a seleção, e recomeçar como volante.

Eu sempre confiei que poderia atingir o nível de seleção também como volante. A posição perfeita que eu buscava? Bom, eu aceito que seja ali: bem no meio da lista dos jogadores que vão disputar a Copa do Mundo - minha primeira e que espero que não seja a última.

Esse negócio de futebol começou com o meu pai. Eu aprendi a gostar com ele nos finais de semana em que ele me levava para os jogos na várzea. Dizem que ele era bom jogador, eu não lembro.

Do Paulínia, meu terceiro time, eu guardo as melhores recordações da minha infância. Mais especificamente do caminho até o treino. Como tinha vários garotos da região de Campinas, eles mandavam um ônibus que passava nas cidades para levar a gente ao treino. Eu ia de ônibus municipal até o centro e pegava esse do clube. E, cara, colocar muito moleque de 12, 13 anos em um ônibus, é certeza de bagunça. Era muito legal.

Como o Paulínia era só categoria de base, tinha uma estrutura legal. Não passei perrengue. Às vezes, faltava o dinheiro para pegar o ônibus municipal, mas o meu pai sempre dava um jeito, pedia emprestado para alguém e pagava depois. Eles sempre me apoiaram muito e queriam que eu levasse a sério.

Eu fiquei seis anos no clube até que chegou a Copa São Paulo, a Copinha. Nós ficamos no grupo do Botafogo, não classificamos, mas eu joguei muito bem como lateral-direito. Quando acabou, o presidente me chamou dizendo que tinha três propostas por mim: Botafogo, Vasco e Coritiba.

Eu conversei com a minha família, analisei a estrutura dos clubes, onde seria melhor para viver e me decidi pelo Coritiba. Dois dias depois, porém, chegou o interesse do Fluminense - que tinha acabado de ser campeão brasileiro. O Flu também tinha interesse em um amigo meu do Paulínia, o Cássio Gabriel, e iríamos nós dois. Pelo momento e por não ir sozinho, escolhi o Flu.

Viver longe da família me fez amadurecer muito, mas não foi fácil. Os meninos lá eram um pouco fechados, de alguma maneira eu estava chegando para tomar o lugar deles. Eu não conhecia os cariocas e achava eles meio marrentos. No começo, não gostava.

Depois, eu conheci melhor os cariocas e descobri que eles são marrentos mesmo (risos), mas não é por maldade. É só o jeito deles. Vivi um tempo na concentração, depois saí para morar com dois amigos em uma casa.

Aí foi meio difícil: é que não tinha quem cozinhasse, sabe? A gente tinha que se virar. Nós até cozinhávamos, mas nem sempre dava ânimo. E como morávamos do lado de uma lanchonete... A maioria das noites era x-salada, x-tudo (risos). Quando não tinha dinheiro, um funcionário do clube levava comida da concentração pra gente.

Em campo, nosso time era muito bom, tanto que chegamos na final das quatro competições que disputamos. Eu nem sempre fui titular, mas fui nas competições principais. Na Copa São Paulo, perdemos a final para o Corinthians. Um mês depois, fui convocado para a seleção sub-20 e nesse dia tudo mudou na minha carreira.

Eu fui disputar um torneio na África do Sul e quando voltei já tinha acontecido: eu estava vendido para o Rio Ave, de Portugal. Quem me deu a notícia foi o presidente do Paulínia, que ainda me ajudava com essas coisas. Falei: como assim?

O Rio Ave tinha feito uma proposta, o Fluminense pediu mais dinheiro e chegaram a um acordo. Fiquei chocado. Eu fui para a seleção e esperava ganhar uma chance no profissional. Mas era uma oportunidade boa pra mim, disputar a primeira divisão de Portugal. Pra vocês terem noção, os goleiros do time eram só o Oblak e o Ederson.

Mas quando eu falei que tudo iria mudar na carreira, eu falei sério. Não parou por aí. Eu nunca joguei pelo Rio Ave. Eu já estava instalado em Portugal quando meu empresário - agora era o Jorge Mendes quem cuidava da minha carreira - ligou e falou: "Arruma suas coisas que a gente vai viajar".

Arrumei, né? Entrei no carro e ele deu a notícia: "Você vai jogar no Real Madrid, quer um telefone para avisar a família?" Se eu não conseguia acreditar, imagina a minha mãe! Liguei pra ela, começamos a chorar, foi muito emocionante.

O Real tinha vendido o Carvajal, que jogava no time B na época, e queria uma reposição. Eles já me conheciam, então foi rápido. Cinco horas de carro e eu estava em Madrid. Cheguei ao hotel e fui dormir pensando como tudo tinha acontecido tão rápido.

Logo pela manhã, batem à porta. Eu, meio sonolento ainda e vestindo meu pijama, abro. Quem está ali? José Mourinho, técnico do Real na época. Um mês atrás eu estava em Xerém. No mês seguinte, conheço o homem de pijama.

"Tudo bem? Preparado?", disse o Mourinho pra mim. Eu, de pijama e sem nem saber o horário do treino ainda. Só queria descansar, jamais esperava que o homem ia bater à porta.

Mourinho sempre foi muito gente boa comigo. Perguntava sobre minha adaptação, se já tinha encontrado uma casa para morar, se estava tendo dificuldades com o idioma, sempre se preocupou comigo. Quando eu treinava com o time principal, ele conversava, dizia que estava sempre acompanhando os jogos da segunda equipe.

Tivemos uma relação muito boa e jogar no Real Madrid foi surreal. Convivi com jogadores que estavam voltando da Eurocopa quando fiz pré-temporada com o time de cima. Foi bom para entender a pressão de jogar em uma equipe desse tamanho.

É curioso pensar que durante esse tempo no Real Madrid B, ainda como lateral-direito, eu tive muita ajuda do cara que hoje compete comigo pela titularidade da seleção brasileira: o Casemiro.

Quando ele foi contratado, eu fiquei até surpreso porque ele já era renomado no Brasil, mas talvez tenha sido a melhor decisão da carreira dele. Nossa relação era muito boa. Como eu não tinha carta de motorista e ele morava perto de mim, eu pegava carona com ele para os treinos.

Hoje, na seleção, a gente brinca muito sobre essa época. Ele fala "você nunca estava me esperando, sempre atrasava". E eu nem posso discutir porque é verdade (risos). Quando eu saí e vi ele ganhando oportunidades no Real, sempre mandava mensagem parabenizando. Independentemente de disputarmos posição, nos damos muito bem.

Ele já tinha comentado que gostaria de jogar na Premier League. Pena que ele foi para o lugar errado na Inglaterra, né? Espero que ele não melhore tanto assim o Manchester United. Ele, o Fred, o Antony, tem muito brasileiro indo pro lugar errado do país (risos).

Quando acabou a temporada pelo Real Madrid, eu não sabia como ficaria minha situação. Tinha feito minha estreia profissional no time de cima nas últimas rodadas da liga espanhola e o Real queria que eu permanecesse, mas a ideia ainda era ficar na segunda equipe.

Eu gostava muito do clube e da cidade, mas aí chegou a proposta do Monaco. Meu empresário explicou que eles tinham acabado de voltar à primeira divisão, estavam com investidores e já tinham confirmado várias contratações de peso, como o Falcao García e o James Rodríguez.

Eles precisavam de lateral-direito e eu chegaria para jogar, atuar na primeira divisão francesa com 20 anos. Era uma ótima oportunidade. Além dos colombianos, o João Moutinho e o Ricardo Carvalho também tinham sido contratados, então a língua não seria um problema.

No Monaco, eu fui convocado pela primeira vez para a seleção brasileira como lateral-direito. Só que desde o começo eu tive pistas de que a intenção do Leonardo Jardim (técnico) era diferente. No primeiro amistoso da pré-temporada, eu comecei como lateral, estava indo bem e depois de 20 minutos ele me colocou como volante. E eu fui melhor ainda.

Naquele dia, eu fiz um gol e criei outra chance. Fiquei até surpreso com o desempenho porque fazia tempo que não jogava naquela função. No fim da atividade, o técnico me chamou para conversar e perguntou se eu já tinha jogado como volante. Graças ao Elio, eu disse que sim: sabia jogar nas duas posições. O Jardim, então, respondeu: "Percebi. Como lateral, você gosta de jogar por dentro. Bom saber".

Durante a primeira temporada, eu joguei como lateral. Fui volante em ocasiões pontuais, mas acho que teve um jogo específico que confirmou a ideia do Jardim de me efetivar como volante: 4 a 1 no Arsenal dentro do Emirates Stadium, quando joguei como volante e levei o prêmio de melhor em campo. A partir dali, comecei a frequentar mais vezes a posição.

Quando me reapresentei para a segunda temporada, o Leonardo Jardim me chamou logo no primeiro dia e disse: "eu sei das suas qualidades e quero que você jogue como volante. Vamos contratar um lateral e você será meu volante". Eu gostava da posição de volante, acho que participa mais do jogo. Comprei a ideia, só que meu estafe não gostou nada.

Meu empresário disse que eu perderia espaço na seleção porque eu já tinha sido convocado várias vezes pelo Dunga como lateral. Mas eu confiava que poderia chegar ao nível de seleção também jogando como meio-campo. E assim foi.

No primeiro ano como volante, ganhamos o campeonato francês e chegamos à semifinal da Liga dos Campeões. E aí as portas do mundo do futebol se abriram pra mim. A decisão do Leonardo Jardim mudou minha vida.

Eu não estive na Copa do Mundo de 2018 e sei que a mudança de posição me fez perder espaço naquele ciclo. Eu estava voando como volante no Monaco e já havia interesse de grandes clubes europeus, mas nada da seleção.

Eu sabia que precisava dar o próximo passo, brigar por mais títulos para voltar ao radar da seleção. Era um objetivo pessoal. Eu já estava há cinco anos no Monaco e tinha interesse em disputar a liga espanhola ou inglesa. E aí veio o Liverpool e eu já abracei.

Eles anunciaram no dia seguinte à derrota para o Real Madrid na final da Champions. Estava tudo certo já. Eu sabia que poderia ficar no banco no começo no Liverpool, então tive que ter calma.

Fiz um trabalho de fortalecimento. O contato na Premier League é diferente, a força física é outra. Trabalhei isso. Vi que a intensidade era muito alta. Esse período de adaptação foi bom para isso.

Claro que não foi legal, eu quero sempre estar jogando. Eu achava que estava preparado quando cheguei, mas eles quiseram me preparar mais. O Pepijn Lijnders [auxiliar] conversava muito comigo nesse começo porque ele fala português. Pedia algumas correções e para observar as movimentações dos jogadores. E aí, quando tive oportunidade de jogar, não saí mais do time.

Quando o novo ciclo de Copa se iniciou, eu sabia que teriam algumas caras novas e estava torcendo para ser uma delas. Eu fui, mas ainda como lateral-direito. Com o tempo e as atuações, fui conquistando meu espaço como volante.

Depois que já tinha ganhado a posição no Liverpool e conquistado títulos importantes, o Klopp me surpreendeu com uma declaração falando diretamente para o Tite. Quando eu ouvi, eu pensei: "caramba! Forte!" Fiquei curioso para saber como o Tite reagiria, mas ele foi tranquilo, ainda bem.

Não sei se o Tite está tão preocupado, porque ele nunca o coloca para jogar. Então, provavelmente ele só não vai ficar sentado no banco nos próximos três jogos da Seleção.

Jürgen Klopp, ao ser questionado sobre Fabinho desfalcar a seleção em uma data-fifa

Eu e o Klopp temos o mesmo pensamento e a mesma escala de valores. É essencial a saúde dos atletas. Ela é humana. A utilização é secundária, assim como o esporte é secundário quando a gente fala de saúde, quando a gente fala de pessoas, quando a gente fala de algo que é maior. Nós temos essa mesma ideia e forma de ver o futebol

Tite, em resposta a Klopp

O Klopp é mais velho que eu, não posso controlar o que ele fala (risos). Ele tem um nome muito forte no futebol e sabe o tamanho das declarações dele. Ele sempre se preocupa com seus jogadores, as viagens, o desgaste e tudo mais.

Ele já conversou comigo sobre seleção. Eu deixei claro que queria sempre defender o Brasil pelo sonho de jogar uma Copa do Mundo. Ele entende. Disse que nunca defendeu a seleção e que não sabe o sentimento, mas que me entendia.

Eu nunca joguei profissionalmente por nenhum clube brasileiro, mas quando me perguntam se eu tenho essa frustração, a resposta é não. Eu agarrei a oportunidade que chegou cedo pra mim e fiz minha carreira na Europa.

Hoje, eu diria que não tenho intenção de jogar no Brasil algum dia. Não tenho vontade de deixar a Europa. Mas eu ainda tenho 28 anos, minha cabeça pode mudar daqui sete ou oito.

Eu tinha o sonho, sim, de jogar no Maracanã lotado e realizei com a seleção brasileira. Jogar pela seleção no Brasil é muito especial e esse dia foi mais ainda. Nós ganhamos do Chile, eu joguei muito bem e a torcida estava muito fera.

Por falar em sonho, eu consegui realizar aquele que me acompanhava desde o começo: jogar uma Copa do Mundo pela seleção brasileira. Como eu disse, vai ser a minha primeira, mas espero que não seja a última.

Minha História - Copa

  • Marquinhos

    É por causa dessas coisas que eu digo que é preciso entender e saber esperar. O tempo passou e, quando eu tinha 19 anos, o maior time da França pagou 35 milhões de euros por mim. Se isso não é ironia do destino, vai ser o quê?

    Imagem: David Ramos/FIFA via Getty Images
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  • Weverton

    Talvez você esteja se perguntando por que eu faço isso. Se você estivesse lá, eu te responderia sujo de lama: é um mergulho na realidade. É sentir o que o futebol é para muita gente e o que eu vivo hoje é exceção. Eu não quero esquecer isso jamais.

    Imagem: Cesar Greco/SE Palmeiras
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  • Raphinha

    São momentos, infelizmente, em que pessoas que não têm um foco grande, uma família para se apoiar, se perdem. Em momentos assim, perdi muitos amigos para o mundo do crime, para o tráfico... Amigos que jogavam até dez vezes mais que eu, que poderiam estar em um grande clube do mundo.

    Imagem: Craig Mercer/Getty Images
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  • Bruno Guimarães

    Imagina a cena: eu, que já tive um puta cagaço de jogar bola, passava mal e até vomitava antes dos jogos, franzino de tudo, não tinha força alguma, ouvindo o Fernando Diniz dizer: 'você vai ser um jogador espetacular'. E eu só pensava 'esse cara é doido'.

    Imagem: James Gill - Danehouse/Getty Images
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  • Rodrygo

    Eu vejo semelhança no mata-mata da Copa do Mundo e Liga dos Campeões. Eu me sinto muito preparado, sabe? Pô, eu jogo no Real Madrid e fui decisivo nos momentos mais importantes contra os melhores times do mundo. Tipo, sei que posso ajudar o Brasil.

    Imagem: Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images
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