'Quer ver meu p...?' Julgamento de Gabigol traz xingamentos e contradições

O acórdão do julgamento que puniu Gabigol por tentativa de fraude em exame antidoping traz mais detalhes sobre o comportamento do atacante do Flamengo com os oficiais de controle. Mas alguns votos a favor do jogador apontam contradições dos responsáveis pelo exame durante o processo. O jogador foi suspenso pelo Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD/AD) com um placar apertado (5 a 4) e está proibido de jogar até abril de 2025.

O que aconteceu

O documento foi publicado pelo TJD/AD, sem citar o nome de Gabigiol, porque, em tese, há sigilo. Mas a ligação com o caso é inquestionável e mostra os votos dos auditores durante o julgamento que aconteceu no dia 25 do mês passado.

Na parte do comportamento do atacante do Flamengo, o auditor Vinicius Marrone citou em um dos tópicos uma pergunta de Gabigol.

"O Oficial de Controle de Dopagem buscou formas de visualizar a coleta, momento em que o atleta proferiu as seguintes palavras: 'Po.., você quer ver meu p..?', diz trecho do voto de Marrone.

Pelas regras do controle de doping, os oficiais de controle, de fato, precisam ver a genitália dos atletas para verificar se a urina sai mesmo do corpo do jogador.

A descrição sobre a atitude de Gabigol aponta ainda que ele, "em seguida, atirou o recipiente, vazio, sobre a pia, deixando o banheiro e se dirigindo à estação de coleta. Nesse momento, o atleta mandou todos "se f...".

Por outro lado, um dos votos a favor de Gabigol foram de Selma Rocha, vice-presidente do tribunal. Segundo ela, houve depoimentos com contradições. Ela apontou "comportamento malicioso dos fiscais".

Para a auditora, os depoimentos dos oficiais de controle "tiram toda a credibilidade que teriam naquele momento". Por eles "ora afirmam que foram impedidos de escoltar o atleta, ora negam este fato".

A punição de Gabigol, no papel, é de dois anos. Mas ela passa a contar a partir do dia do exame (8 de abril de 2023). Assim, o jogador fica livre em abril de 2025.

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O conteúdo do acórdão, divulgado inicialmente pelo GE, é importante porque é a partir dele que a defesa do jogador faz o recurso ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), na Suíça. A expectativa é que uma resposta ao pedido de efeito suspensivo saia até o fim deste mês.

Os votos contrários a Gabigol

O relator do processo foi Daniel Chierighini, que votou pela condenação do jogador. Ele lembrou o comportamento de Gabigol na coleta.

Na primeira tentativa (...), o atleta teria tomado, por conta própria, o vaso coletor e, dirigindo- se ao banheiro, igualmente teria se virado de costas para o oficial. Ainda teria jogado o vaso coletor sem prover a amostra, retirando-se do recinto. (...) Na segunda tentativa, o atleta teria saído do banheiro com o vaso coletor, colocando-o sobre a mesa de processamento. Em seguida, teria retornado ao banheiro sem seguir instruções do oficial e de que os oficiais se mantiveram longe do vaso coletor, porém com contato visual do atleta. Daniel Chierighini

O relator do processo ressaltou algumas obrigações dos atletas. " O atleta foi o único de que, além de não ter comparecido de forma espontânea à unidade de controle de amostra, tampouco exerceu o seu direito-dever de peticionar aos oficiais a justificativa válida para não fazê-lo, quer seja por ele quer seja por terceiro".

Alexandre Ferreira acompanhou o voto do relator. Ele citou alguns pontos do relatório e classificou que "ratificam que o atleta agiu de maneira intencional".

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Martinho Miranda também votou pela condenação. "Ficou claro nos autos que o procedimento de coleta não foi seguido corretamente. E isto se deu exclusivamente por vontade manifesta do atleta".

Segundo ele, "o que importa é que tenha havido a intenção de fraudar o exame. E isso ficou mais do que demonstrado".

Vinicius Loureiro Marrone votou pela condenação. Ele ponderou que Gabigol fez perguntas grosseiras e xingou os fiscais. "Temos ainda que o atleta deixou o frasco utilizado para a coleta da amostra de urina aberto sobre a mesa, sem sua supervisão, o que está em desacordo com os padrões internacionais".

O presidente João Antonio Souza deu o quinto e decisivo voto para a condenação. Ele analisou quatro pontos: que Gabigol "não comparecimento para a coleta antes do treino", que foi "ao almoço após o treino" e a "dificuldade de permitir a escolta em todos os momentos até a coleta", a "dificuldade de permitir que o DCO visualizasse totalmente a coleta de urina" e o "descumprimento de ordens do DCO por ter deixado o vaso coletor de urina aberto, abandonado e destampado".

Os votos a favor de Gabigol

Jean Batista Nicolau foi o primeiro voto pela absolvição. Ele disse não ter dúvidas que "o procedimento de coleta aconteceu com percalços". O auditor não viu intenção de Gabigol em fraudar o exame:

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A meu ver, ele agiu, sim, para vilipendiar os fiscais, mas não com a específica finalidade de fraudar o procedimento e, desse modo, tirar vantagem dessa conduta.

A vice-presidente Selma Rocha acompanhou Jean Batista. Foi ela quem trouxe à baila as contradições dos oficiais de controle. Processualmente, os relatos deles têm presunção de veracidade. É como se fosse a súmula do árbitro no futebol.

Os depoimentos dos DCOs [agente de controle antidopagem] são repletos de contradições e tiram toda a credibilidade que teriam naquele momento. (...) Fica evidente, portanto, que eles estão mentindo, devendo o depoimento deles ser totalmente descartado. Vislumbro um comportamento malicioso por parte dos DCOs para incriminar o atleta a qualquer custo. Mas para ser incriminado, devem ser apresentados fatos gravíssimos, o que não houve no caso em tela.

Selma Rocha ainda pontuou que "caso a amostra fornecida pelo Atleta não tivesse dentro das normas técnicas e de segurança, caberia aos DCOs negarem a amostra. No entanto, em audiência, um dos DCOs confirmou que a amostra estava dentro dos padrões. Assim, todos os protocolos do PITI foram cumpridos. Com percalços, mas foram cumpridos".

Ivan Pacheco também votou pela absolvição de Gabigol, ressaltando divergências nos depoimentos dos fiscais. "Não se pode confundir, em hipótese alguma, um conflito de relacionamento, com uma fraude ou tentativa de fraude na coleta de amostras, sob pena de interpretação subjetiva, e pior, criar um precedente para que arbitrariedades futuras surjam a partir deste julgamento. Entendo que houve uma falha de comunicação entre a equipe de coleta e o atleta por divergências de relacionamento", afirmou.

Fernanda Farina Mansur também votou pela absolvição. "Ainda que entenda que a conduta do Atleta não foi a mais adequada em relação aos DCOs - foi grosseira e rude com profissionais importantes para o esporte justo e limpo - isto para mim se distancia na configuração de todos os elementos necessários para que se considere qualificada a tentativa de fraude ao procedimento de dopagem", defendeu ela.

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