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A vilã da Copa: lesão é três vezes mais comum em mulheres do que em homens

Beth Mead, jogadora do Arsenal, chora após sofrer lesão em jogo contra o Manchester United - Visionhaus/Getty Images
Beth Mead, jogadora do Arsenal, chora após sofrer lesão em jogo contra o Manchester United Imagem: Visionhaus/Getty Images

Do UOL, no Rio de Janeiro

03/06/2023 04h00

Classificação e Jogos

A Copa do Mundo feminina terá diversos desfalques de peso por um mesmo problema: a temida lesão no ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho. Nomes como Beth Mead (Inglaterra), Catarina Macario (EUA), Vivianne Miedema (Holanda), Marie-Antoinette Katoto (França) e as brasileiras Lorena e Ludmilla estão fora da competição ainda em recuperação.

"A quantidade de lesões do LCA no futebol feminino profissional nos últimos dois anos foi chocante. Se isso acontecesse no futebol masculino, teríamos visto imediatamente uma reação de 'como vamos resolver isso e garantir que esses jogadores estarão disponíveis nos maiores momentos de suas carreiras?'", disse Christen Press, jogadora dos EUA que está em recuperação de uma lesão de LCA, à ESPN em maio.

Por que acontecem

Diversos estudos médicos mostram que as mulheres tem um risco cerca de três vezes maior de sofrer esse tipo de lesão do que os homens.

Esse risco estaria ligado a diferenças anatômicas entre os corpos, em grande parte relacionadas a variações nas estruturas do quadril, mais largo entre as mulheres, e joelhos com ângulos diferentes, que colocam mais pressão no LCA.

Além disso, fatores hormonais do ciclo menstrual são destacados por alguns especialistas.

Em 2021, o Brasileirão feminino chegou a ter quatro casos de lesões no ligamento cruzado anterior do joelho em um fim de semana.

As lesões do cruzado anterior nas mulheres são bastante comuns. Em tese mais do que nos homens. Esses números elevados têm a ver com padrão de treinamentos, quantidade de treino e eventualmente algumas alterações anatômicas que a mulher tem em relação aos membros inferiores do homem e questões hormonais que são bastante importantes no ciclo menstrual feminino"

André Pedrinelli, médico do COB, instrutor médico Fifa e coordenador médico da seleção feminina ao UOL.

Nomes grandes fora

A Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia, em julho deste ano, já tem algumas baixas confirmadas. A abertura da competição será no dia 20 de julho.

A Inglaterra terá dois nomes importantes fora: a segunda melhor jogadora do mundo Beth Mead e a zagueira Leah Williamson, ambas por rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho.

Mead se machucou no fim de novembro de 2022, na derrota do Arsenal por 3 x 2 para o Manchester United na Superliga Feminina. A treinadora inglesa Sarina Wiegman já disse que somente um milagre a colocaria no Mundial.

Williamson teve a lesão confirmada em abril deste ano na partida da Superliga Feminina perdida pelo Arsenal para o Manchester United.

Na Holanda, Vivianne Miedema também ficou fora da lista de convocadas. Ela sofreu a lesão em 15 de dezembro, na derrota do Arsenal para o Lyon, pela Champions League Feminina. Na época, ela foi realista e não alimentou esperanças de voltar a tempo para a Copa.

Pela França, Marie-Antoinette Katoto já anunciou que não vai se recuperar a tempo da Copa. Ela rompeu o ligamento no meio do ano passado no jogo da seleção francesa contra a Bélgica, pela Eurocopa.

A brasileira naturalizada norte-americana Catarina Macario declarou nos últimos dias que também não estará disponível para representar os Estados Unidos. Ela rompeu o LCA do joelho esquerdo em 1º de junho de 2022, em um jogo do Campeonato Francês do Lyon contra o Issy. Havia certa expectativa pelo retorno, mas isso não se concretizou.

No Brasil, a goleira Lorena vai perder a Copa do Mundo. Em março, ela sentiu um desconforto e uma instabilidade no joelho esquerdo durante um treinamento. Depois de descartar cirurgia, o Grêmio informou que ela precisaria do procedimento.

Ludmilla é outro desfalque. Ela rompeu o ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho direito no jogo contra o Real Madrid, pela liga espanhola, em março.

Ludmila - Diego Souto/Quality Sport Images/Getty Images - Diego Souto/Quality Sport Images/Getty Images
Atacante Ludmila se lesiona durante clássico entre Atlético e Real Madrid
Imagem: Diego Souto/Quality Sport Images/Getty Images

Voltaram

Há alguns casos de atletas que conseguiram cumprir o prazo de recuperação antes do Mundial e ficam à disposição das seleções.

Atual melhor do mundo, Alexia Putellas voltou aos treinos em 27 de março e jogou pela primeira vez no início de maio. Ela rompeu o LCA do joelho esquerdo em treino da Espanha no início de julho de 2022, três dias antes da estreia da seleção espanhola da Eurocopa Feminina.

Marta ficou fora por quase 11 meses e voltou a atuar em um jogo oficial em fevereiro deste ano, com a seleção brasileira, na She Believes Cup. Ela lesionou o joelho esquerdo em 26 de março de 2022, contra o North Carolina Courage, no início da temporada do Orlando Pride. Foi a primeira lesão grave na carreira.

Pelo mundo, nomes como Ellie Carpenter (Austrália), Dzsenifer Marozsán (Alemanha), Amel Majri (França), Sarah Gorden (Estados Unidos), Tierna Davidson (Estados Unidos), Giulia Gwinn (Alemanha) e Nadia Nadim (Dinamarca) também sofreram nos últimos tempos com essa lesão.

Em dúvida

A brasileira Angelina ainda não tem uma data para retorno após sofrer a ruptura total do ligamento cruzado anterior e menisco lateral do joelho direito na final da Copa América, em 30 de julho de 2022. Ela vinha ganhando espaço com Pia e além da cirurgia habitual para a reconstrução dos ligamentos, a jogadora do OL Reign, dos Estados Unidos, precisou passar por uma segunda artroscopia para ganhar um pouco mais de movimento.

A norte-americana Christen Press ainda tem esperança de estar na Copa. Ela está fora desde junho de 2022, quando se machucou na derrota do Racing Louisville para o Angel City. Mesmo com um tempo de recuperação de cerca de nove meses, a jogadora precisou de três cirurgias no joelho.

"O processo de recuperação pós tratamento cirúrgico obedece vários critérios. Antigamente nós reabilitávamos em seis meses e hoje a tendência é ser algo próximo de nove meses. Isso porque temos vários prazos que tem que ser cumpridos. Tem o prazo biológico de cicatrização do ligamento, o prazo de recuperação de toda massa muscular a amplitude dos movimentos, mas fundamentalmente hoje damos muito mais atenção para a parte neurocognitiva de reabilitação, onde temos a integração de todas as cadeias motoras, todo gesto esportivo como um todo controlado pelo sistema nervoso central", disse André Pedrinelli.

Trabalho em clubes

Os grandes clubes precisam se preocupar cada vez mais com as lesões de LCA no elenco e desenvolver métodos para reduzir os riscos. "Todas as grandes equipes realizam trabalhos de prevenção dessas lesões, principalmente os que chamamos de equilíbrio e propriocepção [capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo], correção do valgo do joelho, aquele joelho que vira para dentro quando as meninas correm ou fazem trabalho de frenagem. A própria Fifa lançou um programa que chama 11+ especialmente voltado para as lesões no esporte", afirmou André Pedrinelli.

Um time da Série A1 que não sofreu com lesões desse tipo ao longo da temporada foi o São Paulo. O clube paulista faz um trabalho de prevenção, como explica Débora Reiss, responsável pelo departamento médico. O Tricolor também conta com as fisioterapeutas Jéssica Fernandes e Tassia Donan.

"Temos o trabalho de força na academia de uma a duas vezes na semana, mesmo em períodos com muitos jogos. A atividade preventiva com a fisioterapia no campo, que acontece duas vezes na semana de forma inegociável. Além de uma atividade diária de aquecimento visando à melhora da capacidade pliométrica [que popularmente podem ser chamados de movimentos de "explosão"], transferida para vários gestos no campo", disse.

"Contamos com o controle de carga de forma ativa pré-treino, que determina através de marcadores de sono, recuperação, ACWR [cálculo da taxa de carga], salto vertical, ciclo menstrual, e triagem da fisioterapia, quanto aquela atleta deve receber de carga naquele dia. Também passamos a aplicar desde o último ano a termografia, além da crioterapia em momentos estratégicos."

"O principal fator para prevenção da LCA é o trabalho de biomecânica do gesto esportivo, que busca através da melhora do padrão motor manter a qualidade do movimento em situações de risco para o LCA, como mudança de direção e desaceleração do salto por exemplo", completou.