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Cartola que comprou Cuca após crime de Berna diz que desconhecia condenação

Mundo Deportivo noticiou a contratação de Cuca em 1990, mas não citou o caso de Berna  - Arquivo/Mundo Deportivo
Mundo Deportivo noticiou a contratação de Cuca em 1990, mas não citou o caso de Berna Imagem: Arquivo/Mundo Deportivo

Igor Siqueira e Thiago Arantes

do UOL, no Rio e em Barcelona

06/05/2023 04h00Atualizada em 06/05/2023 18h10

"É a primeira vez que ouço falar nessa história, eu não sabia de nada disso!" A voz do médico espanhol Javier Yepes, 73 anos, carrega uma mistura de surpresa, incredulidade e decepção.

Em agosto de 1990, quando era diretor de futebol do Valladolid, ele fechou o maior negócio de sua carreira -e, até então, da história do clube: a compra de Alexi Stival, o Cuca, e do zagueiro Luis Eduardo, ambos do Grêmio, por um milhão de dólares.

Mais de três décadas depois, o ex-dirigente foi informado pelo UOL sobre a condenação de Cuca na Suíça. O caso de Berna aconteceu em 30 de julho de 1987; Cuca e mais três jogadores do Grêmio foram condenados por atos sexuais com uma menor em 15 de agosto de 1989. Pouco mais de um ano depois, em setembro do ano seguinte, ele estreou pelo Valladolid.

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Javier Yepes, o homem que contratou Cuca para o Valladolid em 1990
Imagem: Reprodução

"Eu nem consigo acreditar nisso, estou completamente surpreso. Se não me engano ele era casado, tinha até uma filha bem pequena quando veio pra cá", continua Yepes. Na época, o espanhol era diretor de futebol do clube, onde também foi treinador das categorias de base, do time profissional, entre outras funções. "Só não fui presidente", brinca.

A contratação de Cuca foi a grande aposta do Valladolid para aquela temporada. Sexto colocado na Liga de 1988-89, o clube estava mirando alto: tinha acabado de contratar o treinador Francisco Maturana, que vinha de uma boa Copa do Mundo com a seleção colombiana.

Antes mesmo de fechar com Maturana, o Valladolid já tinha Cuca na mira. No primeiro semestre de 1990, Yepes foi ao Brasil ver de perto o jogador. Ele cita pelo menos duas partidas do Campeonato Gaúcho, contra Caxias e Santa Cruz, em que esteve -junto a diretores do Grêmio na época.

"Ninguém do Grêmio comentou nada sobre esse caso. Eu realmente estou sabendo de tudo isso agora", reforça Yepes, que se lembra de ter tido mais de uma conversa com Paulo Odone, então presidente do clube. "Foi uma viagem marcante para mim, porque era a maior contratação do clube".

O ex-dirigente guarda o contrato até hoje. Não há no documento qualquer menção à situação do jogador, nenhuma cláusula que cite que ele poderia ter problemas com a Justiça caso o time jogasse na Suíça, onde havia sido condenado.

O UOL procurou Paulo Odone para comentar o assunto. No curto contato, o ex-presidente do Grêmio disse que não se lembrava do caso. "Essa história do Cuca faz 30 anos, não me recordo mais como foi feita ou não". Depois, não voltou a atender a reportagem.

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Mundo Deportivo noticiou o caso de Berna e citou Cuca, em 3 de agosto de 1987
Imagem: Arquivo / Mundo Deportivo

Imprensa passou em branco

Se o Valladolid não sabia da história, a imprensa espanhola também passou em branco, mesmo com a proximidade do caso. O UOL teve acesso aos arquivos do jornal El Norte de Castilla, de Valladolid, além do El País e do Mundo Deportivo. Nenhum deles cita o caso de Berna depois da contratação do jogador.

Três anos antes, o El País e o Mundo Deportivo noticiaram o episódio de Berna. O El País publicou um despacho da agência de notícias EFE, com o título "Quatro jogadores brasileiros detidos pelo suposto estupro de uma jovem de 14 anos"; já o jornal esportivo citou o caso duas vezes: na edição de 3 de agosto ("O caso dos estupradores brasileiros") e no dia 5 de agosto ("Os quatro jogadores brasileiros continuam detidos").

Nenhum dos jornais pesquisados noticiou a sentença, de agosto de 1989. Quando o Valladolid contratou Cuca, não houve reportagens relacionando o jogador ao caso; nem nos jornais generalistas, nem no diário esportivo.

Quatro gols e frio

A única reportagem sobre o ex-jogador do Grêmio no El País durante a passagem pelo Valladolid fala da adaptação do meia ao novo time e à nova vida. "Alexi Stival, loiro, alto, introvertido e descendente de italianos, confessa que está feliz em Valladolid, onde vive com sua mulher, a filha de dois anos e uma secretária que trouxe do Brasil".

Embora a reportagem do El País mostrasse um Cuca feliz e se adaptando à cidade, a passagem durou pouco tempo. No início de janeiro ele foi emprestado ao Internacional, e nunca mais jogou pelo Valladolid.

Segundo dados oficiais do clube, foram 14 partidas oficiais disputadas (12 da Liga Espanhola e 2 da Copa do Rei), entre setembro e dezembro de 1990. Cuca marcou um total de 5 gols, sendo 4 deles no Campeonato Espanhol. Quando deixou o time, ele era o artilheiro da equipe na temporada.

"Ele não jogou mal. Só que havia uma expectativa muito grande: era um brasileiro, chegou com status de estrela. E não correspondeu a essa expectativa. Por isso, acabou sendo emprestado", lembra Mariano Mancebo, responsável pelo patrimônio histórico do Valladolid.

Para Javier Yepes, o homem por trás da contratação, o clima de Valladolid também não ajudou: "Ele chegou aqui no verão, depois a temperatura foi caindo, ele não conseguia jogar bem, tinha uma filha muito pequena. Acho que esses fatores contaram".

O ex-dirigente lembra, também, que Cuca foi contratado antes da chegada de Maturana. Como não tinha sido indicado pelo técnico, não se encaixava nas ideias dele. Em janeiro de 1991, dias após a saída do brasileiro, o treinador começou a montar o que seria conhecido como "o Valladolid dos colombianos": Leonel Álvarez foi o primeiro a chegar; em agosto, o clube contratou Carlos Valderrama e René Higuita.

"Amistoso na Suíça nunca existiu"

Em junho 2022, em entrevista ao podcast "Um assado para", o advogado Luiz Carlos Pereira Silveira Martins, responsável pela defesa dos jogadores do Grêmio no caso de Berna, deu detalhes sobre o processo e contou histórias posteriores à condenação.

Cacalo, como é conhecido, disse que, durante a passagem pelo Valladolid, Cuca teria simulado uma lesão para não voltar à Suíça:

"Eu fui lá um dia (...), e ele disse pra mim assim: o Valladolid vai fazer uma excursão na Suíça, e eu estou com dor no joelho desde já. Não vou".

A excursão na Suíça jamais existiu. "O Valladolid naquela época raramente saía da Espanha para jogar. Na temporada anterior, com o vice-campeonato da Copa do Rei, nos classificamos para a Recopa. Mas na temporada 1990-91 não houve jogos internacionais", afirma Mariano Mancebo, com a lista de partidas do time em mãos.

"Eu era o diretor de futebol, ia pra todos os jogos. Esse amistoso na Suíça nunca existiu", conclui Javier Yepes.