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Investigação de manipulação na Série A começou com 'drible' em apostador

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

18/04/2023 14h56

A operação contra manipulação de jogos em campeonatos de futebol, inclusive na Série A do Brasileirão 2022, é resultado de uma apuração que começou com um presidente de clube e um "drible" em um dos apostadores que comandavam o esquema.

O que aconteceu

A operação Penalidade Máxima II, deflagrada hoje (18) pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), é desdobramento de um dossiê feito inicialmente pelo presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo.

Hugo se aproximou de um operador de apostas que estava cobrando jogadores supostamente envolvidos no esquema. Ele disse que poderia ajudar.

O dirigente conseguiu até mesmo que o homem lhe enviasse um comprovante de depósito de R$ 10 mil feito na conta do jogador Gabriel Domingos, à época no time goiano.

As informações foram passadas ao MP, que avançou nas investigações e as usou em fevereiro deste ano, na primeira parte da Penalidade Máxima.

Com esses detalhes, foi possível entrar com uma ação na Justiça de Goiás e tornar réus 14 suspeitos de envolvimento no esquema, entre os operadores das apostas, setor administrativo e jogadores.

O início do papo

Hugo Jorge Bravo, presidente do Vila Nova - Igor Siqueira/UOL - Igor Siqueira/UOL
Hugo Jorge Bravo, presidente do Vila Nova
Imagem: Igor Siqueira/UOL

O presidente do Vila Nova é policial militar e se aproximou de Bruno Lopez dando a entender que o ajudaria a resolver um problema com Romário. Esse jogador seria responsável por fazer com que um pênalti acontecesse contra o Vila Nova no primeiro tempo da partida contra o Sport, pela Série B 2022.

O jogador do Vila não conseguiu fazer o pênalti supostamente combinado, o que "quebrou" a aposta conjunta e aí a cobrança do apostador apareceu.

A questão é que um depósito de R$ 10 mil, parte dos R$ 150 mil prometidos, já tinha sido feita na conta de Gabriel Domingos, como adiantamento.

A conversa se desenvolveu a ponto de Bruno contar como foi que organizou esquema similar com jogadores de outros times da Série B, como Sampaio Corrêa e Tombense. Os jogos envolvidos foram: Vila Nova x Sport, Tombense x Criciúma e Sampaio Corrêa x Londrina.

As informações constam na denúncia ao MP.

O desenrolo

Hugo: Estou ligando para falar do Romário. Posso te ajudar.

Bruno: Fala, Hugo. Boa noite. Vc sendo presidente vai ajudar esse meinino a pagar a situação e orientar ele? Porque até o dinheiro que ele colocou no bolso ele gastou e não devolveu. Cada dia promete algo, e agora sumiu e parou de responder.

Hugo: Eu ainda não sei como fazer. Sinceramente! Mas tem que ter uma resolução. Você depositou direto para ele ou pro Domingos?

Bruno: Domingos. E Domingos repassou a ele (Romário).

Hugo: Você se importaria de me mandar o comprovante? Porque aí vou ver alguma possibilidade até de bloquear o salário dele.

Bruno envia o comprovante de depósito de R$ 10 mil a Gabriel Domingos. A conversa continua depois.

Hugo: E como que você fez com o atleta do Sampaio e da Tombense? Estão te cobrando também?

Bruno: Ainda não receberam o que deviam. Cobrança em cima de mim. Óbvio. Fizeram o trabalho. Tem que receber.

Hugo: Você está cobrando do Romário só os R$ 10 (mil)?

Bruno: Não. Não. Ele sabia do tamanho da operação. Sabia que a operação dependia dos três atletas fazerem.

Hugo: Certo. E qual será o valor total que ele deve para você?

Bruno: R$ 30 mil em sinais para jogadores. R$ 10 mil para cada atleta. Mais R$ 140 mil que ainda tenho que pagar para [jogador do] Tombense e R$ 140 mil para [jogador do] Sampaio. Mais R$ 47 mil em entradas que perdemos.

Trecho do áudio de conversa enviado por Bruno ao presidente do Vila Nova sobre Romário

"Meu amigo, como ele vai pagar eu não sei. Se ele rescindiu com vocês, ele vai dar algum jeito de... de ter que fazer alguma coisa pra nós pra... pra... pra pagar o que deve. Entendeu? O que ele não pode é ter pego... te pego dez... dez mil, que não é dele e já ter gasto. Né? Sumir com o dinheiro e agora ter que ficar pagando picado e além de tá pagando picado né, deixa a gente no prejuízo de quase meio milhão. Então algum jeito ele tem que dar."

A primeira denúncia do MP

Denúncia oferecida pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) enquadrou 14 pessoas, das quais seis são integrantes de grupo criminoso (apostadores e operadores). Oito são jogadores.

Romário (ex-Vila Nova), Joseph (Tombense), Mateusinho (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Cuiabá), Gabriel Domingos (Vila Nova), Allan Godói (Sampaio Corrêa), André Queixo (ex-Sampaio Corrêa), Ygor Catatau (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Irã), Paulo Sérgio (ex-Sampaio Corrêa).

A segunda operação

Na segunda fase da operação Penalidade Máxima, há suspeitas de que o grupo criminoso tenha concretamente atuado em pelo menos cinco jogos da Série A do Brasileirão 2022, além de cinco partidas de estaduais em 2023, entre eles, os campeonatos Goiano, Gaúcho, Mato-Grossense e Paulista.

Hoje (18), foram cumpridos três mandados de prisão preventiva e 20 mandados de busca e apreensão em 16 municípios de 6 estados.