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Scarpa não cogita voltar e busca espaço na Inglaterra: 'Questão de tempo'

Thiago Arantes

Do UOL, em Sandiacre (ING)

10/03/2023 04h00

Gustavo Scarpa estaciona o carro, abre a porta do lado direito, cumprimenta uma vizinha e, ao entrar em casa, vê uma sacola cheia de produtos brasileiros ao lado da porta. A cena, em uma tarde fria de Sandiacre, a 10 km de Nottingham, parece comum. Mas, nesses pequenos gestos, o meio-campista mostra que está se adaptando rapidamente à vida na Inglaterra, onde chegou em dezembro. Só falta uma coisa, a mais importante: completar a adaptação e se firmar na Premier League.

Em pouco mais de dois meses, Scarpa participou de oito partidas do Nottingham Forest, seis delas como titular. Ainda não marcou gols ou deu assistências. No domingo, contra o Everton, ele não foi relacionado pelo técnico Steve Cooper nem para o banco de reservas. Mesmo assim, o brasileiro não se preocupa.

"Eu estava estranhando porque aconteceu tudo muito rápido, de já começar a jogar, ter oportunidades. Agora estou tendo um pouco menos, mas acho que são coisas normais, todo mundo passa por isso, eu mesmo já passei algumas vezes no Brasil", disse em entrevista ao UOL, em casa, na Inglaterra.

O meio-campista revelou que recebe mensagens de torcedores do Palmeiras todos os dias, agradeceu a eles pelo carinho, mas descartou voltar para o futebol brasileiro a curto prazo.

Eu não quero simplesmente chegar aqui, ficar seis meses, falar 'tive minha experiência e vou voltar pro Brasil', porque seria muito confortável para mim. Eu não posso escolher ficar num lugar porque para mim vai ser um pouco mais fácil" Gustavo Scarpa.

Leia a entrevista completa com Gustavo Scarpa:

VIDA NA INGLATERRA - "Eu vim aqui pra viver uma nova experiência"

UOL - A adaptação à Inglaterra envolve muitas coisas. Mas, pra começar: já se acostumou a dirigir na mão inglesa?

Gustavo Scarpa - Quando eu cheguei e estava no banco do passageiro, eu estranhei bastante. Eu achava que teria um pouco de dificuldade, mas no primeiro dia que comecei a dirigir foi super tranquilo. Depois de algumas semanas eu fui para Paris, e Paris é igual no Brasil. E eu já achei estranho lá. Falei "nossa, acho que já virei britânico".

A culinária inglesa é bem diferente da brasileira. Isso tem sido um problema?

A gente achou um fornecedor de comida brasileira que tem nos ajudado muito, principalmente com coisas básicas: arroz, feijão, açaí. A comida aqui é um pouco diferente do que estamos acostumados no Brasil, e estou tentando procurar restaurantes legais. Tem bastante opção aqui em Nottingham.

Gustavo Scarpa vem se adaptando à cultura local - Jon Hobley/MI News/NurPhoto via Getty Images - Jon Hobley/MI News/NurPhoto via Getty Images
Gustavo Scarpa, meio-campista do Nottingham Forest (ING)
Imagem: Jon Hobley/MI News/NurPhoto via Getty Images

E como tem sido a experiência com o idioma?

Eu to tentando dar um "up" no meu inglês. Já tenho um inglês muito bom, com sotaque americano, é difícil entender o sotaque britânico? Mas eu já comecei meu Duolingo no nível hard pra tentar melhorar meu inglês. Mas é super legal vivenciar o dia a dia falando só em inglês, resolver tudo em inglês.

PREMIER LEAGUE - "Eu usava o 14 quando criança por causa do Henry"

Quais as principais diferenças que você percebeu no futebol daqui?

Eu não digo que é mais competitivo, mas tem muito mais briga, mais disputas, mais porrada, no bom sentido. É um futebol de mais contato, mas que não deixa de ser extremamente técnico. Acho que a maior diferença é a questão das faltas: no Brasil tem lances que o jogador levaria até cartão amarelo, e aqui o juiz não dá nem falta, deixa o jogo correr. É uma experiência bem diferente, mas é legal de vivenciar.

Quando a Premier League entrou na sua vida?

Quando meu pai colocou TV a cabo em casa, eu comecei a acompanhar alguns jogos, tinha 11, 12 anos e criei muito interesse. Quando eu jogava na base do Guarani eu usava o número 14 por causa do Thierry Henry, eu comecei a acompanhar desde cedo, virou um sonho e hoje é gratificante poder realizar.

Você falou do Henry. Além do Arsenal, que outros times você assistia?

Eu assistia todos os times grandes: o Arsenal, o Manchester United, o Liverpool. Todos os times grandes encantaram muitas gerações e a minha também. Foi muito legal poder acompanhar muitos jogadores, e hoje jogar contra esses clubes me faz lembrar da época que eu comecei a assistir, de tudo o que eu vi, e do tanto de tempo que eu esperei para poder chegar até aqui.

Gustavo Scarpa, do Nottingham Forest, em jogo contra o Wolverhampton - Paul ELLIS / AFP - Paul ELLIS / AFP
Gustavo Scarpa, do Nottingham Forest, em jogo contra o Wolverhampton
Imagem: Paul ELLIS / AFP

Tem algum desses clubes que você não enfrentou e está contando os dias para enfrentar?

De time grande? Teve o jogo contra o City, mas eu não joguei. Contra o United já jogamos, o Chelsea eu enfrentei pelo Palmeiras. Acho que o City e o Liverpool.

E dos estádios, qual você mais gostou até agora?

Gostei muito do Old Trafford. É muito gigante, muito organizado. Ao mesmo tempo que é um estádio moderno, tem algumas coisas antigas, mas é super bem cuidado. Gostei bastante e o campo é muito bom.

Qual jogador da Premier mais te impressionou até agora?

No jogo contra o Manchester United deu para ver que o Bruno Fernandes e o Rashford são jogadores realmente diferentes. Foi bem legal de acompanhar. Talvez pela TV a gente não perceba algumas coisas, mas quando joga contra eles, dá para falar que são diferenciados.

O INÍCIO NO NOTTINGHAM - "Conquistar meu espaço é questão de tempo"

Você conquistou a torcida antes mesmo de jogar, por causa de coisas como o skate ou o cubo mágico. Os torcedores perguntam muito pelos seus hobbies?

As pessoas falam do skate, falam do cubo mágico. Me param para falar dessas duas coisas. Colocaram até um anúncio do cubo mágico durante um jogo. É legal ver as crianças falando sobre isso, já me deram de presente um skate, um cubo mágico. Eu gosto muito de estar no mundo do futebol, mas também de levar as pessoas para outros lugares.

Por que você acha que ainda não teve uma sequência no time?

É um pouco de tudo. Eu digo que a adaptação é fácil no sentido de não ver problema em fazer coisas novas. Mas é claro que leva um tempo para conseguir colocar meu estilo de jogo à disposição, jogar numa posição que eu me sinta mais confortável, mas é normal essa adaptação. As questões técnicas e táticas sempre estão envolvidas, mas o que cabe a mim é fazer minha parte, trabalhar.

Kenny Tete, do Fulham, disputa a bola com Gustavo Scarpa, do Nottingham Forest - Paul Childs/Reuters - Paul Childs/Reuters
Kenny Tete, do Fulham, disputa a bola com Gustavo Scarpa, do Nottingham Forest
Imagem: Paul Childs/Reuters

Às vezes você pensa que trocou um time onde estava consolidado para começar do zero, ou do "quase zero" aqui?

A escolha de ter vindo para cá foi muito pela realização de um sonho. E eu sou uma pessoa que, dá pra perceber até pelos hobbies que eu tenho, insisto até conseguir. Eu não quero simplesmente chegar aqui, ficar seis meses, falar "tive minha experiência e vou voltar pro Brasil", porque seria muito confortável. Mas o que eu busco hoje em dia não é o conforto, na verdade nunca foi. Eu busco me sentir confortável no sentido de conquistar o lugar, conquistar o espaço, conquistar a minha posição. Mas eu não posso escolher ficar num lugar porque para mim vai ser um pouco mais fácil, sabe. Eu sei que muitas pessoas pedem para que eu volte, mas torcem demais pelo meu sucesso aqui, e isso me deixa feliz.

Qual é seu plano de futuro aqui em Nottingham?

A ideia é conquistar meu espaço, de uma forma bem efetiva. Desempenhar um excelente futebol, ter uma sequência boa, fazer gols, dar assistências. O carinho, a admiração deles, será uma consequência do meu futebol mostrado em campo. É questão de tempo, mas depende muito da minha dedicação durante esse tempo.

PALMEIRAS - "Ainda recebo muitas mensagens da torcida"

Quantas vezes por dia recebe mensagem de torcedor do Palmeiras pedindo para você voltar?

Eu tenho recebido bastante mensagem, muitos comentários. É muito legal ver o carinho do pessoal, eu sei o quanto foi difícil conquistar a confiança da torcida, do pessoal do clube, porque o futebol no Brasil tem muita pressão, é difícil. Mas é legal demais receber esse carinho, eu fico muito feliz, quando recebo algumas mensagens falando que a pessoa aprendeu a andar de skate ou voltou a andar por causa de algum vídeo, ou que aprendeu a resolver o cubo mágico, é legal ser uma referência boa para as pessoas.

O Veiga e o Rony, seus ex-companheiros, foram convocados para seleção pela primeira vez. Você acabou fora da lista, o que passa pela cabeça?

Eles mereceram muito, porque trabalham demais. Mandei mensagem pro Veiga e disse para ele que, se tiver um pênalti, ele tem que bater. No meu caso, quem sabe numa próxima. A gente sempre espera, torce. É aquele discurso de sempre: continuar fazendo minha parte, preparando, que as coisas acontecem.

Um dos assuntos do momento no Brasil é o técnico da seleção e o nome do Abel Ferreira sempre aparece nas discussões. Você gostaria de vê-lo na seleção?

Acho que desde que ele chegou ao Palmeiras tem sido o melhor técnico do país. Ele e a comissão têm mostrado um excelente trabalho. Não sei qual é o desejo dele, e da comissão. Caso acontecesse seria muito merecido. Mas acho que, ele indo ou não, eu precisaria jogar bem. Não sei se mudaria tanto nesse sentido. Acho que seria uma experiência boa, tanto para ele quanto para a seleção.