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Ney Franco relembra conquista e cita caso marcante de Neymar com fast food

Neymar cumprimenta Ney Franco em jogo do Brasil contra a Colômbia - Pilar Olivares/Reuters
Neymar cumprimenta Ney Franco em jogo do Brasil contra a Colômbia Imagem: Pilar Olivares/Reuters

Thiago Fernandes

Do UOL, em São Paulo

13/02/2021 04h00

O Brasil celebra dez anos do título do Sul-Americano Sub-20 de 2011. Técnico do time à época, Ney Franco concedeu entrevista ao UOL Esporte e relembrou detalhes da conquista com a seleção brasileira da categoria. Responsável por liderar jovens de talento, como Neymar, Lucas Moura e Casemiro, o treinador conta que em meio à competição, ocorrida no Peru, se tornou aliado do grupo e cita um caso marcante que exemplifica o bom relacionamento, que dura até os dias de hoje.

Um pedido de Neymar, hoje estrela do PSG, para comer um sanduíche da rede de fast food McDonald's foi o caso mais emblemático para Ney Franco. Não pelo simples desejo do garoto de 19 anos, mas pela forma como ele compreendeu a resposta negativa da comissão técnica e influenciou todo o elenco a entender que aquilo seria benéfico.

"Embora a maioria já estivesse no elenco profissional, foi um trabalho muito fácil de ser realizado, todos respeitaram muito a gente, eles passaram Natal e Reveillon juntos conosco na Granja Comary. Uma das histórias que mais me marcou foi que, no torneio no Peru, já na competição, o Neymar, em alguns momentos, representava o grupo, algumas questões do dia a dia. A gente terminou o jogo, um jogo de classificação, que terminou numa quarta-feira, a gente precisava recuperar os atletas. Após a vitória, o Neymar pediu para que alguns jogadores fossem liberados para comer no McDonald's", citou Ney Franco em entrevista ao UOL Esporte.

"A gente explicou, junto com o preparador físico, para segurarem um pouco, que o melhor era comer o carboidrato no restaurante. A alimentação faz parte da recuperação dos atletas. O Neymar, com todo o seu domínio sobre o grupo, conseguiu aceitar que estávamos certos e segurou a onda. Parece pequeno, mas é um fator interessante que mostra a boa relação que tínhamos. Isso foi marcante, jogamos bem e conquistamos o título da competição", acrescentou.

A boa relação com os atletas perdurou e, inclusive, se intensificou com Lucas Moura. O jogador do Tottenham, da Inglaterra, chegou a apontar Ney Franco como o técnico que mais acreditou em seu trabalho.

"O Lucas deu uma declaração que fui um dos treinadores que mais acreditou no potencial dele. Eu tive duas experiências com ele, na Sub-20 em 2011. Depois, trabalhei com ele no São Paulo, com o Casemiro também. Com o nosso trabalho no São Paulo, o Lucas se firmou de vez no time principal. O Lucas já jogou dessa forma comigo na seleção e, para ele, foi um ajuste, era a forma que ele mais gostava de jogar, aberto pela direita para puxar ataque em velocidade. O segundo semestre do Lucas no São Paulo, em 2012, foi o cartão de visita para que ele fosse negociado por um valor muito alto na época. Ele mostrou muito profissionalismo. Já negociado, ele não se poupou em nenhum momento. Ele mostrou caráter e compromisso com clube, mesmo sabendo que já estava contratado pelo PSG", citou o comandante.

Naquele mesmo ano, o Brasil venceu também o Mundial Sub-20 sob a batuta do treinador. Sem Neymar e Lucas Moura, já convocados para a seleção principal por Mano Menezes, o técnico passou a contar com Dudu e Coutinho. O título também é o último do país até hoje.

"Foi interessante, a base do Mundial era a mesma do Sul-Americano Sub-20. Só que a gente perdeu o Neymar e o Lucas, ambos foram convocados para disputar a Copa América. O questionamento era se a gente conseguiria ir tão bem sem as duas peças que foram ponto de desequilíbrio. Existia esse questionamento e, no meio da gente, é preciso achar substituto à altura. Convoquei o Dudu para o lugar do Neymar e o Coutinho para o lugar do Lucas. A gente armou um time forte para o Mundial. A gente passou por escolas bacanas, contra a Espanha na semifinal e Portugal na decisão", declarou.

"Os jogadores se entregaram muito nos treinamentos. As negociações com os clubes para a liberação dos atletas foram muito interessantes. A gente tentou dar uma experiência internacional para os atletas. A ideia era dar uma valorização econômica dos atletas. Se os jogadores vão bem na competição, o mercado se abre para os jogadores. Tirando o Coutinho, que estava na Europa, todos os outros estavam no Brasil ainda", completou.

Confira, abaixo, outros trechos da entrevista exclusiva de Ney Franco ao UOL Esporte:

Trabalho com jovens: "Esse foi um dos motivos da CBF me procurar para a minha contratação. Eu estava no Coritiba, liderando a Série B em 2010. Era uma geração talentosa, com jogadores em times profissionais. Eles me procuraram para não correr riscos na competição (Sul-Americano 2011). Vendo hoje, depois de dez anos, essa seleção teve muito mais que apenas o título. A maioria dos jogadores vingou. Aqueles que não vingaram também têm o seu mercado. Juntou tudo, o trabalho da nossa comissão técnica com a estrutura que a CBF nos ofereceu. Foram jogadores que vingaram".

"Quando o Adalberto [Batista] me chamou para conversar com o São Paulo, ele me disse que o mercado me conhece como alguém que trabalha com a base. É um perfil de trabalho que eu gosto, gosto de lançar, assim como fiz com o Renato Augusto na final de 2006, em um Flamengo e Vasco. Em 2010, peguei o Dudu, que era junior do Coritiba, e levei para o Coritiba, como peguei o Michael em 2018 no Goiás, na Série B. Comecei a utilizar esse atleta e ele foi determinante para o acesso do Goiás em 2018. Esse tipo de trabalho me atrai muito".

Por que Brasil nunca mais venceu Sul-Americano e Mundial: "É difícil falar, porque em termos de estrutura de 2012 para cá, até melhorou a estrutura da CBF. Passaram boas comissões técnicas nas seleções de base também. A gente teve bons treinadores. Fica difícil dar um motivo para não ganhar, talvez esteja mais aplicado à geração boa que trabalhamos, à felicidade que tivemos na convocação. Várias comissões estiveram na CBF, a estrutura melhorou ainda mais, mas algum detalhe pode ter interferido nas competições. As equipes da América do Sul evoluíram muito na parte técnica e tática. O futebol sul-americano evoluiu muito neste aspecto. Hoje, qualquer país da América do Sul, tem comissão técnica competente. Esses países têm investido muito em parte tática e técnica. O Uruguai tem uma escola que marca forte. É uma competição difícil, não é fácil ganhar".

Evolução dos jovens: "A maioria dos jogadores já estava no profissional, mas o único estabelecido na equipe principal era o Neymar, que jogou em 2010 pelo Santos. O Casemiro e o Lucas estavam no São Paulo, Oscar no Inter, Juan no Inter, Fernando no Grêmio... Esses outros jogadores estavam no profissional, mas sem a definição de ser o jogador para resolver os problemas técnicos da equipe. Depois desse Sul-Americano, todos esses jogadores tiveram um salto maior, de respeito. Depois do Mundial, eles evoluíram ainda mais".

Saída da seleção para o São Paulo: "Antes de falar da saída da seleção para ir ao São Paulo, tenho que voltar à minha contratação. Ela foi feita pelo Ricardo Teixeira e pelo Mano Menezes. Eu estava no Coritiba em 2010, liderando a Série B do Campeonato Brasileiro. Em setembro daquele ano, o Mano Menezes foi até Curitiba e me fez o convite para assumir a seleção sub-20. Eu também virei coordenador da base. Naquela época, a seleção não contratava treinadores para ficar nas seleções, eles eram contratados só para as competições. Eu fui com a função de contratar os treinadores da sub-15 e da sub-17. Eu teria que me desligar do Coritiba imediatamente no mês de setembro. Eu mostrei para eles que precisava fechar a competição, colocando o Coritiba na Série A. Isso tudo, porque na minha saída já havia mudado essa estrutura. O Ricardo havia saído da CBF, era o Marín. Teve uma mudança em 2012, teve uma mudança de treinador no São Paulo, e o presidente ligou para o Marín à época falando que tinha interesse no treinador, em meu nome, perguntando se poderia fazer uma proposta para mim. O Adalberto Batista, diretor de futebol do São Paulo à época, foi ao Rio, a gente se reuniu e tinha uma boa proposta do São Paulo. Ao mesmo tempo, tinha mudado a filosofia da CBF. Eu percebi que era o momento de sair. A minha decisão, que acho acertada, me fez ter uma boa campanha em 2012, com vaga na Libertadores, sem contratação nenhuma, só recuperando alguns jogadores, como Osvaldo, Jadson e Willian José. Ganhamos também uma Sul-Americana pelo São Paulo. Foi em função de receber uma boa proposta do São Paulo e mudar um pouquinho como estava sendo gerida a CBF naquele momento, mas o presidente à época me deixou à vontade para decidir. Em nenhum momento, ele mostrou que seria importante para o projeto".