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Campeão pelo Corinthians vê carreira "manchada" por doping e se reinventa

Lincom, atacante campeão brasileiro pelo Corinthians em 2015, atuou 33 minutos em três jogos da campanha - Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians
Lincom, atacante campeão brasileiro pelo Corinthians em 2015, atuou 33 minutos em três jogos da campanha Imagem: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians

Gabriel Carneiro e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

21/08/2020 04h00

Só alguns meses separaram o ponto mais alto do mais baixo da vida de Lincom.

O mais alto é o título do Campeonato Brasileiro de 2015, cuja medalha dourada ocupa um espaço nobre na casa do atacante. Ele é torcedor do Palmeiras de infância e alcançou a grande glória pelo rival Corinthians, com três jogos disputados na campanha. Já o ponto mais baixo meio que ainda não passou: ele cumpre uma suspensão por doping de quatro anos.

A história foi assim: em 2018, quando atuava pelo Santo André, ele foi flagrado nos exames por alta dosagem de testosterona na urina. Foi suspenso preventivamente, justificou usando o suplemento manipulado que tomava, foi julgado, condenado e recorreu, todo o protocolo já conhecido. Mas não deu em nada. Agora, está conformado.

"Testosterona eles entendem como um doping grave, como se fosse uma multa de trânsito gravíssima, então eles me deram a punição máxima. Se fosse maconha ou cocaína, eu já estaria jogando", desabafa o jogador que atuava pelo Vila Nova na época da notificação do doping.

Quando acabar a suspensão, eu vou estar com 37 anos. Minha intenção era voltar a jogar para não manchar a minha carreira. Já manchou de certa forma, mas eu não queria encerrar pelo doping, entendeu? Não quero permitir que o doping encerre a minha carreira, quero voltar nem que seja por seis meses, um ano, sei lá. Eu tenho isso em mente."

Desde o início da punição, Lincom engordou 10 kg. Hoje, sua grande preocupação para voltar a jogar é esse aspecto físico. Mas já não é algo que tire o sono. Pelo menos até o fim do ano que vem, futebol é assunto só para os microfones.

Nas ondas do rádio

Morador da cidade de Birigui, no interior de São Paulo, Lincom foi convidado há seis meses para participar de um programa de rádio chamado "Resenha da Pérola", da Pérola FM. Um noticiário esportivo diário de 20 minutos de duração. Adaptações no formato e o aumento do interesse do público levaram a duas edições por dia, meia hora pela manhã e uma hora à noite. Lincom virou participante fixo.

O programa busca uma linguagem parecida com o "Jogo Aberto", da Band, com traços clubistas na discussão. O ex-jogador do Corinthians é o representante palmeirense.

Lincom - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Comentarista palmeirense divide programa com Amanda Mazzucato, corintiana, Alex Brasileiro, são-paulino, e Deivid Ribeiro, santista
Imagem: Reprodução/Instagram

"Eu estou gostando demais, o programa está me deixando muito bem e eu tenho sido elogiado. Eu evito muito fazer crítica, mas às vezes o pessoal quer que seja um pouco mais verdadeiro, para não ficar passando muito pano, digamos assim, e eu já fiz algumas críticas. Abriu um leque na minha cabeça de opção de profissão. Por que não?".

"Pão-durice" premiada

Lincom sentiu que deu certo no futebol em 2009, depois da artilharia da Série A2 do Campeonato Paulista pelo Rio Branco. De lá, foi negociado com o Sport e começou a fazer contratos melhores. Consciente da fragilidade da carreira, montou o chamado pé de meia com investimentos em imóveis. Carregou por anos uma fama de pão duro que agora, na crise, se justifica.

"Eu via dinheiro na conta e investia. Meu apartamento é próprio, tenho outro imóvel no centro da cidade que estou reformando, três casas alugadas, uma área de lazer e uma papelaria. Esse foi o maior investimento que eu fiz, em 2015, paguei em torno de R$ 500 mil. Era uma papelaria antiga que eu comprei, reformei e hoje é o que estou tocando. Vendo artigos escolares, para escritório e presentes. A gente tem uma gráfica também, então, faço banners, cartão de visita, faixas, quadros, adesivos..."

Lincom em papelaria - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Mix B&R Papelaria e Artes Gráficas é o negócio do jogador em Birigui, interior de São Paulo
Imagem: Reprodução/Instagram

"Hoje eu penso: ainda bem que eu fiz isso, senão ia perder tudo."

A reflexão de Lincom é explicada pelo fato de que o investimento em advogados e viagens para evitar a suspensão por doping minou o restante das economias. "Gastei uma nota e não consegui nada. Dinheiro mesmo que eu tinha em conta foi tudo embora", relata.

Além da perda de dinheiro, o atacante diz que ficou depressivo durante o período de indefinição sobre o doping, abusou do álcool e ainda enfrentou uma separação. "Eu fiquei muito mal durante um ano, um ano e pouco. Pelo menos seis meses sem conseguir dormir direito, isso me matava. Mas hoje eu estou bem recuperado, voltei à minha autoestima normal."

Tempos de Corinthians

Lincom defendia o Bragantino com destaque na Série B quando apareceu uma oferta do Corinthians, que tinha Vagner Love sob críticas como titular do técnico Tite. Era um empréstimo de só quatro meses, na reta final da briga pelo título nacional. Deu para fazer só três jogos, 33 minutos ao todo. E gritar campeão, é claro.

Eu não tive nenhuma oportunidade de fazer um gol. Nem de perder gol eu tive oportunidade (risos). Então, eu tenho essa frustração, não nego. Sou muito grato por ter chegado ao Corinthians, eu realizei um sonho, mas a gente sempre quer mais. No fim muitos jogadores vão ter bastante partidas, bastante gols aí no Brasileirão, mas não vão ter a medalha de campeão que eu tenho."

Lincom diz que se arrepiava em todos os jogos na Arena por causa da força da torcida e faz muitos elogios ao técnico Tite, ainda que não tenha permanecido em 2016, quando o clube contratou André. Ele lembra que o atual comandante da seleção brasileira tinha até prometido mais espaço time no ano seguinte, mas o Corinthians não tentou sua permanência. Voltou ao Bragantino, depois São Caetano, Brasil-RS, Santo André e Vila Nova.

Lincom no Corinthians - Mauro Horita/AGIF - Mauro Horita/AGIF
Imagem: Mauro Horita/AGIF

Nunca jogou no Palmeiras, o time do coração. "Em 2009 eu tive uma conversa com o Palmeiras. Era minha preferência, mas eles tiveram medo de contratar um jogador da Série A2 e ficaram enrolando. O técnico era o Vanderlei Luxemburgo na época, mas me deixaram esperando. Aí, ele saiu, veio o Muricy com outros planos, eu recebi proposta do Sport e fui. Depois nunca mais teve papo", relembra.

O Palmeiras só foi lembrado quando apareceu a oportunidade de jogar no... Corinthians.

"Eu tive que entrar nas redes sociais e apagar tudo que eu tinha. Era foto com o meu filho com a camisa do Palmeiras, um monte de coisa, apaguei tudo (risos). Quando o pessoal perguntava que time que eu torcia, eu tinha que dar uma escapada da pergunta, porque eu não gosto de mentir, não ia falar que torcia para o Corinthians sendo que eu não torcia. Então, quando faziam essas perguntas eu tinha que escapar. Também teve o caso que eu cheguei no Corinthians com uma chuteira verde. Não era nem verde, era fluorescente. Mas o roupeiro disse: 'com essa não vai entrar aqui, não."

Ele usou a cinza.