Topo

Tinga vê evolução no combate ao racismo, mas alerta: 'O pior é o olhar'

Milton Leite e Tinga - Divulgação
Milton Leite e Tinga Imagem: Divulgação

Colaboração para o UOL, em São Paulo

29/09/2019 00h06

Convidado do Grande Círculo, programa do SporTV, deste sábado, Tinga destacou a evolução no combate ao racismo no futebol. Recordando o episódio da Libertadores de 2014, quando, atuando pelo Cruzeiro, foi alvo de racismo por parte da torcida do Real Garcilaso (PER), o ex-jogador afirmou que 'estamos em evolução' simplesmente por debater a questão.

"Estamos em evolução só de estar falando, comentando, pesquisando. Acredito que o mundo está em evolução. Tem muito a ser feito, mas o estádio é reflexo da sociedade. Não posso pensar que o estádio seria diferente, já que a gente abre o jornal, e as famílias estão com problemas, as pessoas estão cada vez mais agressivas. Não vai ser o futebol o parâmetro para a educação do nosso país, já que nosso país, e também o mundo, está violento. O racismo é um crime. Se tem crime em todos os lugares, não é no futebol que vai ser diferente", falou o ex-jogador.

Recordando o caso de racismo de 2014, Tinga afirmou que o preconceito que mais lhe machuca, no entanto, acontece fora das quatro linhas.

"Sinceramente, isso não foi a coisa que mais me machucou em termos de preconceito. O preconceito que mais me machucou, e machuca, é no olhar, é quando tu chega em um ambiente. Não que eu queira que as pessoas se acostumem com isso, mas cresci jogando, escutando algumas coisas. O que me machucou muito, e me fez querer provar o contrário, foi mais no olhar. Depois, com o trabalho, com o jeito, é uma alegria poder mudar a história. Foi muito ruim na hora, durante o jogo, quando aconteceu, mas os olhares muitas vezes são mais fortes do que as próprias palavras", completou.

Na sequência, o ex-jogador recordou sua passagem como gerente de futebol do Cruzeiro (2016-2017), afirmando que aproveitou a oportunidade para 'mostrar para as pessoas que é possível galgar coisas melhores'.

"Uma das coisas que me prontifiquei a fazer é me colocar em uma situação, dentro do futebol, que eu pudesse incentivar as pessoas. Vivemos no país do futebol, onde a maioria dos protagonistas são negros. Dos melhores do mundo, o único que não foi negro ou pardo foi o Kaká. E a gente não tem protagonismo como treinadores, como gestores. Eu ser gerente de futebol, como fui no Cruzeiro, foi uma das propostas de entrar em uma área em outra posição e mostrar que somos capazes, que não é só ser treinador ou empresário. Quis ir para uma área com o cabelo assim, mesmo que o diretor queira cortar, para mostrar no trabalho e incentivar, mostrar com trabalho nos meus negócios. Às vezes, os olhares são diferentes, mas com o trabalho, com o conteúdo, tento incentivar as pessoas de que é possível, independentemente de raça e sexo, galgar coisas melhores", argumentou.

Aproveitando o gancho, o mediador Milton Leite pediu para Tinga contar o episódio onde um clube, ao fazer uma proposta ao ex-jogador, pediu para que ele cortasse o cabelo.

"O clube, eu não vou comentar, até porque conheço o presidente. Fui num tom de brincadeira. No futebol, muitas vezes a gente fala a verdade em tom de brincadeira. A gente conversou sobre eu trabalhar, e eu não ia dar a resposta na hora, como nunca dou, e ele falou: 'Tu já pensa e já vem com o cabelo cortado'. Ele largou essa brincando, e respondi brincando: 'Tu quer meu cabelo ou quer meu trabalho?'. Acabei não acertando com esse clube, não só por isso, mas por outras coisas. Existiu isso também", revelou.

Saindo do mundo da bola, Tinga foi questionado sobre as cotas raciais em universidades e, usando sua esposa como exemplo, defendeu que o filtro utilizado não é o ideal. Mesmo assim, o ex-jogador aprova a medida.

"Teve um determinado momento em que não conhecia a história e discutia o porquê das cotas. O maior problema das cotas é o nome ser cota. Se fosse oportunidade, talvez fosse diferente. Talvez erraram no nome. Penso que ela é necessária. Tem que haver. Talvez a maneira como a gente não conseguiu filtrar quem seria beneficiado fez o negócio ficar como se não merecesse. Se pegar a população carente, pobre, só pela parte financeira, a maioria já seria negra. Minha esposa é branca, de família italiana, e cresceu comigo na mesma favela, também teria direito", opinou.

Para entrevistar Tinga, foram convidados Marcelo Carvalho (Observatório da Discriminação Racial no Futebol), a repórter Flávia Oliveira (Globo News), o jornalista Diogo Olivier (jornal "Zero Hora" e RBS), os comentaristas Walter Casagrande e Maurício Noriega (Grupo Globo) e Alexandre Alliatti, repórter do site Globo Esporte.

Volante e meia, Tinga começou a carreira no Grêmio, onde conquistou a Copa do Brasil, foi bicampeão da Libertadores pelo Internacional, e bicampeão brasileiro pelo Cruzeiro, onde encerrou a carreira.