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Liga dos Campeões 2019/2020

Candidato a "Novo Ajax", Leipzig tenta superar tensão regional na Alemanha

Jogadores do RB Leipzig comemoram a vitória sobre o Benfica - Patricia de Melo Moreira/AFP
Jogadores do RB Leipzig comemoram a vitória sobre o Benfica Imagem: Patricia de Melo Moreira/AFP

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, em Lisboa

19/09/2019 04h00

Foram praticamente dez minutos parado na zona mista do Estádio da Luz, em Lisboa, com um batalhão de repórteres ao seu redor com microfones estendidos na última terça-feira. Autor dos dois gols do RB Leipzig na vitória de 2 a 1 sobre o Benfica, pela Liga dos Campeões, o alemão Timo Werner respondia pacientemente a todos quando foi, então, confrontado com uma pergunta: o time pode vir a ser o novo Ajax, sensação da temporada do torneio? Para isso, a equipe, rotulada como a mais odiada da Alemanha, precisa superar a tensão regional do país.

Para a maioria dos especialistas, sobra potencial para isso. A estreia na fase de grupos da Liga dos Campeões com vitória fora de casa é um indício. A liderança isolada neste início de Campeonato Alemão, superando os poderosos Bayern de Munique e Borussia Dortmund, é outro.

Para completar, a exemplo do semifinalista Ajax, a equipe, que funciona como braço esportivo da fabricante de bebida energética Red Bull, é recheada de jovens jogadores em seu elenco. As suas cartas, portanto, estão na mesa.

O sucesso do Leipzig representaria, especialmente, uma mudança no tabuleiro do futebol local, que veria um time do leste do país roubar o protagonismo em campo. O cenário que se desenha coincidiria com o momento em que a Alemanha enfrenta forte turbulência política. Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, ela não se encontrava tão dividida entre os lados oriental e ocidental como agora.

Em eleições estaduais recentes, o partido radical de direita, AfD, conseguiu significativo avanço na conquista de espaço, ressaltando em sua campanha uma suposta falta de atenção do governo da chanceler Angela Merkel a cidadãos da antiga Alemanha Oriental.

Ao lado do recém-promovido Union Berlin, o Leipzig é um dos únicos clubes do Alemão situado nessa parte do país.

Mesmo enfrentando resistência em seu início, a equipe comandada pelo técnico sensação Julian Nagelsmann, de apenas 32 anos, é hoje respeitada e carrega, ao menos parcialmente, os anseios da região de assegurar maior visibilidade e ser tratada de forma igual. Em três temporadas na elite, conseguiu vaga na Liga dos Campeões em duas delas e na Liga Europa na outra.

A divisão política entre os lados oriental e ocidental não passa despercebida dentro do Leipzig.

"É um assunto que tem sido cada vez mais falado", conta o atacante brasileiro Matheus Cunha, ao UOL Esporte. "Existe um sentimento, é algo muito forte, porque o outro lado foi desenvolvido muito mais rápido. Logo, aquele lado do país se mostra mais aberto, inclusive, a outros tipos de culturas", acrescenta.

Fugindo ao estilo mais boleiro, com interesse em outros aspectos do dia a dia em seu entorno, o destaque da seleção brasileira olímpica acompanha o racha atual alemão com atenção.

"O nosso lado é um pouco mais antigo em algumas coisas, mas a região tem evoluído muito. Leipzig é uma cidade legal de viver. Acredito que a segunda maior da parte leste. Talvez falte para as pessoas serem um pouco mais abertas. Mas isso é normal, considerando que o alemão é um povo mais fechado, mesmo. Felizmente, nunca me trataram mal", completa.

O próprio RB Leipzig chegou a espalhar mais de 300 cartazes em sua região pregando a tolerância e a diversidade antes das eleições deste mês. O clube negou posteriormente qualquer mensagem política com a campanha. Ele fica no estado da Saxônia, um dos que acompanhou o maior crescimento da extrema direita, com 28% dos votos.

Revelado no Coritiba, Matheus quer fazer apenas o seu papel em campo, sonhando com a Olimpíada de 2020. Ele deixou os gramados brasileiros logo cedo e está em sua segunda temporada no futebol alemão. O paraibano de 20 anos ganhou notoriedade mais recentemente após ser indicado pela Fifa ao prêmio Puskas de gol mais bonito do ano.

Plenamente adaptado, ele nega o rótulo colado ao Leipzig de "time mais odiado da Alemanha", disseminado em virtude de sua origem empresarial e falta de tradição, já que foi fundado há somente dez anos.

"Não sinto tanto dentro do gramado. Muitas pessoas me perguntam isso. Mas eu, como jogador, acabo por não sentir muito. Existe a pressão normal da torcida [adversária], mas nada diretamente sobre o clube em si. Não afeta tanto", desconversa Matheus.

Com todas essas controvérsias ao seu redor, o Leipzig tenta provar que pode ser o "novo Ajax" da Liga dos Campeões.