"Torça como uma mulher" pede segurança e respeito a torcedoras nos estádios
Elas são maioria na população brasileira, com mais de 105 milhões de acordo com um censo da ONU com o IBGE, de 2015. Mesmo assim, ainda são minoria quando se fala de futebol. Vivem preconceito, assédio e desprezo de clubes e marcas em geral. Para tentar mudar este cenário, lutam pelo exercício de sua paixão e avançam, pedindo respeito e segurança. Este é o objetivo de um novo movimento lançado nesta semana, o "Torça como uma mulher", que reúne apaixonadas pelos clubes do futebol brasileiro.
"É para meninas que não se sentem seguras em irem ao estádio, para terem companhia", explica Tatiane Vidal, 34, uma das lideranças do movimento. Corintiana, ela viu movimentos similares em Palmeiras e Santos e procurou torcedoras de outros clubes, tendo em mente a formação de algo nacional. "É um convite em torno dessa hashtag [#TorçaComoUmaMulher]. Não existem diferenças entre o jeito de torcer de homem ou mulher. Mulher também sabe torcer. Que ama, que se dedica, que se esforça para ver o clube. Tem filho, marido, mas mesmo assim vai ao estádio".
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Torcedoras de Athletico, Avaí, Bahia, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fortaleza, Grêmio, Palmeiras, Náutico, Remo, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória subscrevem o movimento - e deixam a porta aberta para outros núcleos femininos.
A empresária Milene Szaikowski, 39, faz mais reivindicações. Torcedora do Athletico, Milene não falta a uma partida do Furacão na Arena da Baixada e convida a outras torcedoras que não se ausentem dos jogos por medo. "Tem aquela cena da mãe com a menininha no colo e o pessoal comentando: 'Ah! Estádio não é lugar de levar criança'. É lugar, sim. Eu vou desde pequena. A gente tem que parar de ter essa guerra, de dizer que estádio não é lugar para a família. Estádio não é lugar de guerra, é lugar de torcer", disse.
Ainda há muito a ser feito. "A mulher tem buscado e conseguido espaços na sociedade e dentro do estádio é uma continuação disso. Ter voz ativa, principalmente em lugares que eram prioritariamente masculinos. E se a gente não se unir em busca disso, fica mais difícil", comentou a atleticana. Entre as dificuldades apontadas pelo grupo estão acesso a banheiros em boas condições para elas e crianças, respeito de torcedores homens e da organização dos eventos.
"Em vários lugares do Brasil os banheiros são bastante precários e as revistas policiais tem poucas mulheres", afirma Tatiane. Milene completa: "Complica até para o pai levar a filha nos estádios. Nem mesmo os estádios Padrão Fifa tem um banheiro-família. Acaba voltando aquele estereótipo de que "estádio não é lugar para levar a menina". O pai só pode ter orgulho do filho torcer para o time dele se o filho for um menino?", questiona. Ambas torcem para clubes que têm estádios novos, mas ainda vem melhorias que poderiam ser feitas. "A gente quer auxiliar o Corinthians nesse ponto. Instalar umas caixas com absorventes, enfim, coisas que sejam úteis às mulheres", comentou Tatiane.
A mulher como objeto: olhares e procura por referência masculina
Stefane Coutinho, a Fani, 24,, é torcedora do Bahia e fundadora do "Tricoloucas", movimento que, nas palavras dela, "nasceu para que nenhuma mulher deixe de ir ao estádio por falta de companhia". "Muitas vezes ouvimos xingamentos. Já chegaram a jogar água na gente. Fora isso, quando vamos ao banheiro, no caminho, a maioria das vezes sofremos assédio verbal e físico", contou ela.
Se a mulher está acompanhada, dizem elas, na maioria das vezes há respeito. Mas, quando estão sozinhas, veem alguns perder o pudor. Foi o que aconteceu com Maria Emilia, 26 anos e também torcedora do Bahia, em um jogo ainda na época em que ia ao estádio sozinha.
"É engraçado que todos são da mesma forma, o cara te olha um bom tempo, analisa se você 'tem dono' naquele espaço, se não está acompanhada. Quando constatam que sim, começam a puxar conversa. O que mais me incomodou foi no jogo Bahia e Paraná, em Pituaçu. O estádio estava lotado, arquibancada apertada, dois gols no final do jogo. No momento de explosão do gol, o rapaz ao meu lado, que já tinha puxado assunto comigo, me abraçou, de frente, e depois de pular comigo falou no meu ouvido 'você é muito gostosa'", relembrou. "Momento de terror em me ver sozinha, com aquele homem me abraçando. Que nojo. Imediatamente saí. Não falei nada, apenas saí". Dali em diante, Emilia encontrou o grupo das meninas. "Esse foi o último caso que eu me senti com medo, acuada, e com nojo, principalmente por ele estar tocando meu corpo."
A regra do impedimento, dentro e fora de campo
A pergunta mais ouvida por elas é: você conhece a regra do impedimento? "É diário. A gente tem que provar de alguma forma que entende, que gosta. Perguntas como 'qual título importante seu time tem', ou mandam a gente lavar louça, perguntam se a casa está limpa", reclamou Tatiane. Ela lembrou ainda um episódio envolvendo a Nike, patrocinadora do Corinthians.
Em 2017 a empresa lançou a camisa "Fé Alvinegra" e as mulheres ficaram de fora: não havia modelo feminino, conta Tatiane. "Não nos viu como consumidoras. Responderam no Twitter que não teria [versão feminina] por que não teria demanda. Aí fizemos uma campanha, "Respeita as Minas" e, depois de dois anos, nos levaram para fazer uma reunião, pedir a opinião das meninas. É uma luta, mas pelo menos conseguimos algo, para sermos vistas como torcedoras, como consumidoras".
Milene é outra que não se cansa de responder "engraçadinhos". Entretanto, como historiadora do Athletico e aficionada por futebol, acaba dando o troco no debate. Ela organiza debates com personagens da história do Furacão, relembrando feitos do clube, com repercussão até na diretoria atleticana.
Se conhecer ou não o impedimento é uma pergunta que cansa as garotas quando o assunto é o jogo, outro tipo de impedimento também é combatido por elas: a prioridade de escolha do time dos filhos. Milene chegou a terminar um namoro com um corintiano. O casal tinha embates sobre o time de um hipotético futuro filho. "É um problema bem comum. Aqui todo mundo é atleticano. O meu namorado hoje é atleticano e isso é pré-requisito aqui. Antes, eu namorava um corintiano que dizia, 'meu filho vai ser corintiano' e eu já dizia que então não teria filho, porque o meu vai ser atleticano. Era bem sério e a gente acabou terminando, porque eu não abria mão. Vai torcer para o Athletico", afirmou.
Ela conta que esse tipo de discussão é recorrente em seu grupo de amigas. "Tem meninas casadas com coxas, paranistas... Existem brigas dentro de casa para ver quem vai influenciar as crianças, acordo para deixar eles escolherem sozinhos. Existe um machismo absurdo, a gente carrega a criança por nove meses. Ele vai estar na minha barriga, vai ver o jogo comigo, vai torcer para o meu time e pronto", disse. Seu tom não era de brincadeira.
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