Rio ainda segue código de segurança contra incêndios da década de 1970
Palco de mais um incêndio de grandes proporções, que resultou na morte de dez jogadores da base do Flamengo no CT do clube na última sexta-feira (8), o Rio de Janeiro ainda segue código de segurança de 1976 contra ocorrências desse tipo. A situação contrasta, por exemplo, com a de outros estados, que têm frequentes publicações desse tipo nos últimos anos.
Atrasado e marcado por casos como o incêndio no Museu Nacional, em setembro passado, o Rio concluiu em dezembro o novo Código de Segurança contra Incêndio e Pânico (Coscip), mas o decreto publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro (DOERJ) no dia 26 daquele mês só entrará em vigor em junho deste ano, quase 43 anos depois do anterior - durante o período apenas atualizações foram feitas.
De acordo com especialista ouvido pela reportagem do UOL Esporte, o uso de um código com mais de quatro décadas dificulta o desenvolvimento da segurança contra incêndios no Estado, pois as atualizações dificultam a interpretação do texto, além de muitas normas já estarem obsoletas.
"A principal causa da quantidade de incêndios está na fraca melhoria em estrutura e normatização com inteligência dos projetos. O Rio tem a situação mais dramática do Brasil, apesar de já ter dado um importante passo, mas algo bem tímido ainda", disse Marcio Ferreira, especialista em combate a incêndios.
No Rio, o código de 1976 recebeu uma série de adendos ao longo dos anos. Por isso, o código ficou confuso. "É um labirinto de normas. Você entra na principal de 1976 e é direcionado para outra e depois para uma seguinte. Isso causa muita dificuldade. É uma luta para descobrir o que precisa. É um remendo de informações, há muita dificuldade para fazer um projeto contra incêndio", explicou o especialista.
Segundo Marcio, até mesmo São Paulo, cuja atualização por meio de decreto é anual, fica atrás de países da América Latina. Alguns deles, como México, Peru e Argentina, utilizam códigos nacionais com base na NFPA (Associação Nacional de Proteção ao Fogo, em português), com normas criadas a partir de uma série de estudos.
No Brasil, os códigos são estaduais. Tal cenário, aponta o especialista, é outro empecilho para o desenvolvimento, pois há uma defasagem em relação à tecnologia de prevenção. "O código nacional seria uma saída. Há 20 anos especialistas apontam isso. No Brasil hoje cada estado decide de uma forma. Isso atrapalha muito", frisou.
Medidas preventivas podem melhorar cenário
Marcio ainda apontou medidas consideradas simples que poderiam ajudar a diminuir o número de incêndios. Uma delas seria um registro do número de incêndios no país. Ele serviria como base para estudos para a prevenção de acidentes.
Outro ponto citado pelo especialista é o uso de detectores independentes, como acontece nos Estados Unidos - a peça custa em média dez dólares (R$ 37,3) Nenhum código de segurança de estados brasileiros exige a implantação da peça que contribui para a diminuição de mortes de pessoas em incêndios durante o período do sono.
Hoje no país, estabelecimentos precisam de um atestado de vistoria do Corpo de Bombeiros, que se baseia no Coscip. Esse documento é exigido pelas prefeituras para a concessão do alvará de funcionamento.
O Flamengo deu entrada no projeto de segurança em 2010, um ano antes de as obras dos módulos serem iniciadas. Desde então os Bombeiros fazem vistorias para fiscalizar o cumprimento das exigências, que nunca foram completamente cumpridas.
A reportagem entrou em contato com o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro para questionar a demora para publicar um novo código, mas não obteve resposta até a publicação do texto.
Na noite da última sexta-feira, a Prefeitura do Rio de Janeiro disse que o CT do Flamengo não tinha alvará de funcionamento. "Há registro de pedido em setembro de 2017. A consulta prévia foi deferida e foram solicitados os documentos necessários para a obtenção do alvará de licença para estabelecimento. O certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros não foi apresentado, portanto, o alvará não foi concedido", disse em nota.
Neste sábado, o Flamengo citou um pico de energia e comentou ainda a falta de alvará. O CEO do clube, Reinaldo Belotti, disse que "alvarás e multas não têm nada a ver com o incêndio que ocorreu".
Corpo de Bombeiros explica
No decorrer dos anos, o Código de Segurança contra Incêndio e Pânico foi atualizado por meio de decretos e legislações complementares. É importante ressaltar que estar em conformidade com as medidas de segurança contra incêndio e pânico é uma obrigação de todos. É de responsabilidade dos administradores das edificações o cumprimento da legislação vigente. É imprescindível a cultura de prevenção na sociedade.
Em relação à segurança contra incêndio e pânico, outra questão que se deve dar atenção, principalmente nas faculdades de Engenharia e Arquitetura, é a formação neste viés e a inclusão de matérias relacionadas ao tema na grade curricular. São esses profissionais que planejam as obras das edificações e devem ter todo o conhecimento para que as construções executem o projeto conforme a legislação e a segurança necessária.
Incêndios:
Sobre o aumento de incêndios citado na matéria, o Corpo de Bombeiros informa, com base nos anuários da corporação, que os incêndios registrados, em 2016 e 2017, por exemplo, não comprovam o argumento citado.
Seguem os dados:
2016 - Total de serviços prestados pelo CBMERJ: 348.568
Incêndios urbanos: 16.372
Escapamentos de gás e explosões: 2.090
*Esses dois tipos representam 5,30% do total de serviços.
2017 - Total de serviços prestados pelo CBMERJ: 399.872
Incêndios urbanos: 17.045
Escapamentos de gás e explosões: 2.018
*Esses dois tipos representam 4,77% do total de serviços.
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