Qatar constrói cidade do zero para Copa, mas não tem população para ocupar
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Era areia, mas em breve será uma das sedes da Copa do Mundo de 2022. Lusail, cidade do Qatar que vai abrigar a abertura e a final do Mundial, começa a ganhar forma com prédios, estádio, sistemas de transporte e até ilhas artificiais no que antes era deserto. Com 38 km2 de área e custo previsto de 45 bilhões de dólares para sua construção, o local promete ser uma das cidades mais inteligentes, sustentáveis e luxuosas do mundo.
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O problema? Não será muito fácil ocupar os prédios e casas que estão sendo construídos na cidade.
Até o final de 2017, o estoque residencial do Qatar era de 286.125 unidades. No segundo trimestre de 2018, esse número subiu para 288.100, aproximadamente. Estima-se que até o final de 2018 serão entregues mais 12.800 mil moradias. Os dados são do relatório publicado pela consultoria ValuStrat em julho de 2018.
Quer dizer: até o fim do ano, serão 300 mil moradias SOBRANDO no país – com uma população de apenas 2,6 milhões. Como comparação, o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes e um déficit habitacional de 6,1 milhões de casas (em pesquisa da Fundação João Pinheiro, de 2014).
Qatar não mede esforços nem dinheiro
Com custo estimado em 45 bilhões de dólares, Lusail é a menina dos olhos da Qatari Diar, a empresa responsável pela empreitada. A construção da cidade faz parte do Qatar National Vision 2030, plano lançado pelo governo para impulsionar o desenvolvimento do país nos âmbitos econômico, ambiental, humano e social. O lançamento do projeto de Lusail data de 2005, mas com a definição em 2010 de sediar a Copa, o país acelerou o ritmo da obra, que contabiliza 45 mil trabalhadores.
Atualmente, a cidade é um grande canteiro de obras, mas já é possível ver prédios, avenidas e estações tomando forma. Entretanto, as ruas permanecem desertas: no geral, são apenas carros e trabalhadores das obras que circulam pela região. “Por enquanto parece uma cidade fantasma. A gente vê que as construções estão prontas, mas não tem ninguém morando. Não está nem 50% habitado. Eu fico pensando de onde eles vão tirar essa população”, comenta a brasileira Leila Martinez, brasileira que mora em Doha desde 2012 e atua como guia turística no país.
Cidade por um mês?
O projeto de Lusail fala em uma extensão de Doha. A cidade espera um fluxo de até 450 mil pessoas por mês, sendo 200 mil residentes, 170 mil trabalhadores e 80 mil turistas. Na opinião de quem já vive no país, as perspectivas são incertas.
“A maior parte da população que está aqui é de trabalhadores de mão de obra pesada. São pessoas que nunca vão poder morar nesses prédios”, opina Leila. Já para um gerente comercial britânico, que vive no Qatar há quase três anos, trabalha na região e pediu para seu nome ser omitido, o investimento em Lusail mira um retorno a médio e longo prazo.
“A Copa é só um pontapé inicial para criar infraestrutura. Existe um desejo de desenvolver uma economia baseada no conhecimento, longe da tradicional dependência econômica dos recursos naturais do petróleo e gás. Lusail será um ponto central nisso como um centro de pesquisa e desenvolvimento”, aposta.
Até lá, porém, a construção segue a todo vapor.
Primeiro o transporte, depois a cidade
Projetada para ser a cidade do futuro, Lusail apoia-se no tripé mobilidade, sustentabilidade e tecnologia. Em termos de transporte, a cidade oferecerá VLT (conectado ao metrô de Doha, também em construção), ônibus, ciclovias, táxi aquático e rotas para pedestres, além de estacionamentos subterrâneos para encorajar as pessoas a trocarem o carro pelo trem ao se deslocar pela cidade. O primeiro trecho do VLT, que, segundo o projeto original, terá ao todo 33 km de extensão, será inaugurado ainda em 2018, quatro anos antes da Copa e dois antes de toda a cidade ser entregue.
Outro ponto que agrega na questão da mobilidade é o conceito de vizinhança, que reúne em cada distrito da cidade serviços básicos, como escolas, mesquitas e comércios. A ideia é reduzir a necessidade de deslocamento ao máximo e com isso diminuir a emissão de gases poluentes dos carros.
Pioneirismo até no lixo
Para minimizar o tráfego de caminhões de lixo, Lusail desenvolveu um sistema automatizado de eliminação de resíduos: a rede de tubulações vai transportar o lixo dos prédios para estações de tratamento e reciclagem fora da cidade.
O esgoto também será tratado e reutilizado no resfriamento do distrito. São 175 km de tubulações instalados em um sistema composto por quatro estações. Ao criar centrais para distribuição de ar condicionado e água fria, a cidade irá economizar 65 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, contribuindo para que o Qatar deixe de ocupar a primeira posição no ranking em emissão de CO2 per capita.
Luxo e tecnologia
O país mais rico do mundo não brinca em serviço quando o assunto é luxo. As ilhas artificiais Qetaifan foram criadas para abrigar residenciais, resorts e clubes de praia. Também haverá uma marina com capacidade para 1800 iates e barcos de luxo. O indiano Shafeeque Moidunni ficou impressionado ao rever o local. “Cinco anos atrás isso era só água, não havia ilha”, comentou o motorista que trabalhar no país há seis anos.
Leila Martinez, a guia turística, também se impressiona a cada visita que faz à cidade em construção. “Há três ou quatro anos, era tudo asfaltado, tinham todas as avenidas e mais nada. Só areia em volta, nem iluminação”. Hoje, ela percebe que até o semáforo tem sensor de movimento para auxiliar no fluxo da futura cidade.
Além das ilhas, o luxo também estará presente nos 22 hotéis e nos edifícios residenciais e comerciais, que terão controle automático de janelas, cortinas, iluminação, segurança e irrigação, entre outros sistemas inteligentes. Nas ruas, haverá totens interativos, onde será possível obter informações sobre a redondeza, desde eventos agendados, mapas e pontos de wi-fi gratuito. A cidade oferecerá uma rede de fibra ótica com velocidade de mais de 1 GB por segundo e câmeras de vigilância que garantirão segurança e otimização do trânsito. E para promover ainda mais qualidade de vida e conforto visual, o projeto dedica 30% da área terrestre a espaços verdes e abertos.
Esporte é a principal atração
Mais do que a cidade da abertura e final da Copa, Lusail caminha para ser conhecida como o palco do esporte no Qatar. A região abriga um distrito dedicado ao golfe e centros esportivos, incluindo a arena que foi sede da final do Campeonato Mundial de Handebol em 2015, um centro de tiro e um autódromo.
Na opinião da guia brasileira, a ideia não é transformar o local em um centro turístico como Dubai, e sim em um polo cultural e principalmente esportivo. “O público de eventos esportivos e culturais é mais seletivo. É mais fácil de colocar regras. Os atletas já vêm com as orientações sobre dress code, por exemplo. Se você abre para o turismo, não consegue explicar para cada pessoa que ela não deve usar shorts, mini blusa ou andar sem camisa”. Sobre a Copa, ela acredita que o país mira uma abertura, mas sem uma ocidentalização no nível da cidade mais famosa dos Emirados Árabes. “As pessoas estão conhecendo o país e estão com vontade de voltar pra Copa do Mundo. Elas olham agora e pensam como é que vai ficar em 2022. Eles estão fazendo uma vitrine para o futuro”.
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