Atleticanas sentem medo e raiva após canto homofóbico que cita Bolsonaro
O canto homofóbico entoado por parte da torcida do Atlético-MG no clássico do último domingo causou medo, raiva e vergonha em mulheres que estavam no Mineirão e presenciaram a cena. Em um vídeo que circula nas redes sociais, vários torcedores aparecem cantando a frase "Ô cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado".
A reportagem conversou com cinco torcedoras (quatro do Atlético e uma do Cruzeiro) que estavam no estádio e se disseram indignadas com o tratamento ofensivo aos homossexuais.
“Nunca tinha visto nada agressivo dessa forma. Os cantos em clássico são homofóbicos, mas nunca dizem assim de um jeito tão direto 'vocês vão morrer'”, afirmou a analista de service desk Fernanda Therazane, de 30 anos, cruzeirense e lésbica. “Me sinto insegura porque gosto de ir pra estádio. Se eles descobrem que eu sou homossexual vão me matar?".
Segundo os relatos, o canto foi ouvido ao menos outras duas vezes. O atleticano Paulo Lima disse que presenciou um princípio de confusão no banheiro masculino quando um grupo de torcedores entoou a música e foi repreendido pelos demais.
A seguir, reproduzimos os relatos das torcedoras que presenciaram o momento em que o grito foi ouvido mais alto, no intervalo da partida. As atleticanas preferiam não ter seu nome publicado temendo uma reação da própria torcida.
Advogada
23 anos
Heterossexual
Frequenta estádios desde os 12
"Não foi um bolinho isolado, não foram dez pessoas, foi praticamente todo mundo. Foi bem forte e bem claro. Fiquei amedrontada e com vergonha. Não sou LGBT, mas sou mulher e os caras não respeitam ninguém. Não é só uma brincadeira, é uma linha muito tênue de expressar agressividade e de fato cometer. É muito fácil um cara sair dali e pegar uma pessoa LGBT na porrada, como já aconteceu. Tenho amigos gays que não frequentam estádio porque sentem medo".
Estudante
19 anos
Bissexual
Frequenta estádio desde bebê
“Tinha até criança cantando, o que é assombroso porque criança só repete o que ouve. Tive vontade de ir embora, me senti excluída. Os integrantes do meu próprio time me queriam fora dali. Vou a estádio com minha mãe desde que tenho um ano. Estava com meu namorado e senti que lá não era meu lugar. A arquibancada sempre foi minha casa, mas não pretendo voltar enquanto não passar a eleição. Amo o futebol e o Atlético, mas estou extremamente decepcionada. O clube sempre passa a mão na cabeça quando acontece uma coisa assim.”
“A paixão do povo não pode excluir o povo. Os cantos sempre foram homofóbicos, mas antes eles falavam que era só zoação com o time adversário. Dessa vez eles disseram que vão matar.”
Torcedora (não quis revelar a profissão por medo de ameaças)
34 anos
Heterossexual
Frequenta estádio desde os 16 anos
“Isso me deixou muito triste porque eu amo o Atlético, mas a cada dia tenho ficado mais desgostosa. Alguns torcedores pediram para parar de cantar. Algumas torcidas organizadas tentaram abafar com o tambor, mas logo depois entoaram outros cânticos também homofóbicos. Acho que uma punição ao clube deve ser feita. É uma incitação explícita ao assassinato de homossexuais, você está incitando alguém a matar outra pessoa. Foi muito ofensivo por usar a palavra matar.”
“Quando nós questionamos isso, muitos homens fazem ameaças, dizem que vão nos estuprar, para gente aprender a não mexer com homem, que futebol é coisa de homem.”
Estudante
20 anos
Bissexual
Frequenta estádio desde os 11 anos
“Estava bem do lado deles. Era um grupo pequeno, mas foi tomando uma proporção enorme. A gente ficou assustado e quando acabou pensamos que podíamos ter vaiado, feito alguma coisa. Mas ficamos em estado de choque, não acreditamos que aquilo estava acontecendo. Foi doloroso. Se você é LGBT e tenta falar alguma coisa para isso parar, está passível de ser agredida ali, talvez não fisicamente, mas verbalmente.”
“Espero que o Galo seja punido. A nota de repúdio que eles fizeram foi uma vergonha. Não é um time que costuma fazer campanha por respeito a orientações sexuais.”
Fernanda Therozene, analista de service desk
30 anos
Lésbica
Frequenta estádio desde os sete anos
“Estava um pouco distante da torcida, mas peguei o final da letra. Achei uma palhaçada e eles continuaram cantando. Eles falaram de um cara que está se candidatando a presidente e ameaçando homossexuais. Senti raiva e indignação. Nunca tinha visto nada agressivo dessa forma. Os cantos em clássico são homofóbicos, mas nunca dizem assim de um jeito tão direto ‘vocês vão morrer’. Me sinto insegura porque gosto de ir pra estádio. Se eles descobrem que eu sou homossexual vão me matar?”
Parte da torcida vê canto como brincadeira
O Atlético lançou uma nota de repúdio contra a manifestação de seus torcedores. O STJD estuda uma ação contra o clube. Coletivos atleticanos que defendem a diversidade sexual, como o Galo Queer e a galo Marx, também repudiaram o canto. A reportagem conversou com dois homens que estavam no Mineirão no domingo. Um deles, o atleticano Pedro Penido, manifestou uma visão diferente a respeito do episódio. Ele não viu homofobia na manifestação da torcida do Galo, opinião compartilhada por parte da torcida que tem se posicionado nas redes sociais desde domingo.
“A repercussão foi porque o canto é associado ao nome do Bolsonaro, o candidato a presidente que está liderando as pesquisas. Esse tipo de brincadeira eu não levo pro lado homofóbico, até porque tinha homossexual no estádio participando de canto ofensivo. Foram inúmeras músicas cantadas ontem e ninguém nunca falou nada, você não vê um movimento dentro da arquibancada repudiando isso. Isso acontece no futebol há décadas e vai continuar acontecendo. Eu não cantaria porque não sou eleitor do Bolsonaro, não decidi meu candidato.”
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