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Chamado por Tite, Richarlison pensou em desistir e foi salvo por técnicos

Peter Powell/Reuters
Imagem: Peter Powell/Reuters

Lucas Sarti e Pedro Sciola

Colaboração para o UOL Esporte

29/08/2018 04h00

A carreira do atacante Richarlison decola de maneira impressionante. Em pouco mais de três anos, o jogador passou de estreante na Série B para artilheiro do badalado Campeonato Inglês, vestindo a camisa do Everton. A mais nova conquista aconteceu na noite da última segunda-feira (27), quando o técnico Tite o convocou para defender a seleção brasileira. Para que essa trajetória fosse possível, duas pessoas foram fundamentais: Fidel Carvalho, seu primeiro treinador, e Regis Masarin, técnico que o incentivou a não desistir de seu sonho.

O ex-jogador de América-MG e Fluminense deu seus primeiros passos no futebol em Nova Venécia-ES, sua cidade natal. No projeto ‘Palestra’, escola com função social para crianças, Richarlison conheceu Fidel Carvalho, que tornou-se uma espécie de ‘segundo pai’ do jovem, o afastando de um ambiente de criminalidade e drogas.

Richarlison  - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Richarlison recebeu na Inglaterra Fidei Carvalho, seu primeiro treinador
Imagem: Acervo pessoal

“Ele ficou comigo dos 10 aos 14 anos. Na época, eu só tinha futebol de salão. Eu o incentivava a buscar seu sonho, o mantinha por perto para não permitir que desviasse o foco, mostrava exemplos de que o crime nunca compensa. O restante era com ele, pois já tinha índole voltada para o bem”, disse em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Richarlison teve amigos que foram presos ao se envolveram com o tráfico de drogas. Assim, Fidel acredita que o projeto, junto com os conselhos, influenciaram positivamente nas escolhas do atleta selecionado para substituir Pedro, do Fluminense, que se lesionou na última semana.

“Nova Venécia tem 60 mil habitantes. Uma cidade pequena não tem tanta perspectiva para os jovens. Alguns enxergam o tráfico com a esperança de uma vida melhor. Então, muitos pendem por causa disso. O projeto vem não para solucionar o problema, que é de ordem social, mas para pelo menos amenizar, manter as crianças próximas da gente, ter uma referência, como o Richarlison, que os pais dele eram separados“, conta Carvalho, que tem 34 anos e trabalha como examinador do Detran.

De infância humilde no interior do estado do Espírito Santo, Richarlison por muitas vezes conseguiu ‘bicos’ para ajudar a sustentar sua casa, como vendedor de trufas caseiras e ajudante na roça. Apesar disso, Fidel revela que o garoto tinha um único objetivo: tornar-se jogador profissional.

“Ele limpava lotes, ajudava o tio à noite em uma lanchonete próximo a uma faculdade... Teve um dia que o treinador que me auxiliava conseguiu um serviço de ajudante de pedreiro. Ele foi um dia, mas, no outro, falou para o treinador que aquilo era muito pesado e que ele seria jogador de futebol”, lembrou.

Richarlison II - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Richarlison (em pé, o do meio) quando atuava pelo Palestra, seu primeiro clube na infância
Imagem: Acervo pessoal

O treinador também recorda com orgulho algumas histórias compartilhadas com o atual camisa 30 do Everton. A dificuldade para se locomover para partidas disputadas como visitantes rendeu diversas aventuras, as quais Fidel lembra com carinho.

“Moramos na região norte do Estado, que fica a 250 quilômetros da capital. Quando íamos jogar lá, saíamos cinco da manhã, levando comida na caixa de isopor. Chegávamos em cima da hora do jogo, no entanto, todos sempre estavam felizes. Também teve um dia em que nós fomos para a final com oito garotos em um Gol. Ele [Richarlison] foi no porta-malas. Disputamos e fomos campeões”, contou.

Mesmo com a distância, a relação entre ambos se mantém. Em abril, Fidel viajou para visitar o amigo e foi hospedado pelo então atleta do Watford. Já o recém-convocado por Tite, sempre quando pode, vai até Nova Venécia para encontrar seu conterrâneo. Entre as conversas, sobram casos para lembrar, como o da aposta do salgado.

“Um dia, o levei em um clube da cidade para que ele pudesse usar a piscina. Ele não tinha dinheiro pra comer por lá, aí um garoto do clube o desafiou numa disputa de nado, valendo um salgado. Ele, como sempre viveu solto, sabia nadar como ninguém. Ganhou fácil a aposta e o menino teve que pagar o salgado”, recordou, gargalhando, o antigo técnico do atacante. 

Rejeitado, Richarlison pensou em desistir, mas treinador o motivou 

Richarlison terá a oportunidade de vestir a camisa da seleção brasileira nos amistosos diante de EUA e El Salvador. Há pouco mais de quatro anos, a ideia era de abandonar os campos de futebol. Depois de não ser aceito nas peneiras de Figueirense e Avaí, o jovem jogou no Real Noroeste, equipe de Águia Branca (ES), e sentia que sua carreira não iria deslanchar.

No dia de seu aniversário, Richarlison foi dispensado pelo Figueira. Ao retornar para sua cidade, reuniu-se com o técnico Régis Masarin, de 45 anos, e um dos primeiros a trabalhar com o atacante em um campo de futebol. 

“Ele chegou desanimado e me comunicou falando que queria parar. Conversamos por muito tempo e insisti para que ele continuasse, e que assim que pudesse, iria conseguir uma avaliação em outra equipe”, contou. “Ele viveu um período no Real Noroeste, mas desanimou novamente. Nesse meio tempo, conseguimos um teste para ele no América-MG, onde se destacou e seguiu para o profissional”, completou. 

Régis, ex-jogador formado pelo Flamengo, trabalhou com Richarlison por quatro anos, entre as categorias Sub-13 e Sub-15, e sempre notou a qualidade técnica acima da média que o jovem apresentava. 

Richarlison III - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Richarlison (Agachado, o terceiro da esq. para direita) pelo sub-15 do Nova Venécia, time de sua cidade natal
Imagem: Acervo pessoal

“Ele [Richarlison] sempre foi agudo, sempre muito bom no 1 x 1. A cada ano, ele ia se aperfeiçoando. A gente também dava uma atenção especial para ele. É um atleta que sempre jogou, dificilmente ficava no banco. Seu destaque sempre foi a velocidade porque ele ia pra cima da defesa adversária com muita vontade, muita rapidez”, disse o técnico do Nova Venécia, clube que possui parceria com a empresa Sávio Soccer, do ex-jogador Sávio, que atuou por Flamengo e Real Madrid. 

O caminho de Richarlison, no entanto, poderia ter sido diferente. Quando ainda jogava no município interiorano de Nova Venécia, o jovem chegou a ser observado por dois gigantes do futebol nacional: Grêmio e Atlético-MG. Contudo, os clubes resolveram não contar com o garoto franzino, que segundo seu antigo treinador, mantém até hoje as mesmas características, dentro e fora de campo. 

“Ele sempre gostou de treinar, se empenhava bastante. Acho que esse é o grande diferencial. Sempre acreditou no sonho que tinha”, lembrou. “Ele tem um jeito meio ‘matutão’, mas de bobo não tem nada. Não é muito de falar, até hoje. É um garoto alegre e brincalhão”. 

Ascensão fulminante até chegar à seleção brasileira

Richarlison iniciou sua trajetória como jogador profissional no América-MG, quando disputou a Série B em 2015. Entre os principais nomes do Coelho no acesso à primeira divisão, o atacante marcou nove gols em 24 partidas e foi vendido ao Fluminense.

Pouco aproveitado em seu primeiro ano representando o tricolor carioca, Richarlison anotou apenas quatro gols em 28 jogos. Contudo, após a chegada do técnico Abel Braga nas Laranjeiras, o jogador capixaba melhorou seu rendimento, balançando as redes treze vezes em 26 confrontos até ser adquirido pelo Watford, da Inglaterra, em julho de 2017.

Sem tirar férias, Richarlison teve começo avassalador ao marcar cinco tentos em 12 embates com a sua nova equipe. Apesar disso, seu rendimento caiu, terminando a temporada 2017/18 em baixa, mas deixando boas impressões em solo britânico.

Atual artilheiro da Premier League ao lado de nomes como Sergio Aguero, do Manchester City, e Sadio Mané, do Liverpool, o recém-contratado do Everton tem três gols em três confrontos disputados.

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