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Palmeiras dá os "camarões" a Felipão, mas flerta com passado de prato vazio

Novo técnico do Palmeiras, Felipão encontrou ambiente conturbado no clube entre 2010 e 2012 - Leandro Moraes/UOL
Novo técnico do Palmeiras, Felipão encontrou ambiente conturbado no clube entre 2010 e 2012 Imagem: Leandro Moraes/UOL

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

27/07/2018 04h00

"Ano que vem quero carne, salada, camarão..."

A analogia gastronômica foi usada por Luiz Felipe Scolari em 2011. Após um ano difícil, era o seu jeito de reivindicar condições melhores de trabalho para a temporada seguinte. O prato pedido nunca foi entregue e a expressão virou uma das marcas da última Era Felipão, retrato de um Palmeiras à moda antiga, que apostava no pulso firme de um velho ídolo para corrigir os rumos de um clube desorganizado.

Felipão voltou para um "novo Palmeiras". Estádio novo, cofres cheios, elenco farto... Sete anos depois, um dos maiores técnicos da história alviverde finalmente terá um time à altura de suas pretensões. O problema é o tipo de pensamento que levou o clube a reatar esse casamento. Com resultados apenas modestos em campo, a torcida irritada e a política do clube rachada em ano de eleição, a opção por Scolari passou pelos mesmos argumentos que norteavam o Palmeiras do começo da década, quando o prato estava muito mais vazio do que agora.

O Palmeiras assumido por Scolari em 2010 era, financeiramente, terra arrasada, com dívidas e problemas para ficar no azul. Politicamente, um clube dividido, com alternância de grupos políticos adversários (ferrenhos) e brigas semanais; em 2012, o então presidente Arnaldo Tironi chegou a ser proibido de realizar contratações sem aval dos conselhos internos. Tecnicamente, coleção de fracassos, com apenas um título paulista (e um rebaixamento no Brasileiro) desde 2000.

Nesse cenário, diretores frequentemente recorriam a ídolos em busca de "costas largas", capazes de injetar paciência na torcida, servir de escudo para o ambiente turbulento e absorver a pressão. Felipão, entre 2010 e 2012, foi um desses "remédios". Nesse papel, teve companhia do eterno ídolo Marcos e, em menor escala, nomes como Valdivia e Kléber Gladiador, lembranças de breves períodos de bonança nas temporadas anteriores.

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É leviano comparar aquele contexto com o Palmeiras atual. Nos últimos cinco anos, o clube lutou para se reerguer. Se apoiou no seu programa de sócio torcedor, no Allianz Parque e na patrocinadora Crefisa, e reestruturou suas finanças. Montou um elenco forte, considerado há anos um dos melhores do país, conquistando o Brasileiro em 2016. Também encontrou, a partir da segunda gestão do ex-presidente Paulo Nobre, uma trégua política.

Em 2018, entretanto, os sinais de desgaste aparecem. "Camarões" como Dudu, Lucas Lima e Felipe Melo, dentre outros, não estão rendendo o esperado. Desde Gilson Kleina, em 2013, não há um técnico que permaneça no cargo por mais de um ano. Há pressão entre conselheiros de diferentes graus de oposição para a saída de Alexandre Mattos, sob o argumento de que os resultados não condizem com os investimentos.

A iniciação política de Leila Pereira, presidente da Crefisa, rachou o clube. O grupo do ex-presidente Mustafá Contursi, que alçou a patrocinadora ao cargo de conselheira, rompeu relações, e hoje é adversário. No dia em que o Palmeiras definiu o retorno de Scolari, Leila, em entrevista ao Blog do Ohata, do UOL Esporte, fez claras ameaças de retirar sua empresa do Palmeiras em caso de vitória da oposição sobre o atual presidente Maurício Galiotte. Como resposta, um manifesto assinado por três dos quatro atuais vice-presidentes alviverdes cobrou providências:

"A senhora não vai nos ameaçar ou achar que somos seus reféns". Além de parceira, a Crefisa é também credora de R$ 130 milhões do clube, fruto de uma mudança nas regras da Receita Federal. Sua saída, em uma só tacada, representaria a perda de uma importante receita e uma dívida colossal com um novo inimigo.

Isso tudo acontece às vésperas do início da fase mata-mata da Libertadores, no próximo dia 9 de agosto. Diante da fervura, o Palmeiras recorre a velhos hábitos, que remetem aos de 2010. Chega Felipão, ídolo, pulso firme e experiente. O nome capaz de blindar a divisão política e uma resposta à torcida. Um treinador capaz de colocar um elenco milionário, que rende abaixo do esperado, "na linha".

Independentemente de Felipão e seus defeitos e virtudes, a mentalidade que o reconduz ao cargo de técnico do Palmeiras é oposta àquela que norteou o clube nos últimos anos. Exceção feita ao breve retorno de Cuca em 2017, a direção alviverde nos tempos recentes se orgulhou do verniz moderno que imprimiu no clube, com a reforma do CT, o discurso de planejamento no futebol e a preferência por promessas como Roger Machado no comando técnico.

O contrato de dois anos e meio, a menos de seis meses das eleições que podem mudar toda a diretoria alviverde, indica uma decisão tomada por necessidade. Há o ditado que diz que "velhos hábitos nunca morrem". O Palmeiras reage à panela de pressão recorrendo a um nome pesado, uma figura com história, acostumada ao ambiente do clube. O medalhão que atende aos apelos emocionais e dá "fôlego" em um momento de crise. Tudo ao contrário.

A aposta é de risco. Os investimentos e a retomada da grandeza palmeirense subiram a barra da torcida, tradicionalmente exigente. Há na torcida sede de títulos. Os resultados em campo do time comandado por Scolari vão ditar a avaliação do trabalho da diretoria, o que potencialmente afeta o resultado das eleições do fim do ano, que por sua vez podem repercutir no futuro financeiro e político.

Para Felipão, também trata-se de uma espécie de última chance. O medalhão quase caiu em 2012, levou 7 a 1 em 2014 e pouco fez no Grêmio até 2015. Volta a um clube de ponta, que ele conhece, com chance de título. Chance de provar a quem o chama de ultrapassado que ainda é um treinador de primeira linha no cenário nacional. Mais do que isso, mostrar que a mística que um dia o cercou ainda tem conexão com a realidade. A habilidade de transformar um grupo de marmanjos adultos, que nem sempre se entendem, em algo que o próprio chama de "família". Não é tarefa fácil, mas, dessa vez, pelo menos, ele tem carne, salada e camarão.