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Símbolo da estabilidade, Wenger foi de exemplo à piada por vexames recentes

Carl Recine/Reuters
Imagem: Carl Recine/Reuters

Do UOL, em São Paulo

20/04/2018 11h11

Ficar 22 anos em um mesmo cargo tem um preço. E Arsène Wenger sentiu isso na pele. Antes exemplo de estabilidade como chave do sucesso para um clube, o treinador anunciou nesta sexta-feira sua saída do Arsenal desgastado pelo longo período no comando, alvo de piadas por uma longa lista de vexames recentes e ponto central em qualquer análise de como entender as mudanças pelas quais o futebol europeu passou nos últimos anos.

Wenger foi contratado sob desconfiança pelo Arsenal em 1996 depois de se destacar no comando do Monaco, clube o qual dirigiu também por um longo período, de 1987 a 1994. Em um mercado ainda longe do poderio econômico atual e dos investimentos bilionários estrangeiros, o técnico encontrou no clube londrino o lugar ideal para colocar em prática suas convicções futebolísticas: aposta em jovens jogadores, acompanhamento integral dos jogadores fora de campo e esquema 4-4-2, o que melhor preenche os espaços segundo suas palavras.

O sucesso não demorou a aparecer. Em sua segunda temporada, levou o Arsenal à conquista do Campeonato Inglês de 1997/1998. Ainda viriam mais dois nos anos seguintes, os das temporadas 2001/02, 2003/04, além de sete conquistas da Copa da Inglaterra. Um currículo de respeito, mas que ficou desbotado diante da dificuldade de obter resultados nos últimos 10 anos.

Wenger esteve perto da glória máxima no clube na temporada 2005/2006, quando foi vice-campeão da Liga dos Campeões e perdeu a chance de premiar os 10 anos no comando com um título inédito para o Arsenal. Curiosamente, na temporada seguinte, o clube londrino mudou de casa, deixando para trás o Highbury para estrear o moderno e imponente Emirates Stadium. O estádio virou símbolo da entrada definitiva do Arsenal na nova lógica de altos investimentos no futebol inglês, mas também marcou o início de outros 12 anos não tão gloriosos para o time de Wenger.

Estabilidade garantida, mas longe do protagonismo

Wenger faixa - Stefan Wermuth/Reuters - Stefan Wermuth/Reuters
Faixa pedindo a saída de Wenger em 2017: bons tempos ficaram para trás
Imagem: Stefan Wermuth/Reuters
Quando chegou ao Arsenal em 1996 muito dificilmente Wenger imaginou que ficaria tanto tempo. Em 2006, em seu auge, vivia uma relação de reciprocidade com a torcida que era exemplo, ao lado de Ferguson no Manchester United, de como a estabilidade no cargo de técnico valia a pena no futebol. Em 2018, próximo de completar 22 anos no clube, era difícil imaginar como o técnico permanecia intocável. Afinal, foram 12 anos em que vexames e campanhas medianas passaram a fazer parte do dia-a-dia do clube.

Neste período, conquistou três Copas da Inglaterra, muito pouco se comparado aos primeiros dez anos de sete títulos, três deles do Inglês. Na Liga dos Campeões, o máximo alcançado foi uma semifinal em 2008/2009, mas desde 2010/2011 não conseguiu mais fazer o clube superar a barreira das oitavas de final. Nesta temporada, viu uma sequência de 17 Champions consecutivas disputadas ser interrompida, conseguindo vaga apenas na Liga Europa. Curiosamente, a competição que pode levar Wenger ao seu último título no Arsenal, já que o clube disputará a semifinal contra o Atlético de Madri.

Uma eventual conquista pode até servir como uma despedida honrosa a Wenger, mas não terá o efeito de apagar a falta de competitividade do Arsenal em confrontos contra os melhores times do mundo. Para ficar em dois exemplos mais recentes, o time inglês foi eliminado pelo Bayern de Munique na Champions de 2016/2017 após duas goleadas por 5 a 1 e, na final da Copa da Liga Inglesa desta temporada, perdeu de 3 a 0 para o Manchester City em um jogo que foi amplamente dominado.

Não à toa, a saída de Wenger ainda divide as opiniões entre os torcedores do Arsenal. Os mais saudosistas colocam na balança as conquistas antigas e avaliam que o trabalho de 22 anos merece mais do que respeito. Porém, a insatisfação crescente com o técnico era visível, com placas pedindo a sua saída e muitas piadas a cada nova derrota de impacto.

A avaliação corrente no futebol inglês é que Wenger não teve uma adaptação plena a um futebol inglês hoje movido por grandes investimentos. Ganhou a pecha de pão-duro por sua rigidez no mercado, sempre dando prioridade a apostas em jovens. Aos poucos, teve que abrir mão de algumas de suas convicções, permitiu investimentos altos em jogadores como Ozil e Lacazette, mas não conseguiu mais acompanhar os maiores rivais. Sempre esteve entre os 5 melhores do Inglês, mas só disputou o título de fato em 2010/2011 e 2015/2016.

Estabilidade comparável a de Ferguson

Ferguson - REUTERS/Nigel Roddis - REUTERS/Nigel Roddis
Ferguson ficou 27 anos à frente do Manchester United
Imagem: REUTERS/Nigel Roddis
A saída de Wenger coloca fim também a uma era de trabalhos de longuíssimos prazos no futebol inglês, que teve Alex Ferguson como outro grande ícone. Até deixar o Manchester United em 2013, foram 27 anos ininterruptos no cargo, fazendo uma dobradinha que permeou 17 anos do futebol inglês: fazendo chuva ou fazendo sol, Arsenal e United teriam os mesmos técnicos no banco de reservas no dia seguinte.

É difícil imaginar no futebol europeu atual trabalhos em times de primeiro nível com o mesmo tempo de duração. O United, por exemplo, já trocou três vezes de técnico nos cinco anos sem Fegruson. O Arsenal ainda não definiu seu futuro treinador, mas é improvável mais 20 anos com apenas um nome no cargo. Outros times europeus, há tempos, já não veem esta estabilidade (veja lista abaixo).

Com o futebol brasileiro, a comparação é ainda mais desigual. Entre os 20 clubes da Série A, nenhum treinador completou dois anos no cargo. Já a seleção brasileira de futebol trocou nove vezes nos 22 anos em que Wenger dirigiu o Arsenal.

Veja quantas vezes os principais times da Europa trocaram de técnico nos 22 anos que Wenger dirigiu o Arsenal:

Real Madrid: 19 técnicos
Barcelona: 11 técnicos
Liverpool: 7 técnicos
Manchester United: 5 técnicos
Bayern de Munique: 11 técnicos
Juventus: 11 técnicos