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'Presidente' Del Nero decidia na CBF e 'rei' Marin discursava, diz delator

Del Nero e Marin na sede da CBF, no Rio de Janeiro - Daniel Marenco
Del Nero e Marin na sede da CBF, no Rio de Janeiro Imagem: Daniel Marenco

James Cimino e Pedro Lopes

Do UOL, em Nova York (EUA) e em São Paulo

17/11/2017 16h28

Uma das principais testemunhas do caso 'FifaGate' na Justiça dos Estados Unidos, o empresário argentino Alejandro Burzaco voltou a falar sobre a participação de dirigentes brasileiros no esquema de corrupção envolvendo pagamento de propinas no futebol. O delator afirmou que a CBF passou a ter 'dois donos' após a renúncia de Ricardo Teixeira, em 2012, e comparou Marco Polo Del Nero e José Maria Marin, respectivamente, a 'presidente' e 'rei' no comando da entidade.

"No contexto do Conmebol, os dois eram como irmão siameses, pois sempre apareciam juntos. Mas o Del Nero era quem tomava as decisões, enquanto o Marin era encarregado dos discursos. Seria como se o Del Nero fosse um presidente e o Marin um rei", disse Burzaco.

Ex-diretor da Torneos y Competencias, que negociava direitos de transmissão das competições de futebol da América do Sul, Burzaco foi principal personagem da primeira semana de julgamento do caso Fifa em Nova York. Ao falar sobre os dirigentes brasileiros, o argentino afirmou em diversos momentos que, embora não ocupasse oficialmente a presidência, Marco Polo atuou durante todo o período investigado como um mandatário da CBF e teria, assim como Marin, recebido subornos em troca de favorecimento na venda de direitos de TV.

De forma surpreendente, as acusações a Del Nero foram o alicerce da defesa de José Maria Marin já na segunda-feira. Nos dias seguintes, Burzaco corroborou a tese, detalhou valores e acordos, e até explicou que a dualidade de mandatários na CBF causou um aumento nos valores dos subornos. Acusações pesadas foram feitas contra os dirigentes e atingiram também a Globo, emissora brasileira que detém os direitos de transmissão das principais competições de futebol no país.

“Marin era alguém que só completava o time”

Acusado de receber mais de R$ 8 milhões em propinas, José Maria Marin, que cumpre prisão domiciliar nos EUA, abriu a semana apontando o dedo para Del Nero. O advogado Charles Stillman utilizou uma analogia com um time de futebol de crianças, e disse que seu cliente era apenas um interino, “alguém que completava o time”.

De acordo com Stillman, Del Nero era o responsável por todas as decisões na entidade, mesmo ocupando apenas a vice-presidência. O dirigente, atual presidente, nega as acusações (posicionamento integral no final da matéria).

Na terça-feira, Burzaco corroborou a versão da defesa de Marin: afirmou que, depois de 2012, com a saída de Ricardo Teixeira, a CBF passou a ter dois presidentes. Segundo o delator, isso aumentou o valor anual das propinas pela Libertadores e Sul-Americana, de 600 mil dólares para 900 mil dólares.

O argentino ainda explicou como o aumento dos valores também trouxe mudanças no esquema de pagamentos de propinas, e se referiu a discursos de Marin, enquanto Del Nero controlava os subornos através de um caderno.

Globo é citada e acusada de pagar propina de US$ 15 mi

Burzaco acusou a Globo de pagar propina a Julio Grondona, ex-presidente da AFA e então membro do comitê financeiro da Fifa, na compra dos direitos de transmissão das Copas do Mundo de 2026 e 2030.

Segundo a testemunha, a Globo e a Televisa teriam, em março de 2013, pago US$ 15 milhões (cerca de R$ 50 milhões em cotação atual) em propinas à Torneos y Competencias (TyC), empresa argentina de marketing esportivo responsável por negociar a venda dos direitos de transmissão no continente. Este dinheiro teria sido repassado a Grondona.

A propina teria sido paga integralmente e toda a quantia destinada a uma 'subconta' no banco privado Julius Baer, da Suíça. Em junho deste ano, um ex-banqueiro do Julius Baer e do Credit Suisse confessou ter organizado pagamentos para Grondona. À agência Reuters, o argentino Jorge Arzuaga se disse "profundamente arrependido" pelo que fez.  A emissora negou veementemente as acusações (veja posicionamento completo no fim da matéria).

Del Nero e Globo se defendem e afirmam inocência

Ao longo da semana, tanto a CBF e Marco Polo Del Nero como a TV Globo emitiram posicionamentos repudiando as acusações e afirmando sua inocência. A Globo emitiu nota dizendo que, em investigações internas, jamais encontrou pagamentos não previstos em contrato; o posicionamento é reproduzido integralmente a seguir:

 “Sobre o depoimento ocorrido em Nova York, no julgamento do caso Fifa pela Justiça dos Estados Unidos, o grupo Globo afirma veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina.

Esclarece que, após mais de dois anos de investigação, não é parte nos processos que correm na justiça americana. Em suas amplas investigações internas, apurou que jamais realizou pagamentos que não os previstos nos contratos.

O grupo Globo se surpreende com o relato envolvendo o ex-diretor da Globo, Marcelo Campos Pinto. A ser verdadeira a situação descrita, o grupo Globo deseja esclarecer que Marcelo Campos Pinto, em apuração interna, assegurou que jamais negociou ou pagou propinas a quaisquer pessoas.

O grupo Globo se colocará plenamente à disposição das autoridades americanas para que tudo seja esclarecido. Para a Globo, isso é uma questão de honra.

Os nossos princípios editoriais nem permitiriam que fosse diferente. Mas o grupo Globo considera fundamental garantir aos leitores, aos ouvintes e aos espectadores que o noticiário a respeito será divulgado com a transparência que o jornalismo exige”.

Del Nero, por sua vez, reiterou que nenhum dos contratos na investigação tem sua assinatura, e que tudo ocorreu na gestão de Marin, e não na sua.

“Com referência à citação feita à sua pessoa pelo delator premiado ALEJANDRO BURZACO na Corte de Justiça do Brooklin, New York, EUA, o presidente da CBF, MARCO POLO DEL NERO, vem a público esclarecer que nega, com indignação, que tivesse conhecimento de qualquer esquema de corrupção supostamente existente no âmbito das entidades do futebol a que se referiu.

As investigações levadas a efeito naquele país não apontaram qualquer indício de recebimento de vantagens econômicas ou de qualquer outra natureza por parte do atual presidente da CBF. Igualmente, o que ali ficou apurado foi que os contratos sob suspeita não foram por ele assinados nem correspondem ao período de sua gestão na presidência da CBF.

Esclarece, ainda, que jamais foi membro do Comitê Executivo da Conmebol, mostrando-se também falsa essa informação. Por fim, reafirma que nunca participou, direta ou indiretamente, de qualquer irregularidade ao longo de todas atividades de representação que exerce ou tenha exercido”