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Time escala defesa com eletricista e açougueiro. E brilha na Liga Europa

Dundalk, time da Irlanda, antes de enfrentar o Maccabi Tel Aviv pela Liga Europa - Reuters / Clodagh Kilcoyne Livepic
Dundalk, time da Irlanda, antes de enfrentar o Maccabi Tel Aviv pela Liga Europa Imagem: Reuters / Clodagh Kilcoyne Livepic

Do UOL, em São Paulo

30/09/2016 06h00

Um time semi-amador do norte da Irlanda é a sensação da Liga Europa. Na rodada de quinta-feira (29), o Dundalk FC venceu o Maccabi Tel Aviv por 1 a 0. Foi a primeira vitória de um time irlandês na fase de grupos de campeonatos europeus.

O mais impressionante? A defesa tinha um eletricista na lateral e uma zaga formada por um açougueiro e um técnico de basquete. Sem contar o centroavante, arquiteto durante o dia e artilheiro à noite. Já são 11 gols na temporada.

Ciaran Kilduff, do Dundalk, comemora gol contra o Maccabi Tel Aviv - Reuters/Clodagh Kilcoyne - Reuters/Clodagh Kilcoyne
Imagem: Reuters/Clodagh Kilcoyne
Como isso é possível no profissionalismo do futebol de hoje?

A história começou em 2012, quando o clube se viu à beira da falência, devendo salários e contando com menos de 300 torcedores pagando ingressos para assistir aos seus jogos. Um cenário aterrador para o clube que tinha, então, 18 títulos nacionais, divididos igualmente entre campeonato irlandeses e copas da Irlanda.

Foi nesse momento que dois empresários locais resolveram salvar o clube para o qual sempre torceram. Paul Brown e Andy Connolly, donos de uma fábrica de porcas e parafusos, assumiram o controle, ignorando a falta de experiência com o futebol. A primeira missão foi pagar os salários atrasados. A segunda, demitir todos os funcionários. Há quatro anos, fora jogadores e comissão técnica, o time tem apenas quatro funcionários: o gerente geral, o diretor de comunicação e dois responsáveis por infraestrutura.

David McMillan, artilheiro do Dundalk, que também é arquiteto - Reuters/Clodagh Kilcoyne - Reuters/Clodagh Kilcoyne
Imagem: Reuters/Clodagh Kilcoyne
Açougueiro, eletricista, arquiteto e até técnico de basquete

Proximidade da falência fez a comunidade da cidade de Dundalk, de menos de 50 mil habitantes, voltar a abraçar o time. Usando doações, foi possível colocar o time de volta aos trilhos. Mas de uma maneira bem diferente do que o futebol está acostumado. Os treinos, por exemplo, só acontecem à noite, já que durante o dia boa parte do elenco completa a renda em outras profissões – algo necessário, já que o clube não tem, ainda, dinheiro para pagar salários altos.

O lateral-esquerdo eletricista é Dane Massey. Os zagueiros são Andy Boyle, que trabalha em um açougue, e Brian Gartland, o técnico de basquete. O artilheiro do time é David McMillan, arquiteto. Todos eles foram garimpados pelo técnico Stephen Kenny, ex-Shamrock Rovers. Foi esse garimpo que trouxe ao clube outra estrela do time, Cieran Kilduff, autor dos dois gols do time na Liga Europa – e que está jogando mesmo após ter fraturado a coluna cervical em abril.

Encontrando jogadores dispostos a receber pouco, mas viver em uma comunidade que abraçava sua equipe, as coisas mudaram para o Dundalk. O time foi o campeão das últimas duas edições do Campeonato Irlandês e ainda lidera o torneio neste ano.

Ciaran Kilduff comemora gol do Dundalk na Liga Europa - Niall Carson / PA via AP - Niall Carson / PA via AP
Imagem: Niall Carson / PA via AP
Campanha já rendeu 5 vezes o valor do elenco

Para jogar a Liga Europa, a equipe está tendo de fazer uma série de sacrifícios. O primeiro, jogar fora de casa sempre. Seu estádio, o Oriol Park, tem 4500 lugares, mas apenas 3 mil cadeiras. É menor do que o limite estipulado pela Uefa de 4000 lugares. Por isso, toda vez que joga, o time tem de alugar o estádio Tallaght, em Dublin, para 6 mil pessoas. “Com o aluguel e a distância, não estamos lucrando nada jogando lá. O ganho com bilheteria é usado para pagar o aluguel”, diz Martim Connelly, o gerente-geral da equipe (e irmão do dono, Andy), ao jornal local Dundalk Democrat.

Por causa disso, o prêmio pago pela Uefa pela disputa dos torneios continentais é tão importante. O time participou da fase preliminar da Liga dos Campeões, avançou em duas eliminatórias, mas parou na última etapa antes da fase de grupos – foi o primeiro time do país a chegar tão longe. A classificação não veio, mas com isso o time entrou na Liga Europa. Após dois jogos, a premiação já passou dos 5 milhões de euros – segundo o site especializado TransferMarket, o valor do elenco da equipe é de 1,1 milhão.

“Ainda não paramos para pensar em o que vamos fazer com esse dinheiro, mas a verdade é que não vai sobrar muito”, avisa Connoly. O motivo? O time não tinha incluído no orçamento custos normais para outras equipes de futebol, como transporte aéreo e hotéis para jogos fora do país. “Já tivemos de fretar cinco aviões e ainda temos viagens para Israel e Rússia, que serão caras. E em algumas delas, teremos de pagar duas diárias de hotel. Metade do que ganhamos vai ser gasto com isso”, admite o diretor.