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Dono do time de Kaká diz: "Liga Americana comprará quem quiser"

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Imagem: Divulgação

Danilo Lavieri

Do UOL, em São Paulo

29/11/2015 06h01

Flávio Augusto da Silva é proprietário do Orlando City, time dos Estados Unidos que ficou famoso no Brasil por contratar Kaká. Depois de quase dois anos de experiência na MLS (Major League Soccer, a liga dos EUA), ele enumera diferenças entre o futebol brasileiro e o norte-americano e diz que duvida que a Liga Sul-Minas-Rio dê certo no Brasil.

O empresário, que teve como alavanca para entrar no futebol o sucesso em uma rede de escolas de inglês, aponta que o futebol no país é apenas resultado de brigas políticas e que dificilmente terá o mesmo nível de profissionalismo dos Estados Unidos.

Ele admite ainda que o nível técnico da liga norte-americana não é o ideal, mas vê esse patamar muito próximo e diz que, em 2022, o campeonato em que seu time atua poderá comprar qualquer jogador do mundo.

Confira a exclusiva de Flávio ao UOL Esporte:

UOL Esporte: Por que o futebol brasileiro, que é historicamente importante e tradicional, não tem conseguido o mesmo grau de desenvolvimento da MLS, nos EUA?
Flávio:
Porque no Brasil é política, não negócio.

UOL Esporte: Em que sentido de política? CBF? Federações?
Flávio:
Em tudo. Será que a melhor decisão é tomada para o futebol, para o clube ou para a chapa? Por que clubes como Flamengo herdam bilhões de dívidas? De onde vem? Das administrações passadas. Nos EUA, eu preciso pagar a dívida se eu fizer. Eu sou o dono. Eu respondo com meu patrimônio pessoal. Essa é a diferença de lá e da política.

UOL Esporte: Há vários processos de renegociação de dívidas no futebol brasileiro e alguns projetos tentam colocar responsabilidade nos presidentes. Esse é o caminho?
Flávio:
 Isso é bom, mas é difícil de se concretizar. É o mesmo que dizer que o presidente do país ou o prefeito de uma cidade vai pagar a conta da gestão. É isso. É política. Eu topei entrar lá porque é empresa. Você é dono de uma, que é o clube, e sócio de outra, que é a Liga. Você coloca seu próprio dinheiro em risco. Se der errado, quem paga sou eu. A possibilidade é muito maior de acerto. Esse é o modelo da NBA, NHL, MLB... e a MLS segue essa referência. A competição nos EUA é esportiva, não financeira. Quer coisa mais chata que o Espanhol? É Barcelona e Real. Imagina você ser torcedor do La Coruña? Todos correm, mas a gente já sabe para onde vai o título.

UOL Esporte: Os clubes no Brasil reclamam que aqui pode ficar do mesmo jeito...
Flávio
: O Flamengo e o Corinthians recebem mais dinheiro que todos. Imagina que você joga tênis comigo e tem direito a jogar com uma raquete maior só porque tem mais seguidores no Facebook. E o público não reclama, acha isso normal! Quando um time ganha 10 e outro ganha 100, não tem competição. Quem ganha mais, contrata melhor. Simples assim. Então achei interessante que nos EUA a competição é no esporte. Embora seja uma Liga de empresas, a competição é no esporte. Veja que contradição. E aqui que não tem dono, a competição é no dinheiro.

UOL Esporte: Você acredita na Liga Sul-Minas-Rio, que tem sido falada no Brasil?
Flávio:
Quem vai ser o presidente? É só jogo de poder. Alguém só quer tomar o poder. Sempre tem alguém. E aí promessas são feitas, pois querem agradar as pessoas que votam...

UOL Esporte: Então a solução é ter um dono? Alguém precisaria comprar o Brasileirão?
Flávio:
É impossível. Não gosto de comparar. Mas é que não tem como comparar. Vamos ser justos. Não tem como comparar o Brasil aos Estados Unidos. São coisas diferentes. Às vezes falam que aqui tem clube-empresa. Tem, o Audax. Quem torce para eles? E quem torce para o Red Bull? Isso não interessa. O Flamengo, o Vasco, Palmeiras... Todos têm torcida, mas são agremiações. São só um sistema político. Não vejo como mudar. Essa tal Liga não tem comparação. Pode melhorar? Talvez. Mas não vai mudar de verdade.

UOL Esporte: Deu para perceber que você considera a gestão da MLS um sucesso. Mas, tecnicamente, há críticas, como a que só existe jogador em fim de carreira, que é um absurdo o Kaká estar jogando nos Estados Unidos e na seleção...
Flávio:
É muito importante entender que o fim de carreira hoje não acontece com 30 anos. O Pirlo jogou a final da Champions com 36. E lá na Europa é assim. Kaká tem 32 anos. Ele joga em qualquer time da Europa. Kaká e Villa poderiam ir para qualquer clube. E se fosse para ganhar grana, iam para China. Mas não foram. O Milan queria o Kaká quando o contratamos. E por que eles não vão? Eles querem participar do maior mercado do mundo. A ida deles para os EUA tem um sentido histórico. Esse é o primeiro fato. O Henry a gente pode falar que foi por puro marketing. O restante, não. Eles não estão em fim de carreira. Temos casos como Giovinco, de 26 anos, e o Giovanni dos Santos, camisa 10 da seleção do México. Fizemos proposta para o Chichiarito. Hoje, já existe uma outra categoria de jogador que vai para a MLS. Claro que eles não estão no auge, não são melhores, mas estão longe da aposentadoria. Hoje a MLS não é liga para quem vai ganhar Bola de Ouro. E, ainda assim, muitos querem ir para lá. Por quê? Paga bem, tem qualidade de vida para família e recebe em dia, além de ter visibilidade. Somos transmitidos em 100 países e, dos grandes mercados, só falta a Índia. Hoje, se passa mais Orlando no Brasil do que o Corinthians. Há cinco anos, a Liga pagava para passar. Em 2010, então, pagaram US$ 68 milhões. Valor pequeno, mas melhor do que pagar. Em 2015, entre nacional e internacional, superou US$ 1 bilhão. Em 2022, falamos de US$ 6 ou 7 bilhões. E aí, neste momento, compramos qualquer jogador do mundo. A MLS compra quem quer. O que traz qualidade é o dinheiro. 

UOL Esporte: Então o próximo passo é ter jogadores de "nível melhor do mundo"? Dá para comprar o Messi?
Flávio
: Isso não é tão importante. Veja, fizemos quatro jogos contra brasileiros. Fluminense, na época campeão brasileiro, perdemos por 4 a 3. Empatamos 0 a 0 com São Paulo e jogamos com a Ponte, antes do desmanche, e ganhamos por 3 a 2. Jogamos com o Flamengo e perdemos por 1 a 0, mas poderíamos ter ganhado. A diferença não é tão grande. O nível aqui é maior, mas os maiores do Brasil vão para Europa e os que ficam não são tão diferentes da MLS, porque tem subido cada vez mais.

UOL Esporte:O escândalo da Fifa impacta alguma coisa para vocês?
Flávio:
A Liga não tem nada a ver com isso. Não tem nada a ver com isso. Sendo bem franco, não sei se é positivo ou não muda nada. Porque a MLS não participa dessa política que acontece na Fifa. Não me preocupa. Claro que eu sou curioso e vejo, pois é relacionado ao futebol. Mas não é algo que afeta a MLS.

UOL Esporte: Você gostou da ideia da Champions das Américas?
Flávio
: Nós já temos nossa competição, a [Liga dos Campeões da] Concacaf. Vencendo, vai para o Mundial. No fundo, teria que ver qual é o objetivo disso. Consigo ver que para a Libertadores é interessante ter os clubes da MLS. Leva a Libertadores para dentro do mercado dos EUA. E isso aumenta o potencial de faturamento. Para nós, é sempre interessante jogar com sul-americanos, testar o time. Mas se é viável... Você imagina um time de Montreal indo jogar em Buenos Aires? É mais longe do que daqui para a Rússia.

UOL Esporte: Qual a pressão de jogar no Orlando City?

Flávio: Nenhuma. Não tem. É só pressão nossa mesmo para vencer. Fomos jogar em Nova York, jogo lá e cá. Estava 4 a 3 para eles. No último minuto, o Kaká bateu falta e meteu do lado de dentro da trave. A bola respinga e no contra-ataque eles fazem o quinto. E aí acabou o jogo. É o time do xeque do Manchester City, tem uma certa rivalidade em Nova York... Mas chegamos no hotel depois disso e tinha uns 100 torcedores. Minha memória brasileira logo pensou que ia ser coisa ruim, que eles estavam bravos, que iriam xingar... mas aí começamos a sair e o pessoal foi aplaudindo, abraçando, pedindo autógrafo. É uma torcida da paz. A pressão é de ter sempre 33 mil pessoas no estádio e 100 países assistindo. É desejo de ganhar. É uma pressão nossa. Chega a ser constrangedor ver o apoio da torcida. É essa a pressão.

UOL Esporte: Você liberaria o Kaká para um empréstimo a um clube europeu?
Flávio:
Ele está de férias, mas acho que nem dá tempo. É uma notícia furada. Se ele solicitar, a gente autoriza sem problemas, mas pelo que sei, ele vai apenas passear.

Nota da Redação: No começo do mês, foi noticiado pela imprensa espanhola que o Barcelona estaria interessado no empréstimo de Kaká a partir de janeiro.

UOL Esporte: Você falou da segurança financeira, que não precisa de Messi, tampouco entrar em uma competição com sul-americanos. Qual é, então, o grande objetivo da MLS?
Flávio
: A MLS quer ser a melhor liga do mundo. Em faturamento, o que vai ser mais rápido do que a gente pensa, e em qualidade técnica. E isso se constrói. Qual é a melhor seleção? A dos EUA ou Inglaterra? Ou Uruguai? Ou Portugal? Sempre vão falar que os EUA estão para trás. Mas os resultados dos EUA nas últimas Copas são melhores do que de todas essas seleções. Foi para o mata-mata em todas as últimas sete Copas. Em 1994, nem tinha futebol profissional e o Brasil suou para ganhar de um time universitário, praticamente. Até o uniforme deles era amador. Então eu digo que os EUA são melhores do que várias outras seleções nas últimas campanhas, mas falta tradição. E isso é só com 50 anos...

UOL Esporte: A nova diretoria do São Paulo falou algo do processo que vocês movem por causa do empréstimo de Ganso?
Flávio
: Emprestamos o Kaká, fizemos uma negociação bem generosa, pagamos o salário. E no nosso contrato, em uma junção dessa generosidade, tínhamos algumas contrapartidas. Uma série de elementos objetivos. O São Paulo deveria nos pagar ao final do empréstimo. E não foi pago. E passou meses. O contrato não foi cumprido. Tentamos em julho fazer composição, para comprar o Ganso, ele até gostou da proposta. Mas não deu certo. A nova diretoria pode não ter tido tempo, pode ser que ele tenha interesse, não sei. Estamos abertos a conversar, nunca quisemos entrar no processo, mas é fato que o clube quer receber o que foi combinado.