"Ficou estarrecida", diz Ruy Cabeção após reunião do Bom Senso com Dilma
Estarrecida. Assim ficou a presidente Dilma Rousseff após a reunião com representantes do Bom Senso FC na tarde desta segunda-feira (26), em Brasília. Durante conversa de aproximadamente uma hora, Dilma ouviu os atletas sobre a realidade do futebol brasileiro a 17 dias do início da Copa e ficou surpresa com a situação.
É o que afirmou após o encontro no Palácio do Planalto o jogador Ruy Cabeção, endossado depois pelos colegas boleiros Gilberto Silva e Alex, que também participaram da reunião. “Ela está estarrecida com a falta de compromisso dos clubes com os salários dos jogadores", disse Cabeção aos jornalistas. "Não imaginava que essas coisas acontecessem no país do futebol, no Brasil pentacampeão. Para a presidenta isso é uma grande novidade. Não sabia desses problemas”, disse ao UOL Esporte após a entrevista coletiva.
Dilma não falou com a imprensa após a reunião. Mais tarde, no início da noite, publicou uma foto ao lado dos jogadores em sua conta no Twitter. "Conversei hj com o pessoal do @BomSensoFC sobre como melhorar a relação entre jogadores e clubes de futebol", afirmou na rede social.
Cabeção disse que Dilma não tinha ideia de que grande parte dos jogadores em atividade no Brasil convive normalmente com atraso de salários e um calendário exaustivo por um lado, para os times grandes, e de menos de um semestre para os times pequenos, a maioria no país. "De quase 600 clubes de futebol brasileiros, apenas pouco mais de oitenta permanecem em atividade o ano inteiro", afirmou o lateral. "Aí os jogadores desses times ficam sem jogar a maior parte do ano, enquanto que os atletas dos times da Série A jogam bem mais do que deviam, está na hora de equilibrar isso".
Além dos jogadores do Bom Senso, participaram da reunião com Dilma o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e o secretário Nacional de Futebol e Direitos do Torcedor, Toninho Nascimento. Uma comitiva de 12 atletas do Bom Senso, entre eles Alex (Coritiba), Dida (Internacional) e Juan (Internacional), além de Cabeção e do pentacampeão Gilberto Silva (que estão sem time), dentre outros profissionais de times pequenos, estavam no encontro.
De acordo com Cabeção, a presença de jogadores famosos e de clubes grandes no Bom Senso é importante para que o movimento ganhe repercussão. E voltou a falar sobre a situação do futebol brasileiro, principalmente nas divisões inferiores. "No último ano e meio, trabalhei nove meses e até agora recebi apenas três. É uma situação muito complicada", disse o lateral.
Com passagens por clubes grandes e tradicionais da Série A do Campeonato Brasileiro como Grêmio e Fluminense, Cabeção jogou o início da temporada este ano em dois times no futebol do Mato Grosso, mas terminado o campeonato local e após mais uma série de calotes, procura um clube para defender. "Tenho certeza hoje que por causa do meu envolvimento com o Bom Senso, por conta de expor essa realidade difícil, que ninguém quer ver, muitos times fecharam as portas para mim", disse.
"Foi muito proveitoso, não é todo dia que atletas de futebol tem a chance de ser recebidos por um chefe de Estado", afirmou Alex. "Não são todos que tem tempo para falar de futebol", comemorou o meia. Os jogadores afirmam que o Bom Senso FC é um movimento que conta atualmente com cerca de 1.200 atletas subscritos.
'Fair play financeiro'
O resultado da reunião teve saldo positivo segundo os atletas, já que Dilma teria se comprometido a ajudar o movimento em três pontos: o primeiro é garantir a aprovação de um projeto de lei que institua o "fair play" financeiro -- mecanismos e punições que forçam os times a pagar salários, tributos e outras obrigações fiscais em dia sob pena de perda de pontos na tabela, não participação em campeonatos e até responsabilização civil de dirigentes.
O segundo é o estabelecimento de dispositivos que assegurem a participação de atletas nos conselhos diretivos de clubes e entidades, como federações e confederações. O terceiro ponto é criar de um grupo de trabalho que reúna jogadores, técnicos, entidades esportivas e governo para a discussão melhorias e fortalecimento do futebol brasileiro. Os dois primeiros pontos já foram encaminhados no Congresso Nacional.
Está previsto para ser votado nesta semana no plenário da Câmara dos Deputados um projeto para renegociação da dívida dos clubes de futebol com o governo federal, a maioria em impostos e contribuições não pagos, estimada hoje em cerca de R$ 4 bilhões. O projeto, além do parcelamento da dívida de cada time em até 25 anos com descontos nos juros e total devido, prevê mecanismos de responsabilidade fiscal que obriguem os clubes a manter salários e outras obrigações financeiras em dia. Se aprovado o projeto, que ainda prevê a criação de um fundo para investimento no esporte escolar e novas loterias para ajudar a financiar o futebol e o fundo, inclusive com apostas online, segue para apreciação no Senado.
No final do ano passado foi aprovada e sancionada uma lei -- embutida em uma MP (Medida Provisória) sobre crédito da Caixa para beneficiários do programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida" comprarem eletrodomésticos -- que obriga times de futebol, entidades e clubes esportivos que recebem recursos públicos a incluir atletas em seus conselhos diretivos. A mesma lei impede que dirigentes exerçam mais de dois mandatos consecutivos (uma reeleição), mas ainda precisa ser regulamentada.
Para o secretario de futebol, o mesmo dispositivo legal pode trazer em sua regulamentação a expansão da norma para entidades que não recebem recursos públicos, como a CBF. Segundo Nascimento, o grupo de trabalho deve ser implantado o quanto antes e apontar caminhos concretos para evoluir e fortalecer o futebol brasileiro, tanto o feminino como o masculino, a curto prazo.
De acordo com Nascimento e os jogadores do Bom Senso, em nenhum momento falou-se de Copa ou seleção, apenas sobre os estádios construídos para o Mundial da Fifa, que possuem uma facilidade maior para que torcidas organizadas se enfrentem nas arquibancadas já que não há grades ou divisões.
“O pensamento nosso sempre foi de diálogo", disse o goleiro Dida após a reunião com Dilma sobre a relação dos jogadores do Bom Senso com os clubes de futebol. "Se não ocorrer nenhuma mudança no cenário nacional especificamente para esses atletas de menor porte, com certeza vamos fazer alguma coisa de importante, mas isso só depois da Copa”, afirmou o goleiro do Internacional e campeão mundial de futebol em 2002, sobre a possibilidade de uma greve.
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