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"Mais caro do mundo", Thiago Silva lida com vida fora da zona de conforto

O brasileiro Thiago Silva é o capitão do PSG, da França - Franck Fife/AFP Photo
O brasileiro Thiago Silva é o capitão do PSG, da França Imagem: Franck Fife/AFP Photo

Fernando Duarte

Do UOL, em Paris

30/04/2013 11h00

O calor de 24 ºC, as brincadeiras a caminho do vestiário e o estúdio armado na recepção do Camp des Loges, o centro de treinamento do Paris Saint-Germain, para as fotos de uma campanha publicitária sugerem um dia na normal na vida do clube. Nos bastidores, porém, a equipe francesa lida com uma série de questões espinhosas, dos rumores da saída do diretor esportivo Leonardo a uma possível ida do treinador Carlo Ancelotti para o Real Madrid. Certo mesmo só o o fato de que encerrar a temporada como o iminente título da Liga Francesa trará ainda mais pressão para que o PSG justifique de forma mais substancial a montanha de dinheiro despejada sobre o clube desde sua aquisição pelo governo do Catar.

Qualquer mudança de circunstâncias terá impacto especial sobre Thiago Silva. Contratado em julho do ano passado por 42 milhões de euros, na mais cara transação já evolvendo um zagueiro, o brasileiro desembarcou em Paris debaixo de expectativas diferenciadas, num momento em que a chegada maciça de reforços criava algum desconforto entre o contingente doméstico do PSG.

Um contexto que Thiago não imaginava encontrar quando aceitou deixar o Milan e Milão, o clube e a cidade que formavam sua zona de conforto. Mas na entrevista concedida ao UOL Esporte em Camp de Loges, o zagueiro conta ter estranhado muito mais a rispidez dos garçons parisienses que o apoio na administração de egos no PSG.

UOL Esporte: A temporada de 2012-13 foi intensa para você tanto no clube como na seleção. Qual a sua avaliação?
Thiago Silva: Estou voltando a minha melhor fase. No campo, comecei bem a temporada, mas tive lesões em janeiro, uma delas que me tirou de campo mais de um mês, o que me deixou triste. O PSG está perto de conquistar o Cameponato Francês pela primeira vez desde 1994 e jogou de igual de igual com o Barcelona. Saiu de cabeça erguida da Liga dos Campeões. Mas fora do campo meu início de temporada foi complicado em termos de adaptação à mudança de clube, cidade, e mesmo pessoas. Houve algumas dificuldades.

UOL Esporte: É tão diferente assim a França da Itália?
Thiago Silva: Muito. O povo é mais frio, a gente vai num restaurante ou numa loja e se a pessoa não te reconhece o tratamento é outro. Em Milão eu estava muito mais à vontade, independentemente de ser ou não o Thiago Silva.

UOL Esporte: Mas essa rispidez é uma característica de Paris, o resto da França é mais simpático...
Thiago Silva: É, o Michel [Bastos, que jogou durante muito tempo no Lyon] já tinha me falado que é uma coisa mais da cidade, mas eu fico pensando que, para um lugar turístico, as pessoas podiam ter um pouco mais de sensibilidade. Mas a torcida dá muito carinho. Toda vez que saio com o carro do centro de treinamento tem um ou outro dizendo que sou o melhor zagueiro do mundo (risos).

UOL Esporte: O quão difícil foi sair da zona de conforto em Milão?  E escolher Paris quando o Barcelona batia à porta?
Thiago Silva: A decisão de sair foi difícil porque tinha uma vida muito boa em Milão com a minha família. Vários clubes estavam interessados, mas chegou um momento da negociação em que o Leo (o diretor-esportivo do PSG, Leonardo), conseguiu me convencer como fez quando fui para Milan. Acreditei no projeto do PSG. Não vi como risco, mas sim a chance de jogar numa outra escola de futebol.

UOL Esporte: Você acredita que a torcida pode ficar um pouco menos amigável caso o time não chegue mais perto do título da Liga dos Campeões em 2014?
Thiago Silva: A cobrança já foi grande este ano. A torcida pegou no pé da gente em alguns jogos porque sabe da qualidade dos jogadores. Sabemos que vamos precisar render mais, chegar mais perto do título da Liga dos Campeões, até por conta do investimento que foi feito no clube. Todo mundo aqui está ciente das responsabilidades que têm.

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UOL Esporte: Mais reforços são necessários?
Thiago Silva: No meu modo de ver, nosso time é bom, mas talvez tenha uma ou duas peças faltando. Levamos aquele timaço deles (Barcelona) até o limite. Mas acho que o PSG ainda oscila muito nas partidas. O clube tem gente para lidar com isso, não sou eu que vou fazer esse trabalho.

UOL Esporte: Em alguns jogos da Liga dos Campeões, você foi visto falando muito com os companheiros. Já está dominando o francês assim?
Thiago Silva: Ainda não falo, mas a linguagem do futebol é simples. Fiz questão de aprender logo o que era esquerda e direita, porque aí eu conseguia fazer coisas mais simples e inclusive orientar meus volantes. Comecei a fazer aula, mas perdi a vontade. Agora preciso voltar, estou numa função que obriga a me comunicar bem. O presidente (do PSG) Nasser Al-Khelaifi me pediu para voltar a estudar.

UOL Esporte: Você foi promovido a capitão como novato no clube, ocupando o posto que pertencia a um dos jogadores franceses, o lateral Jallet...
Thiago Silva: A coisa mais normal que os jogadores franceses poderiam sentir é um pouco de desconforto com um monte de estrangeiros chegando. O Jajá era o capitão, mas não ia ser titular e o Ancelotti me disse horas antes de um jogo que gostaria de me ver com a braçadeira. Aceitei, mas fiquei com aquilo na cabeça, com medo que os caras achassem que eu tinha forçado a barra para ficar como capitão. Hoje nosso grupo é muito mais forte, a gente se dá muito bem, mas no começo precisamos todos pegar confiança uns nos outros.

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UOL Esporte: Ser capitão não era uma pressão a mais para quem chegou com o peso de ser o zagueiro mais caro do mundo?
Thiago Silva: Sou meu maior cobrador. Sei muito bem que sou o zagueiro mais caro do mundo e vou te dizer que não é algo fácil de lidar. Claro que procuro sempre ficar tranquilo dentro de campo, pensar no meu trabalho, mas é claro que a questão fica martelando na minha cabeça. Eu simplesmente não posso errar mais que os outros, ou mesmo errar.

UOL Esporte:  Como você avalia a chegada do Lucas?
Thiago Silva: Parece que ele já está aqui há dois anos. Sei como é difícil sair do país. Eu que mudei do futebol italiano para o francês já senti uma diferença grande, imagina um garoto que veio do Brasil. Nos primeiros treinos, ele ainda estava meio desajeitado e estranhou um pouco a velocidade do jogo, mas na primeira partida parecia que já estava na Europa há anos. Sinceramente, eu não esperava.

UOL Esporte: O Lucas é um exemplo de como de repente ficar no Brasil não é a melhor coisa para o Neymar?
Thiago Silva: A transição do Brasil para a Europa é difícil. O  que o Lucas  fez foi é comum. Precisa do apoio da comissão técnica e do grupo, e o Lucas ele teve isso desde o começo no PSG, sentiu-se em casa. Em outro clube, talvez não fosse a mesma coisa. As pessoas precisam tem um pouco mais de paciência com o Neymar. Falam muita bobagem. O momento agora é de apoiá-lo. O garoto começou bem a carreira, mas os adversários observam muito ele e colocam a marcação mais próximas. É o que ele vai encontrar quando vier para a Europa.

UOL Esporte: O Lucas é exceção também no tipo de jogador brasileiro requisitado hoje em dia no exterior. Os zagueiros brasileiros é que estão em alta, não? Você, David Luiz, Dante...
Thiago Silva: As pessoas falam muito que o Brasil não cria mais grandes jogadores do meio para frente. Isso não é verdade no meu modo de ver. Os zagueiros estão  em evidência porque estão na Europa já há algum tempo. Houve renovação grande do meio para frente no Brasil e as nossas estrelas ofensivas são os garotos que jogam no Brasil. Mas isso é bom. Deixa a Europa prestar atenção os zagueiros para a meninada surpreendê-los.