Você pode ser demitido se for pego vendo um jogo da Copa?
Não importa o que dizem as pesquisas: por mais que o desinteresse do brasileiro pelo futebol aparentemente esteja aumentando, a Copa do Mundo é capaz de tirar o foco do mais compenetrado trabalhador.
Mesmo quem normalmente não liga para o esporte tem dificuldade em ficar alheio ao que está acontecendo no torneio. Para os amantes do futebol, então, mesmo a mais obscura das partidas merece sua dose se atenção. Acontece que isso pode trazer consequências bem desagradáveis para a sua vida profissional.
Aplicativos de celular, transmissões via streaming, placar em tempo real na internet. Foi-se o tempo em que só quem tinha acesso a uma TV ou rádio podia se informar sobre o andamento de uma partida.
Mas como usufruir de tantas ferramentas sem arranjar encrenca no trabalho? E as empresas, como devem lidar com essa nova realidade? O UOL Esporte fez estas perguntas para advogados trabalhistas e especialistas em recursos humanos.
Dá justa causa?
“Alguém que deveria estar trabalhando, mas está acompanhando um jogo de futebol, pode sim ser mandado embora”, diz o advogado, e professor de direito do trabalho da USP, Estêvão Mallet.
Ele alerta que, ao descumprir sua obrigação, o funcionário pode até ser demitido por justa causa. “Pode ser visto como um caso de insubordinação se a empresa disse que ele não deveria ver os jogos”, explica o advogado.
O conselho de Mallet é simples e claro: se o chefe disser que não é para se distrair com a Copa, segure a onda e não o faça. “O melhor a fazer é agir com transparência e lealdade. Perguntar para a empresa o que você pode fazer”, diz o especialista.
Ou seja, a velha e boa comunicação é a melhor saída. Em vez de tentar “dar um migué”, tente entrar em um acordo propondo, por exemplo, mudar o horário de trabalho. Aqui, claro, entra também a responsabilidade do empregador. Ele deve dizer as coisas com clareza e transparência antes de a Copa começar.
“O ideal é que a empresa, dentro de suas possibilidades, procure atender às expectativas dos funcionários. Não faz sentido, só porque alguém não gosta de futebol, criar um obstáculo intransponível para que se assista até aos jogos do Brasil”, recomenda Mallet.
Nem toda empresa pode ser flexível
Diretor de serviços da Leme Consultoria, Renan Sinachi lembra que também é preciso estar atento às particularidades de cada empresa. Funcionários de hospitais, determinadas fábricas e, por exemplo, controladores aéreos, evidentemente têm muito menos, ou nenhuma, margem para sucumbir aos anseios futebolísticos.
“Primeiramente, é preciso respeitar a cultura de cada local. Há empresas mais flexíveis, que colocam TVs para os funcionários assistirem aos jogos, os liberam mais cedo ou permitem que entrem mais tarde. É há aquelas que, por questões de produtividade, culturais ou logísticas, não fazem o mesmo. É o caso de uma fábrica que não pode parar uma linha de produção”, diz Sinachi.
Nestes casos, ele explica, é preciso entender que, se a empresa não quer que você assista aos jogos, é porque há um motivo bem claro para isso. “E o empregado que desrespeitar as orientações está sujeito a penalidades, inclusive demissão por justa causa”, adverte o especialista.
Tais consequências, é importante destacar, não valem apenas para casos extremos. Por exemplo, largar o trabalho para ir ao bar da frente assistir Marrocos X Honduras. Quem se valer, sem autorização, das ferramentas digitais mencionadas no início da matéria, poderá sofrê-las igualmente.
“Não deixa de ser uma forma de abandono do trabalho. A partir do momento em que você disponibiliza uma carga horária para a empresa, recebe a remuneração e não entrega o combinado, fica sujeito a sanções”, diz o consultor.
Sinachi conta que a Leme, inclusive, já foi contratada para orientar empresas sobre como proceder durante a Copa do Mundo. “Costumamos orientar o cliente a divulgar, meses antes da Copa, uma cartilha sobre qual será a postura da empresa. Isso permite ao colaborador inclusive planejar as férias, caso seja para ele algo muito importante. Também é preciso que todos saibam sobre o planejamento. Não adianta os funcionários de uma área estarem a par e os de outra, não”, explica.
O terceiro ponto que Sinachi considera importante é ter bom senso. “Você sabe que a Copa é culturalmente importante para o brasileiro. Então, se o empregador pegar algum desvio de conduta, o ideal é conversar, ser compreensivo. Até porque, na medida em que o Brasil vai avançando, todo mundo acaba entrando no clima” diz o especialista.
Não sabe o que fazer? Pergunte
“Infelizmente, na nossa legislação você pode demitir sem que exista uma justificativa clara”, diz o também advogado Fábio Tibiriçá. Na opinião dele, ser pego assistindo, por exemplo, a um jogo da Copa online, não é motivo para demissão por justa causa nem por abandono de trabalho.
“A falha está na pessoa se desviar daquela atividade para a qual ela foi contratada. Não caracteriza abandono de trabalho, que acontece quando a pessoa deixa de ir ao trabalho por um tempo considerável”, diz Tibiriçá. “O que caberia, no caso, seria o patrão dar uma advertência”, acredita o advogado. Ele ressalta, entretanto, que caso você seja pego se distraindo com a Copa reiteradamente, aí pode sim acabar demitido por justa causa. “Meu conselho para o trabalhador é: não faça isso no horário de trabalho. Se for fazer, peça permissão.”
Fernando Medina, diretor de operações da consultoria Luandre, também destaca a importância de estar atento às políticas internas da empresa. “Se não estiver claro o que pode fazer durante a Copa, vale a pena falar com a área de Recursos Humanos para esclarecer. Eu não acho legal a pessoa ficar assistindo a um jogo no celular ou notebook no ambiente de trabalho. Pega mal para a imagem dela”, diz Medina.
“Às vezes, o funcionário está fazendo um ótimo trabalho e acaba marcado porque alguém passou e viu que ele estava vendo um jogo”, alerta o consultor. “Já do ponto de vista da empresa, não adianta falarmos para ela ser totalmente liberal se a empresa é formal. O chefe pode liberar os empregados e acabar se complicando por isso”, explica.
Pessoalmente, Medina acredita ser contraproducente não permitir que se assista pelo menos aos jogos do Brasil. “A pessoa vai ficar com a cabeça em outro lugar, vai gerar uma desmotivação. Mesmo uma empresa que, por exemplo, lida com atendimento ao público, pode reduzir a carga, fazer escala. Quem atende em um jogo, não atende no outro. Até porque, durante um jogo, a demanda será menor.”
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